
Ela chegou de Paris, toda linda e faceira! Sua beleza chamava atenção, quando, na passarela do aeroporto, desfilou com sua dona, ao descer do avião. Aquele pêlo espetacular, de mechas amarelo-ouro, olhos amendoados, brilhantes, o enorme bigode branco e a carinha mais longa do que a dos gatos que conhecemos aqui no Brasil, não negava sua raiz norueguesa.
Dentro do container, não dava para ver seu elegante caminhar com a cauda felpuda completamente na vertical. Nem dava para ouvir o miado sensual, baixinho, meio rouco, como convém a uma mademoiselle gatinha francesa, cheio de mistérios e sensualidade... Seu nome? Hum... Que nome! O mesmo que ouvi de alguém, chamando por uma bailarina do Moulin Rouge: Nina!
Fiquei pensando... Como seria o encontro de tão gatíssima figura com minha gata preta, trazida de um estacionamento perto da rodoviária? Minha plebéia Mia, nem sonhava com hóspede de tal estirpe!
O detalhe é que Nina ainda estava no finalzinho de um cio, quando pisou no apartamento em Laranjeiras, aqui no Rio de Janeiro. Fui informada de que ela deu uns miadinhos inconvenientes, quando estava nas nuvens, e sentiu um pouco de enjôo comum às debutantes do primeiro vôo. Mas tudo bem. Não chegou a dar vexame.
No primeiro encontro, Mia, a plebéia, eriçou todos os pelos do corpo, jogou as barbatanas para frente, mostrou todos os dentes e jogou para cima da Nina aquele bafo sonoro, que parecia espantar todos os seres invisíveis que moram em nossa casa. Com o corpo em arco e depois em posição de ataque, ficou encarando a outra, morrendo de medo e raiva. O rabo, mesmo com poucos pelos, parecia um espanador. As pupilas dos olhos ficaram completamente dilatadas. Nina não deu bola. Entrou na sala triunfante, peito erguido, patas largas, o que fazia as da Mia parecer ridículas e, apesar de cansada e sedenta da longa viagem, desfilou despreocupada, com seu andar de princesa. Aquele lixo plebeu não ia ofuscar-lhe o brilho...
Assim foram os dois primeiros dias. Nina ainda se espreguiçava, serpenteada nas pernas da gente, com aquele seu grunhido sensual. Fechava os olhos lânguidos e lambia os pelos com leveza e charme, enquanto Mia subia no guarda-roupa e de lá, arrepiada, olhava a invasora, emitindo os ruídos estranhos, próprio de felino que quer caçar.
No terceiro dia, estávamos almoçando na cozinha, quando se ouviu um miado desesperado e um barulho de objetos caindo. Quando chegamos à sala, um monte de pelos pretos voavam pelo ar. Nina havia saído do cio e com toda a herança dos seus ancestrais noruegueses vindo das florestas, partiu para cima da pobre Mia, cuja valentia desceu pelo ralo da casa e nunca mais voltou! Nina havia perdido toda a doçura e porte de gata nobre, nascida em Paris e transportada para Lyon. Parecia uma gata de rua, daquelas barraqueiras, que reage a um simples cheiro de cachorro ou de gato paquerador. Perdeu a linha!