quinta-feira, 30 de maio de 2013


 

Paradoxos

Maria J Fortuna

Tem dia que a gente sente como se artérias e veias estivessem enfeixadas e energizadas como instrumento de cordas, tocadas pela sutil presença de sentimentos e emoções, inexplicáveis, que não sabemos de onde vêm.
Talvez proceda de noites mal passadas, onde lembranças boas e más se entrelaçam ou, quem sabe, do medo que a gente sente das coisas conhecidas à sombra do desconhecido. Ainda piora este estado as ameaças às quais estamos sujeitos no dia a dia.  De qualquer forma, é mais incômodo ainda  este estado de espirito, quando não conseguimos canalizar para algo maior do que esta rotina, por vezes sufocante, dos nossos dias,  por causa dos ameaçadores fatos que chegam até nós, através de noticiários.  Aboli, portanto, a presença dos que chegam através dos canais convencionais da TV em minha casa.  Substituí toda pelo canal ARTE. A necessidade de Minh ‘alma é que me inteire de outro tipo de notícias: Artes e artes!   Cinema, teatro, orquestras sinfônicas, dança, poesia, pintura...  Depois que a gente adota ARTE na jornada diária ou noturna, o envolvimento com a beleza amansa o estado de irritação que pulula em nossas veias. Sinto-me então mais tranquila, menos ameaçada. Afinal se podemos ser assaltados e mortos pelas ruas da cidade, pelo menos não sofremos por antecipação e não deixamos de usufruir o melhor, com certeza de que assistir a uma série de crimes não vai mudar em nada o que possa nos acontecer.
Com isso, de ontem para hoje, fiquei sabendo a verdade sobre meu compositor preferido: Wagner. Sempre me incomodou sua posição antissemita e eu jurava que ele teria sido contemporâneo de Hitler. Parcialmente aliviada por saber que o compositor morreu antes do nascimento do ditador fascista, afundei nos estudos de sua biografia e ouvi trechos de sua ópera Tristão e Isolda. que acabou por esfacelar-me o coração, deixando-me completamente nocauteada! Mas foi muito bom! Como um músico capaz de compor peças como esta, pode ter sido antissemita? Ele, que compôs Parcifal, onde a música em cima de um tema tão místico, consegue deixar-me completamente fora do chão? Este confronto com o paradoxo é uma exigência constante no ser humano, principalmente nos dias de hoje. Meu coração não aceita o preconceito de Wagner, mas amo sua música! Ela acelera meus neurônios e faz desmaiar meus sentidos levando-me a quase êxtase! Fazer o quê?
Falando em êxtase, depois da apresentação do tema Wagner, assisti hoje pela manhã em Arte, a um documentário sobre a maravilhosa escultura de Gian Lorenzo Bernin:  O êxtase de Tereza D´ Ávila! Esta mulher sempre foi uma fascinante incógnita para mim! Ela era tão cheia de hormônios, como plena de graça! O sofrimento de Bernini por não ter conseguido êxito na construção de uma torre da Catedral, teve como resultado esta belíssima obra em mármore e bronze, que me encanta, por trazer a feição da sublimidade e beleza dessa mulher extraordinária! Tereza D´Ávila, outro ser paradoxal! Bernini conseguiu leveza na pedra como as levitações de Tereza! Desperta, no espectador, a sublimidade do seu Amor por Jesus. Até hoje, há discussão sobre a representação da imagem, pela feição de intenso prazer que transparece no rosto da santa, no exato momento em que é atingida pelo dardo de um anjo,  repetidamente.  Tereza não só sentiu imenso prazer, mas grande dor, como ela mesma relata, o que contrasta comas feições do anjo que parece enlevado por uma Energia Maior!


                Jean Yves Leloup em o Absurdo e a Graça nos fala do paradoxo de Jesus. Verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Foi n´Ele que este filósofo e escritor encontrou sua síntese: Naquele momento preciso, eu apenas recebia o “choque da síntese”. Essa síntese não era uma soma de pensamentos, uma nova ideologia, mas “Alguém”, uma “verdade em pessoa”. Não uma verdade científica, nem filosófica, sequer teológica: uma verdade em presença, um “Eu sou a Verdade”, um “Eu sou verdadeiro”, verdadeiramente Deus, verdadeiramente homem, no interior e no exterior, no início, no fim; eu sou o alpha e o ômega.”
O fascinante da vida são estes paradoxos internos que a Arte nos revela! Nosso lado humano e outro lado, o divino, pela fé em Deus e no homem. Apesar de tudo!
Abaixo um trecho da Opera Tristão e Isolda, na voz desta cantora magnífica cujo nome não ficou claro no Youtube. Veja, ouçam... Se alguém souber de quem se trata, mande para o endereço eletrônico: mjflima85@gmail.com

                    Tristão e Isolda

 
 
                                                           Desconheço o autor

 

