sexta-feira, 20 de março de 2015

Padres cantores





 Padres cantores



Maria  Fortuna


                 Sempre fui muito sensível à fragilidade humana e animal diante da ignorância existente em nosso planeta, entregue á  violência! Sempre fui contra guerras e touradas. Imagine a pessoa que se expõe por algum motivo superior - amor ou coerência – ou mesmo por vontade de usar seu potencial, neste mundo cheio de conflitos...  Faz tempo um padre apareceu então, numa mídia onde centenas de pessoas estão ligadas à tela de uma TV,  dizendo-se cantor. Foi o primeiro deles.    Era como um pássaro de plumagem de cores, não muito diferente dos demais, mas lhe pesava e pesa até hoje a palavra padre.  Mesmo assim, o moço  teve e tem  coragem de se expor.  Por isso era e é muitas vezes agredido pelos que não conseguem ou não admitem que ele concilie as duas funções: sacerdote e cantor.  O que ousa viver em coerência com sua verdade interior e escolhe dois caminhos aparentemente antagônicos,  paga uma enormidade de preço, porque o mundo julga e sentencia o tempo todo. E como se não bastasse, o sentenciado recebe um rótulo. Com o tempo apareceram então outros padres cantores.
                  O julgamento sistemático torna a má ou boa ação de alguém  como parte do seu caráter para sempre, sem chance de mudança. Isto é, aquele que comete um deslize, é o deslize, não adiantam argumentos nem expectativa do contrário.  E as pessoas que aparecem no cenário das mídias, como rádio e TV, são julgadas pelo estereótipo que apresentam naquele instante e são congeladas a partir daí em um determinado conceito ou preconceito: na presente questão o fato de serem padres. Essas pessoas são lidas e classificadas por  sua  categoria ou condição: sacerdotes.
                   É certo que aquele que não conseguiu convencer o público numa novela, torna-se para a mídia, péssimo ator ou atriz para sempre. O que não se deu bem quando cantou em algum programa, será sempre o desafinado(a). Neste cenário padres cantores  não escapam  á isso.  Serão sempre padres. Daí o publico fã sempre releva erros dos que são aceitos.
                 Durante muito tempo acreditei que o ser humano era racional. Ledo engano! Quem me falou a respeito, de forma inteligente, foi um antropólogo e médico com quem fiz terapia há anos atrás, a quem sou muito grata até hoje: Dr. Ely Bonini Garcia. Dizia ele que o homem não é racional, mas um ser que se compara todo tempo com outro, achando-se daí melhor ou pior do que aquele. 
              Dependendo da autoestima de cada um, o julgamento pode favorecer ou não a questionamentos. Amar ao próximo como a si mesmo, como diz o Cristo, é, a meu ver,  a verdadeira justiça. Mas devido à baixa de autoestima, a percepção da maioria dessas pessoas é prejudicada por um julgamento emocional, carregado pela sua indisposição frente aos que costumam “se dar bem”, no bom sentido. Aliás, já ouvi dizer que os padres procuram exatamente isto: se dar bem.  Fora que correm o risco de serem julgados como pedófilos como, infelizmente, algumas ovelhas negras do rebanho.  Falam também que padre não precisa se exibir para ganhar dinheiro, e por aí vai... 
                Faz tempo, assisti a um  programa de Marília Gabriela, na GNT, onde o entrevistado foi o padre Fábio de Mello. Qualquer entrevista assistida por pessoas que se apressam a julgar e catalogar, iria mudar alguma coisa? Houve ou há algum interesse em ouvi-lo? Adivinhem... Claro que não! Salvo algumas pessoas que sabem refletir e têm o coração aberto, a maioria das pessoas adoram detonar até o fim seus bodes expiatórios sem ao menos  lhes saber o nome ou o que querem na vida. Sem nunca ter-lhes olhado nos olhos ou ouvido o que têm a dizer.  Podem representar  o que eu desejaria tanto ser: no caso aquela força e coragem, por exemplo...  Com isso as suposições perversas com certeza, irão continuar. Assim será para com todos os que forem chegando, depois deles.  
                   Há o outro lado... Excessiva aprovação ou empolgação torna os padres ainda mais vulneráveis. Como Padre Fábio disse naquela entrevista, o perigo nesse caso se torna maior!  Uma vez, se por algum motivo a pessoa se vê traída na sua expectativa de que aquele cantor não se trata de um astro santo, mas alguém que realiza um talento que traz de berço: escrever, compor e cantar sua criação. Já houve entre as macacas de auditório, até ameaça de morte, porque o padre não lhes deu “atenção” que queriam... Disse Fabio de Melo em sua entrevista.  Quem sabe, tenha sido um dos  motivos que desencadeou a depressão do padre Marcelo Rossi?  
                   De qualquer maneira os padres cantores estão tendo algum sucesso, pelo menos entre os católicos, com muitos CDs e DVDs vendidos. Com suas vozes melodiosas, vão seguindo seu caminho de evangelização, como acreditam ser, através das suas canções bonitas, como a dos evangélicos,  que atraem grande publico, mesmo o  dos não crentes.  Maltratados pela mídia, invadidos em sua privacidade, cantam e cantam... E eu fico aqui pensando que é inútil detê-los. Sentiram ser outro caminho para os corações dos que tem fé, apesar de todos os riscos. Foi isto que escolheram. E também o mais importante é o efeito primário do sucesso: muitas creches, asilos e comunidades beneficiadas.
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quarta-feira, 4 de março de 2015

