quinta-feira, 28 de maio de 2015

A convidada especial




 
                                                                                                           Maria J Fortuna
 

                    Depois de trinta e sete anos em BH, voltei ao Rio de Janeiro, onde passei a infância.  Por aqui, já faz um tempinho que estou recuperando o sentido das coisas que me cercam e o significado delas. As circunstâncias empurram  a gente como  se fôssemos bola de futebol num campo  de jogadores que ora perdem, ora ganham. E assim prosseguimos nessa vida repleta de perdas e ganhos, num jogo que só se acaba quando mudamos para  aquele outro campo que absolutamente não conhecemos e de onde ninguém nos dá noticias...
                   Arrumei,  com carinho, meu novo quarto em casa da tia idosa com quem vim morar. Quando tudo estava pronto, fiquei tentada a convidar algumas pessoas para inaugurá-lo.  Só que, de repente,  lembrei-me que cá no Rio de Janeiro  não tenho mais amigos. Os que tinha,  quando jovem,  já casaram, mudaram de endereço e não me deram mais notícias.
                  Quando eu estava caminhando na Rua das Laranjeiras, pensando na tal  inauguração,  pensei numa pessoa que jamais  faltaria ao evento: minha mãe! Que importa se já está vivendo no campo de lá? 
                   Foi fácil para mim,  retroagir no tempo e  vê-la com aquele vestido cuja estampa parecia o papel que envolvia o vidro de Sal de Frutas ENO, um remédio usado contra azia e dor no estômago nos idos anos 50 do século passado. O vestido tinha um fundo preto com florinhas coloridas tal qual a embalagem do remédio, e era de seda.  Minha mãe tão sorridente, magrinha, sem aquela torturante asma que lhe custou tantas noites sofridas,  pele de jaspe, lindos cabelos castanhos já meio grisalhos, ondulados e soltos, olhos bondosos, usando aquela meia quase transparente, com a costura meio tortinha atrás,  parecendo  que desfiaria a qualquer instante. E ela nem reclamava... Sapatos de saltos, mas quase baixos,  e uma bolsa de couro, sempre combinando com os sapatos.
                Viria com sua sombrinha de cabo madrepérola. Com os lábios discretamente  revestidos com batom de suave tom vermelho, que ela só usava em festas familiares. Não comparecia a nenhuma outra.
                Ela teria mais de cem anos agora.  Mas gosto de lembrá-la ainda moça, com toda aquela energia tão suave quanto o tom vermelho do seu batom.  Sou, além de filha caçula, um rebento nascido tardiamente para aquela época. Uma filha temporã, de gravidez escondida como se fosse a de alguma menina moça que se tornara mãe precocemente. Mas fiquei sabendo ter sido por vergonha de ter mais um filho em idade  avançada, com o marido desempregado,  durante a feia crise pós-guerra dos anos 40. Com isto,   tive-por menos tempo que os outros filhos, que eram três.
                    Ela iria envolver meu quartinho com seu perfume de alfazema misturado ao pó de arroz cheirando a flor de maçã. O privilégio de sentir este doce perfume não era reservado apenas aos que lhe  beijavam a face. Era como se incensasse todo ambiente de uma forma mágica. Manha gostosa de tudo que cheira a mãe. Por fim, ser abençoada pelo gesto acolhedor  do seu abraço! Eu me sentia como envolta em lençóis de cetim tal o seu amor e a maciez de sua pele!
                    Sentaria na cadeira de honra do novo quarto - a que tem almofadas bordadas com carinho - iria desfiar um longo rosário de elogios bondosos a minha humilde decoração. Os dedos suavemente mexeriam com meus cabelos naquele gesto gostoso que sempre precedia a célebre frase em que ela manifestava, delicadamente, sua estranheza a meu respeito:
                   “- Eu só queria saber o que se passa nesta cabecinha....”
                  Tenho uma cama confortável, um móvel para computador e nele farei todas as viagens que meu coração pedir. Desde ver fotos antigas, até escrever crônicas e poesias. Faz parte ainda do meu pequeno espaço,  uma estante com delicadas estatuetas de anjos, um porta-CDs que, em sua maioria, são de músicas clássicas e MPB, e muitos livros. Há uma janela que dá apenas para a parede de outro prédio e é só. Não cabe mais nada!
                    De qualquer forma, rompendo as cortinas do tempo, numa visão surrealista, minha convidada de honra acaba de chegar! O abraço é longo, saboroso, acolhedor como sempre, apertado, sentido e saudoso! Minha mãe cheia de encantos ilumina completamente meu pequeno quarto. De um jeito tal que aqui só cabe felicidade!
                    Quem disse que o amor não existe? Quem disse que ele não viaja no tempo e se desloca anos luz ou mais que isto,  para soprar tudo de bom no coração da gente? Quem disse que aqueles que vivem em nossas lembranças são fantasmas? Quem disse que um grande desejo de encontro se realiza apenas fisicamente? E quem disse que não podemos receber a flor de quem amamos?
                    Eu e minha mãe dançamos ao som de uma valsa, pisando medos, mágoas e cupins de receios mal fundados. Eu me sinto pequenina em seu regaço, como sentia quando me fazia dormir. Eu lhe digo que o tempo não é tão mau, ele me espreme, cada vez mais, para que nosso encontro aconteça também do lado de lá. Aí será minha vez de chegar, mas não como visita.
                   Pouco quero saber agora das maldades do senhor tempo, que a levou tão cedo para longe de mim. Agora ele não mais  existe. Ela está aqui, acarinhando meu mundo e dando-me notícias de Deus através do seu amor. 
                   Pronto! Meu quarto acaba de ser inaugurado!



