domingo, 28 de novembro de 2010

Nota

O Pivete foi escrito em 2006, por isto algumas referências ultrapassadas como Bush, FMI e outras.

sábado, 27 de novembro de 2010

Diante do que está acontecendo no Rio de Janeiro




O pivete

Maria J Fortuna
De repente o pivete apareceu em minha frente.
Eu nunca havia parado para olhar nenhuma criança daquelas nos olhos. O medo não permitia. Temos medo de crianças aqui no Brasil. Principalmente quando seus olhos estão vermelhos denunciando o uso de crack ou cola de sapateiro. De crianças que não são nossos filhos e netos, nem tampouco nossos sobrinhos, vizinhos e conhecidos. Uma mistura de medo, revolta e compaixão, tomou conta de mim. Que dificuldade tive para encará-lo! Ele tinha um olhar de fome... Fome de comida, escola, família. Fome de amor e justiça! Estava cheio de ódio! Dava um medo danado! Ódio da miséria e da fartura dos que tem e o que ele não consegue ter. Ódio da desconfiança sistemática das pessoas, de sua própria imundice corporal que o segrega. Sobretudo ódio de ter vindo a este mundo.
Sem saber a quem dirigir tanto ódio, arremeça-o, como flechas, ao primeiro passante que lhe nega uns trocados. Eu senti aquela descarga mortífera. “Cada flecha portadora de um recado: “Vai a puta que te pariu”,” Que se foda”, “Enfia no cu”, daí por diante... Pintados aqui e ali formam um exército sem CIEPS, grande sonho de Darcy Ribeiro, que Moreira Franco destruiu. Onde, certamente eles tornar-se-iam cidadãos. Mas o que vemos é oito milhões de desempregados com suas famílias famintas...
Quanto tempo teremos que esperar que pais de família que dantes eram pacíficos se tornem, de repente, feras ambulantes cheias de ódio, com seus filhotes largados ao léu, transformados naqueles pivetes? Com suas meninas prostitutas gerando outros filhos sem teto? Lembrei-me da matança da Candelária. As metralhadoras atirando naqueles corpos infanto-juvenis, sem nenhuma oportunidade de vida ou de defesa. Não eram os corpos de nossos filhos, netos, sobrinhos, pertencente à classe media. Eram crianças que incomodam. Que avançam em pessoas nos sinais, que derrubam gente para roubar. Infelizmente só assim conseguem um pão para comer. Ou drogas para usar? São os filhos do nosso país, sem cidadania. Crianças que não sabem como anda o PIB , ou o risco Brasil.
Só vêem ceia de natal em folhinhas e nunca tiveram uma alimentação digna do seu crescimento físico, o que não dirá o seu crescimento emocional, social e espiritual... Esses pequenos escravos da miséria não sabem o que lucram os banqueiros do país. A nossa economia não cresce, mas os Bancos têm lucros astronómicos! Só o Banco do Brasil, no ano passado, ( 2006) com um atendimento quase precário, teve um lucro de R$ 1.7 bilhões até o mês de Setembro. Imagine os outros bancos como Bradesco, Banco Real, etc... E nunca ouviram falar nos sonegadores de impostos. Talvez ouçam falar em ladrões do governo, mas não compreendem muito bem do que se trata. Eu fui trinta anos assistente social e sei disto. São seres completamente alienados e nem desconfiam de onde vem seu infortúnio e, mesmo no ódio, acabam conformando-se com sua “sina”.
Desconhecem, no entanto, que são fruto de um ramalhete nauseabundo. E que suas mães, quase todas adolescentes, a maioria moradora de rua ou prostituta de algum cortiço, vão parindo bebes sem futuro pelo Brasil a fora. Seres humanos que não conhecem seus pais. Digo, aquele que os gerou no ventre de sua mãe menina. E que, se conseguirem viver até os catorze anos, além de abusos sexuais e de outros tipos de violência, eles serão pais de nova fornada de pivetes, escravos dos traficantes da favela e nunca conhecerão os grandalhões do tráfego. Desconhece a política armamentista do Bush e outros buracos negros que trazem este tipo de fome cruel para o mundo!