Vovó das nuvens






                                                                                                                Maria J Fortuna



           Ela vivia numa aldeia de pescadores em São José de Ribamar, no Maranhão. Todos a conheciam por Maria Velha. Impressionante sua casa de pau-a-pique que só tinha três paredes para que pudesse amarrar a rede. Pau-a-pique é uma das construções das mais comuns para a enorme população indigente, infelizmente até hoje, no interior do Maranhão.
Tozinho, o filho pescador de Maria Velha, havia levantado as três paredes de vigas de bambu, amarrados entre si,  cujas partes vazadas  eram cobertas por barro. O telhado era de sapé, espécie de vegetação não própria para alimentação dos animais.  Mas Maria Velha não queria mais que três paredes e um teto de palha para viver. Quando se levantava, costumava enrolar e amarrar a rede desbotada, transformando-a  numa trouxinha colada à parede. Então, ia para o fogão de lenha que ficava bem ali, perto da rede, no chão de terra batida, onde cozinhava sua refeição e fazia a marmita do filho que ia enfrentar, feito guerreiro, o mar revolto em busca de peixes.
Ninguém sabia a idade da velha senhora. Talvez não fosse tão idosa. As pernas eram ainda muito firmes e os braços fortes,  com mãos calosas capazes de pegar na enxada para capinar o mato que crescia em redor da casa. Se é que se podia chamar aquela construção de casa. No entanto, as panelas de alumínio brilhavam ao sol de tão limpas e areadas com a areia da praia,  junto às roupas lavadas no rio. Tinha como seu único móvel a mesa construída pelo filho, usada na preparação do alimento.  Na hora do almoço, ficavam ali Maria Velha e seu rebento sentados no chão, fazendo pequenos bolinhos de comida com os dedos,  quase sempre de peixe e pirão.   Tinham um tamborete pequeno e baixo que chamavam de mocho e era oferecido aos visitantes. Pessoal  íntimo dos dois sentava no chão mesmo. Os visitantes eram outros tantos que viviam em casa de sapé e terra batida.
    Maria Velha, cheirando a jasmim com canela,  partia para o trabalho, quase que de sol a sol, menos no domingo quando ia à Missa na Igreja de São José.  Lavava e passava a roupa na casa das madames. Falava pouco, mas gesticulava e caminhava rápido. Chegava sempre descalça. Mas como causava má impressão a certas madames, ela calçava as alpargatas feitas de pneu e couro, compradas na Venda do Seu Raimundo, assim que avistava a casa grande de algumas senhoras.
                Coisa que aquela mulher de fibra não tolerava era ver o filho bêbedo! Tozinho gostava de uma cachacinha. Ajudava a puxar a canoa e a enrolar a rede de pescar. Mas chegava cabreiro em casa... Olhando a mãe pelos cantos dos olhos. Maria Velha dava-lhe uma cheirada e se sentisse cheio de álcool pegava uma vara de marmelo e “metia o couro” no jovem e possante filho.
- Saia praga, sai isprito imundo, ia dizendo a cada lambada. O filho ia gemendo e pedindo desculpas.