YouTube Mix (lista de reprodução)


sábado, 18 de maio de 2013

Os olhos da menina



Maria J Fortuna
 
A menina tinha um olho triste, outro alegre.  O olho triste  era mais fechado, via as misérias do mundo sem derramar uma lágrima! O alegre mais aberto, coloria o que via o triste, a fim de ajudá-la a suportar suas dores. Usava, para isso, todas as cores do arco-íris!  Mas o olho triste continuava a enxergar tudo preto e cinza.   Era difícil viver com aqueles olhos contraditórios, que ainda mais eram um pouco estrábicos! No entanto, era sua sina. Não dava para eliminar um e deixar o outro. Ambos estavam gravados tanto no rosto com no coração.
Ela, a menina, nasceu com aqueles olhos e ia morrer com eles. Eram gêmeos univitelinos.  Mesclavam tudo que viam e a cor do mundo se confundia  dentro deles.   Tanto através do esquerdo quanto o direito. Assim continuava a observar o mundo com dor miscigenado de amor.
Seu jeito de olhar era intrigante, assim como a cor das íris negras dos olhos da menina tão clarinha, um pouco buliçosa, um pouco detença, que não chegava a preocupar os adultos. Que ficassem pra lá nesse mundo sufocante que ora se espreguiçava, ora se debatia à sua volta, pensava.
 Tinha gente que dizia que ela parecia um anjo. Outras um demoninho sonso, disfarçado na figura de criança. Não era bem assim... Aquele paradoxo se manifestava de forma diferente, atendendo aos apelos dos descoloridos olhos da alma, bem mais sensíveis do que suas pupilas.
Bem cedo teve que escolher qual dos olhos mostrava a verdade do que via. O olho alegre celebrava a luz do dia; o triste, as trevas da noite. O alegre comemorava a paz no mundo,  o triste abominava a guerra.
Desde cedo, a pequena observava as pessoas com muita perplexidade, porque o olho alegre era cheio de esperança, mas o triste a fazia acreditar que não havia possibilidade de transformação nas pessoas e coisas ruins. Por isso, o falso se confundia com o verdadeiro e ficava difícil para a cabecinha e, principalmente o coração, distinguir uma coisa da outra. Não queria acreditar no que o  olho triste lhe dizia. Mas ele estava aí, era seu,  e não podia rejeitá-lo. Seria também um agente de defesa pessoal.
Mas a criança vivia confusa em sua própria natureza. Algumas pessoas da família diziam que ela vivia voando, não aterrissava de jeito nenhum!  Até que resolveu escrever em seu caderno pautado da escola quase tudo o que enxergava de bom ou  ruim: luz e trevas, falso e  verdadeiro. Conseguiu tintas e pinceis e começou a pintar sentimentos, colorindo seu mundo! Tingia uma pessoa de azul, quando era boa, amarelo quando iluminava,  verde quando sonhava. Daí por diante, até o vermelho da raiva e da paixão, o roxo do medo, entre outras.
E as cores se confundiam. Mas sabia que juntando todas elas tinha como resultado o preto, que contém, silenciosamente, todas as cores, e o branco que as reflete. E viu que o mundo era assim: metade luz, metade trevas. Ninguém, para a menina, passou a ser totalmente bom ou mau. Ruim mesmo seria os sem cor ou os  mal coloridos.  Penoso era ter visão unilateral, se possível fosse.
 

sexta-feira, 10 de maio de 2013

O amor torna sagrado


 
 

Pintura de Maria J Fortuna
 

Maria J Fortuna

 

Ninguém é mais belo do que aquele que amamos. Que o digam os verdadeiros amantes! Lembro-me do feioso Dr. Milet, pediatra dos meus sobrinhos. Quando acabava alguma amorosa consulta, ele perguntava à criança: - Sou feio ou sou bonito? No que a maioria respondia: Bonito, você é bonito! Ele, então, dava gargalhadas, acompanhado pela mãe do pequeno cliente.

Meu irmão mais velho, que nasceu como um feto de cinco meses, pesando menos de dois quilos, foi extraído de nossa mãe por fórcipe alto. Ela sofreu horrores!  Contam que o bebe tinha a cabeça grande em relação ao pequeno e frágil corpo, marcado pelo instrumento cirúrgico.  Disseram-me também que seus olhos eram saltados como de um sapo! Quando foi colocado nos braços maternos, minha mãe só viu beleza!  Disse que o filho era um anjo que veio alegrar sua vida! Odiava ouvir meu pai dizer o contrário. Ela preparou uma roupinha de pierrô para esconder o esquálido  corpinho do filho no seu primeiro carnaval.  Ocultou a  cabeça marcada num  gorro.    Mas era seu menino lindo, seu anjo!

Quem, ao ter o amado(a) nos braços não sentiu a fragilidade do ser, contrastando com a força do sentimento que se faz brotar  no coração daquele que ama e que o torna capaz de tudo para ver seu belo amor feliz?

Esse sentimento de plenitude tem suas manhas e pouco liga para preconceitos e situações que são consideradas absurdas pela sociedade humana. Lembrando a pintora inglesa Dora Carrington, vivida por Emma Thompson, no filme “Carrington”, que se apaixona por Sylton Strachey, um escritor assumidamente homossexual e mais velho quinze anos, no filme do inglês Christopher Hampton. Dora viveu este amor até o fim dos seus dias.  E ficou desesperada quando ele partiu.  Outro relacionamento amoroso intenso foi o da poetisa Elizabeth Bishop pela arquiteta Lota Macedo Soares, tema do filme Flores Raras, brevemente em cartaz.

O amor na lenda de Tristão e Isolda, escrito, cantado e musicado por Wagner e que faz tantos olhos lacrimejarem ao sentir o coração inflamado pela idealização, em plenitude daquele sentimento, não chega aos pés do mútuo amor de um casal que desafia o tempo e a violência das grandes cidades, e ainda tem coragem de gerar filhos neste mundo ameaçado pela gana de poder e descrença nos valores universais.

 Tereza de Ávila, através da espada de um anjo, foi ferida no amor de Cristo e levada ao êxtase naquele momento. Alguns interpretam o êxtase de Tereza como orgasmo.  

Só o amor consegue a façanha de reunir o sagrado e o profano, sem resvalar para a promiscuidade. Tornar belo o considerado feio, pois legitima o prazer corpo-alma em suas variadas formas.

 

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