sábado, 19 de novembro de 2011

Entrega...




                                                                                                                                                                 Maria J Fortuna

Tenho observado que no adiantado das horas nos meus dias na Terra, o momento para mim mais gostoso é aquele no qual descanso meu corpo na minha velha cama todas as noites. Nada tem se comparado a isso em matéria de alívio, conforto e bem estar. Então, uma vez saída de um banho morno e deitada sobre a superfície macia do colchão, realizo a minha prece de agradecimento e entrega
- Senhor, recebe meu corpo cansado, como se eu estivesse nos Teus Braços... Agradeço por este momento de entrega, na confiança em Ti e em mim mesma.
A sombra da insônia tem se desfeito ultimamente, e fico imaginando anjos massagistas cuidando dos meus nervos e músculos tensos, fazendo desaparecer os nós dolorosos que a convivência com outros seres humanos muitas vezes provocam. Imagino que cuidam dos meus ossos para evitar estado mais que poroso. Abandono-me então aos cuidados dos seres de asas perfumadas que me abanam a pele e refrescam o que me arde na alma. São asas de arminho que em seu farfalhar, iluminam-me corpo, restituindo-me a saúde, melhorando o cansaço. Lembro-me então do poeta Al Hallaj que, em seu amor para com o divino, escreveu:
Entre a pele e os ossos Te detenho, o que vai ser de mim se por acaso Te perco?
Nesse instante deixo a solto minhas melhores lembranças! Noite passada, por exemplo, voei no tempo e me vi aos quatro anos de idade de mãos dadas com meus pais, andando por uma estrada estreita no interior do Maranhão numa noite de verão. Morávamos no Sítio Primavera e fomos até nossos vizinhos, cerca de alguns minutos distantes de nós, a pé. O cheiro da mata era forte e ouvíamos o concerto dos sapos coaxando em volta das pequenas lagoas que se formavam com as chuvas. Aqui ali os pirilampos acendiam suas pequenas luzes. Formavam desenho de joias na escuridão naquela estrada sem luz. Eu pensava: Todas são para a Mãe D´água*... Por isso que logo que aparecem, somem...
Havia o clarão da lua que não impedia o balé de pequenas luzes acontecendo aos nossos olhos, já acostumados com aquele espetáculo. Meu pai cantava canções de seresta:
- Lua, manda tua luz prateada despertar a minha amada...
Ao chegar ao sítio do vizinho, deparei-me com um pequeno macaco amarrado pela cintura por uma fina corrente. Ele fazia um barulhinho esquisito cerrando os dentinhos como se tivesse sorrindo. Fiquei fascinada! Aproveitei a animada conversa dos adultos para brincar com o animalzinho, sentindo compaixão por ele estar acorrentado. Não sabia que, por causa do cativeiro durante longo tempo, o macaquinho tornou-se agressivo e podia me morder assim que minha mão encostasse-se na sua cabeça. Meu pai, que assistia a cena de longe, levantou-se e puxou-me pela mão para que ficasse distante do mico de dentes cerrados, numa atitude protetora.
Perto da meia noite, voltamos para casa. O luar estava ainda mais forte e belo! Baronesa, nossa cachorrinha, veio nos buscar abanando feliz a calda. Lembro-me que havia uma cobra atravessada na estrada quando meu pai pegou-me, sonolenta, em seu colo. Aquele momento foi um dos mais reconfortantes da minha vida! Senti acolhimento e proteção naqueles braços fortes, ouvindo as batidas do seu coração e o eco de sua voz grave. Com isso adormeci naqueles braços fortes, onde não havia espaço para medo do escuro, da cobra, dos sapos ou mosquitos. Tão suave quanto o luar foi à entrega nos braços do pai.
Acredito que nessa minha nova fase da vida, em que o corpo, mais do que nunca, reclama uma boa cama acolchoada, tenho consciência do quanto há força e beleza no amoroso acolhimento, como o foi naquela remota lembrança que referenciou, em mim, o quanto é divina a entrega quando confiamos...


*Mãe D´Água faz parte do foklore maranhense. A mesma coisa de Yemanjá, a mulher que habita nas águas,






















sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Faz tempo que eu brigo com o tempo...





                                                                                                                                                         Maria J Fortuna

O maior texto, que já escrevi até hoje, foi sobre um assunto que sempre me intrigou – o velho novo tempo... Nele, confundo tempo com Deus, energia, correnteza, vento brabo, tudo o que passa correndo, e julgando esta abstração estupenda de um mau gosto inexplicável! Pois é capaz de fazer de mim um punhado de células que envelhecem, afastando meus amigos de infância e juventude, levando entes queridos sempre, a meu ver, prematuramente, para lugar desconhecido, e ainda prometendo fazer o mesmo comigo. Sempre fui avessa às aulas de História, porque falavam de um passado, para mim, inútil, que pode ter sido deturpado no relato oral ou escrito dos antepassados. Por tudo isto eu achava o tempo um absurdo eterno, sem lógica.

Finalmente, encontro uma forma, não de compreendê-lo, mas de pará-lo! De uma vez extasiada, nem perceber sua presença... De não questioná-lo, mas apenas permitir que a luz me preencha todas as células, tornando-me atemporal! É isto: o tempo existe para que possamos nos reconhecer na infinitude do Amor! Quem ousa questionar o tempo quando isto acontece?