                Além do que a cachaça podia levar o guapo à “casa das muié dama” pra pegar doença. Tinha que arranjar uma cabocla forte pra casar. Contudo,  fazia-lhe um chá de boldo pra curar a ressaca. Mas eram raros os dias que Tozinho fazia aquilo de tomar cachaça.
   Por trás do sorriso transparente daquela perfumada criatura, apareciam seus dois dentes.  Ela quase sempre sorria, despreocupada com sua aparência!  Era feliz! Acreditem, ela era feliz! Por quê? Por dois motivos: nada tinha de material para ser roubado e lamentado,  a não ser as redes dela e do filho,  e as panelas de alumínio. Se ficava doente, tratava-se com ervas. O Posto de Saúde era muito longe...
Em segundo lugar, era feliz por causa das nuvens... Elas eram tudo de bom para a velha senhora! Ficava deitada na rede por muito tempo contemplando aquelas formas brancas e voadoras que iam se desmanchando devagarinho, e dali formavam várias figuras! Via borboletas, cachimbos, gente nova e velha, bichos, flores, frutos, peixes e muitas outras formas familiares... Via carneirinhos, espumas do mar e, às vezes, monstros tenebrosos, mas que logo se transformavam em flor ou pássaro e vice-versa.  Tudo acontecia naquele fundo azul que, no adiantado das horas, ia aos poucos escurecendo... E ela não sentia o passar das horas... O céu levava com ele as nuvens e trazia estrelas. Não tinha muita afinidade com aquele pisca- pisca de pontos luminosos. Era muito misteriosa, à noite, com seus tesouros. Estrelas são joias que ficam brilhando e piscando, não fazem mais nada, pensava. Mas não desfazendo do céu à noite, compreendia mesmo o código das nuvens ... Elas,  as nuvens,  haviam lhe ensinado algo de muito especial.  Algo que tinha sempre presente no coração: que tudo passa e se transforma... Nunca mais haveria uma borboleta desenhada daquela espuma fofa e  branca, por exemplo...  E rapidinho ela se transformara numa árvore... Depois numa forma esquisita, que ela não conseguia decifrar... Tão misteriosos quanto as estrelas eram os raios. Um deles levou embora seu vizinho Maneco. Quando o céu começa a ficar cinza,  apaga as nuvens, observava.   Mas quando isso acontecia, ela ficava muito tempo ali, encostada numa das duas paredes na sua casa, quietinha, em sinal de respeito  àquilo que não podia compreender ou controlar. Quando chovia deitava-se na rede, fosse que horas fosse, e ficava ouvindo a chuva caindo sobre o telhado cheio de goteiras. Mas passava... e as nuvens retornavam...
Como amava o céu azul recheado delas, Maria Velha  tornou-se  a vovó  das nuvens... Era como as crianças passaram a chamá-la,  quando sentadas no chão do casebre ouviam suas histórias. Todas olhando para o céu.  Além disso, aquele torrão azul, onde toda  aquela magia acontecia, só podia ser o corpo de Deus, afirmava.
- Home ou muié que se procupa  com as coisa da Terra é pruquê não óia pro  céu,  dizia para quem em aflição a procurava. – As coisa passa... as coisa passa...
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