 

sábado, 16 de maio de 2015

A barganha



                                                                                                                                           Maria J Fortuna


Vó Luna era uma mulher muito benquista por quase toda comunidade daquela pequena cidade do interior de Minas. Isso por causa de sua religiosidade e da grande compaixão que tinha para com os pobres. Por isso mesmo, ela trazia dentro do peito a certeza de que sempre fora uma boa cristã e, portanto, fazia jus à fama de santa senhora. Até que um dia, às vésperas do seu aniversário de 85 anos, acordou com aquela sensação estranha que a visitava quase sempre, de que tudo que havia feito na vida até aquele momento, não tinha nenhuma validade junto ao Criador. Sensação de estranha  dissintonia... Por causa disso, achava que nada seria reconhecido por Ele.  Tomara que tivesse equivocada e, que pelo amor do Seu coração, tudo seria relevado!  Toda aquela estranheza de si mesma... Como então justificaria sua existência de anos e anos de barganha com o Altíssimo?  E agora que estava velha, ainda menos sentido encontrava nos dias que se acabavam cada vez mais  rápidos como um cometa rumando ao desconhecido, e sua consciência lhe pedia lucidez.
Tentou distrair a mente com outras coisas. Até com a saudade que sentia do seu marido que há mais de trinta anos havia  partido, deixando com ela o mistério da morte. Lembrou-se  do problema com o filho casado, que enveredou para o alcoolismo, prejudicando a família,  ou  mesmo as lembranças inquietantes da filha que se foi para Europa, e tudo mais.
Levantou-se da cama, sentindo a velha dor nos ossos e um pouco de acidez no estômago.  Necessitava fazer o café da manhã.  Mas algo bem maior do que ela a cutucava e pedia para emergir. Haja vista que havia sonhado que estava boiando num rio de águas gelatinosas. Mas algo exigia confrontação com ela mesma. Não com aquela que, muitas vezes por medo, benzia-se frente a alguma situação difícil, mas com algo genuíno e puro que ocupava todo o seu ser naquela manhã.  Na realidade  ela se sentia como se fosse uma cebola que, à medida que os anos passavam, necessitava fossem-lhe retiradas as diversas camadas  até que se chegasse  até a menor delas, frágil e quase transparente: o núcleo da mandala.  Era assim.  Mesmo que o cheiro não fosse agradável  e seus olhos se enchessem de lágrimas. Afinal, cebola é algo muito estranho... pensou.  Passou anos na dúvida, sem saber se a mesma seria tubérculo, fruta ou flor. Parecida com a indefinição de si mesma que se passava dentro dela.
Mesmo assim, não se deteve muito naquelas coisas que a atormentavam, em pleno  jejum. Então foi à cozinha, pegou a pequena chaleira, ferveu o líquido bendito que saiu da torneira,  e colocou o pó de café. Sentiu o familiar e delicioso perfume do acolhedor líquido negro,  que fazia parte de sua rotina desde a infância.  Depois caminhou vagarosamente e sentou-se na cadeira que havia embalado os filhos e foi sorvendo, gota a gota,  seu cafezinho com pão de queijo guardado de véspera,  dentro de um pote de vidro.