O estado de amor é a via mais rápida para chegar à transcendência, o que me deixa totalmente fora do tempo. Que me reúne e me faz valorizar o que aconteceu no passado e no futuro. Que me faz reviver a Santa Ceia como se eu estivesse ali, com os discípulos, na presença do Mestre. Contemplar, embevecida, as obras de Da Vinci, como se tivessem saído, naquele momento, do pincel para a tela. Emocionar-me com a poesia de Cecília Meireles, como se as letras ainda estivessem frescas no branco do papel em sua velha escrivaninha. Alegrar-me com as estórias do Sítio do Pica Pau Amarelo recém-escrito por Monteiro Lobato, enquanto eu ainda criança.

O belo é atemporal! O estado de Amor, além de um mergulho no belo, ainda nos faz viver tudo o que se passou no que se passa. E o que se passa no que se passará.

Em estado de amor, não se julga. Reconhece e acolhe a pessoa velha que fui, e a nova pessoa em que me torno a cada instante. Reconhece, igualmente, o outro do mesmo jeito. Assim consigo vislumbrá-lo, por mais inflexível que seja, em seu processo de mudança. Basta que o amor chegue de repente, sem nenhum aviso prévio, com seu jeito profano e sagrado, humano e divino. O tempo não ousa existir quando a gente está mergulhada nele. O tic-tac do relógio nada tem a ver com as descompassadas batidas do coração humano quando ama, pois só o amor vence o tempo...







quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O obscuro




                                                                                                                                                             Maria J Fortuna

Ele tinha um jeito intrigante de se despir das palavras e mergulhar no silêncio. Mas precisava que o verbo o regenerasse dos maus pensamentos. Carecia falar de suas tristezas, desejos e da sua mais remota alegria. Permitir, por um instante, deixar o mausoléu da solidão, imposta ou consentida, para que palavras fluíssem numa linguagem e num código, só dele, na expressão do seu amor pelo belo, pela vida que se manifesta através dos sons das palavras. Não podia deixar o momento escorrer entre os cascalhos e ignorar o ouro bruto que se disfarçava, nos fortes braços de suas lembranças. Tudo o que almejava, além do amor, era reconhecimento. Mas como ser reconhecido se sempre teve dificuldades para expressar até para si mesmo, sua realidade interior? Aparecer, deixar-se mostrar com o ar sombrio, mastigando os mesmos medos. Por causa disso, sempre fora tímido. Como iria agora encarar a vida se as pessoas seriam sempre estranhas para ele? Ninguém era mais obscuro...

Sentia-se possuído por duas personalidades distintas: uma delas firme como rocha, sensata, coerente, que era espectadora da outra, fanfarrona, delirante e inconsequente, que transbordava em fantasias malucas, e em noite de lua cheia, como mulher grávida, não tinha limite, manifestando-se através de imagens coloridas e desconexas. A primeira não podia fazer nada em relação à segunda.

A primeira persona não aprovava a segunda em nada e procurava não se identificar com ela, mas em noite de insônia, a solidão ecoava em seu peito fazendo-o procurar, pelos becos da mente pela segunda, num pedido de socorro! Então ela lhe trazia prontamente a imagem de uma mulher morena, de seios e ancas fartas, perfumada de jasmim, que o colocava maternalmente no colo e, em seguida, se entregavam aos mais libidinosos atos. Depois de algum tempo de luta e desespero, num orgasmo sufocado, vinha o alivio... Então, ele arfava no fundo da cama, com sua espada dolorida numa das mãos e os lençóis regados pelo sêmen que nunca havia transbordado em outra carne que não fosse a sua. Por breves instantes, sentia imensa sensação de conforto, onde seu feixe de músculos e ossos descansava... Às vezes uma lágrima rolava do seu olho direito.

Mas como homem religioso, sua grande questão era: uma vez com a certeza de que nunca conseguiria amar uma mulher de verdade, como faria com suas noites mal dormidas no colo da sua mulher encantada, sem incorrer em pecado? Afinal, o que lhe dava vigor e alivio, era aquela presença da morena, com os seios maduros e ancas maternais, forjada pelo desejo que só ele conhecia. Ela trazia prazer e afugentava seu medo. Qualquer mulher concreta, palpável, humana, era impossível de ser amada por ele! Por isto havia se tornado poeta. Precisava sublimar o erotismo, através de alguma coisa além daquela obsessão que lhe trazia culpa, em noites mal dormidas. Não podia abrir mão da visão da mulher irreal que minorava seu sofrimento e que por isso, naqueles instantes fugidios, deixava transbordar a ternura que não compartilhava com ninguém! O jeito que tinha era deixar-se levar por sua persona louca e se assumir diferente, obscuro aos olhos dos outros. Como se tivesse um aleijão que mantinha escondido. Seria um deficiente social.

Como seria em outro plano, quando se fosse da Terra, como seria? Assim pensava no momento seguinte ao “ato obsceno”. Continuaria na mesma paixão pelo irreal?

A dúvida sempre ficava: a mulher que ele havia tecido em seus libidinosos pensamentos e comparecia a seu leito em suas horas de desespero, era anjo ou demônio? Mas de uma coisa tinha certeza: o pecador era ele e jamais a deixaria!









Uma fábula que faz refletir sobre a desconfiança humana...


Bom presente de Natal!





O Pardalzinho desconfiado

ISBN: 9788571604360

Autor(es): Maria J. Fortuna

Ilustrador(es): Josias Marinho

Dimensões: 14 x 21 cm - NºPág.: 32

Preço: R$15.00

A fábula dá um exemplo de como a arrogância do poder pode assustar e paralisar a quem se deixa manipular por ele. Foi o que aconteceu com Plínio, o pardalzinho que começa a conhecer os mistérios do mundo em seus primeiros vôos. Ele cai no conto de uma ave desconhecida que se auto-proclama deus da floresta. É preciso que uma amizade com o lúcido e velho urubu o leve a desvendar aquele mistério que lhe tirava o ânimo.


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