 Nunca havia ouvido com tanta clareza o pássaro cantor que a saudava todos os dias quando acordava. Mas naquele instante fazia eco mais forte em seu coração. O ar estava mais leve. E pensou que  mesmo quase que perdendo o sentido da  vida, não recorreria à velha barganha para com Deus. Não prometeria ser pessoa melhor, sem cair em pensamentos maldosos, controlando seus impulsos, para pedir algo em troca.  Tudo aquilo seria mentira.  Ela e o próprio Deus andavam cansados de barganhas.  Tipo fazer jejum para que Ele ajudasse o filho a libertar-se do álcool. Aquilo era tipo de “dá cá que eu te dou lá” cósmico, que não acabaria mais!
Ali debruçada olhou janela afora. Deu um suspiro e voltou a sentar-se em sua cadeira de couro velho,enfeitada com babados de crochê. Fixou o olhar nas distantes montanhas cor de ferrugem, semicobertas de verde, e fitou o céu.  De como estava azul naquele momento! Então deu grande mergulho para dentro de si mesma e voltou a sondar essa história de barganha com Deus. Valera a pena? Por que ela e milhões de pessoas passam a vida nessa transação com o Criador? Por que, apesar disso, Ele não havia libertado do mal  pessoas como seu filho, apesar de todos os rogos maternos durante tantos anos? Tudo que ela havia acreditado para si mesma a respeito de Deus, nesse aspecto, seria falso? Sentiu sensação da inutilidade. Mas definitivamente não poderia julgar qualquer movimento d´Ele, baseada em sentimentos humanos. Será que como as ondas do rádio ela não estava  realmente sintonizada com Ele? O que faria para que o elo se refizesse?
O gato amarelo deu um pulo ao sentar-se em seu colo, ronronando. Ela passava a mão no pêlo macio do animal e continuava entregue a seus questionamentos e reflexões.  Deve ser porque  sentiram  o Divino silêncio que muitas pessoas sentem quando abandonam suas religiões, pensou. Ou não souberam interpretá-lo, como acontecia com ela.  Outras perguntas brotavam em sua mente, aos borbotões, até que começou a ficar cansada. Só se ouvia o ronronar do gato e o canto do pássaro. Tudo mais estava em  silêncio...
Teve, de repente,  certeza de que algumas pessoas chegavam à santidade quando abandonavam a barganha. E os ateus, que não tinham Deus para barganhar?  Naquele momento sentiu que havia tirado a última camada da cebola. E se via menina, procurando alguma coisa escondida e o grupo de amiguinhos gritando: - Está frio, morno, quente, quenteeeee! À medida que se aproximava do objeto procurado. Então, falou baixinho:  Deus, se Você quiser me favorecer tenho certeza de que o fará de Graça. Se quiser... E ainda está em tempo...
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sexta-feira, 8 de maio de 2015

Conheça!


Parar um pouco e respirar, mergulhar no Amor, acima de todos os amores

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