Infelizmente a palavra de ordem no país é de submissão ao FMI enquanto os corruptos compram apartamentos em Miami e lavam dinheiro em paraísos fiscais. O lucro do capitalismo continua sendo o bem supremo. Por não saber dessas coisas, o pivete mantém seu ódio frio contra a população de classe média, que não sabe mais o que faça para se proteger. Principalmente os anciãos.
Somos o país de maior desigualdade social no mundo. Nós e a Índia. Além dos políticos corruptos e corruptores, temos religiosos hipócritas que amedrontam o povo humilde, pondo-lhes sentimento de medo e culpa para roubar-lhe o minguado salário dos que ainda tem um modesto emprego de salário mínimo. E pelos meninos de rua, nada é feito. Em nome de Cristo almejam o poder.
Latifundiários, empresários, banqueiros que vivem devastando o planeta, acabando com a Amazônia, se cuidassem de um só desses brasileiros sem cidadania... Crianças que são como rios poluídos, pequenas árvores arrancadas precocemente do solo, ou do seu tronco familiar, quando são espancados em casa e atirados na rua por se uma boca, já crescidinha, a mais. Mata incendiada por dor e agonia.
Somos uma fabrica de pivetes. A todo o momento sai mais de uma fornada deles. A cada recorrência do FMI virão mais impostos. Aumentam os desempregos, o atendimento social e a maior falta de expansão dos investimentos públicos. Com isto aumentam os problemas sociais. Não há pivete tipo exportação. Temos que arcar com todos por este triste preço...
Alguns europeus vêem buscar nossos meninos para serem seus filhos. Mas os recolhem em casa de caridade ou creches, ainda muito pequenos, mas não os que estão em nossas ruas.
Enquanto nossos jovens de classe média alta se alienam com drogas e com o lixo televisivo da Globo. Essas crianças – adultos precoces no mundo do crime – adoram os Rambos do tráfico e cheiram cola para esquecer a fome. Dormem debaixo de marquises e planejam assaltos. Com a loucura do capitalismo selvagem que não sabemos quantos filhos de família rica e bem alimentada tem olhar de pivete, olhar de fome, de carência. De repente eles têm teto, terra e educação. Vão até para fora do país aprender outra língua. Em muitos casos esses privilégios, fora a mesada, não pagam o bem supremo que não recebem – o amor.
Ah! Como eu gostaria que aquele pivete, a quem ousei encarar, soubesse do que se passa. De quem são verdadeiros responsáveis por sua miséria. Quem são para eles os adoradores do poder? Afinal é triste ser pára-raios dos olhares de revolta desses pequeninos e outros nem tão pequeninos, que cospem quando a gente passa.
Se aqui roubam para comer, imagino o que não seria viver num país culturalmente evoluído! Como se torna este sonho distante para eles anos luz... Só um milagre traria um bom prato de comida com todas as proteínas e vitaminas de que precisam. Roupas limpas, escola, teto, família... Enfim algo que lhes estimule o sentimento de pertencer a uma comunidade que os ame e os respeite como cidadãos.
Utopicamente pensei em ver aquele olhar transformado por tantas formas de alimento. Até ouvindo Noturno de Chopin, dançando sob as estrelas ao som de uma valsa de Strauss, sorrindo com os dentes brancos a amostra. Cheirando as flores silvestres. Com um olhar doce dos que conhecem o amor e a beleza!
Refletindo sobre as flores mortas da irresponsabilidade, quase pus um par de asas no pivete... Para que ele voasse através dos meus sonhos. Um pensamento tipicamente surrealista. Eu o vi virando índio em minha frente. Comendo mandioca e outras iguarias das selvas. Dançando as danças de louvor a Tupã e pescando nos rios de águas frescas da Amazônia. Caçando com arco e flecha, namorando uma mocinha da tribo. Sendo pai de curumins apesar de que estão dizimando nossos índios também. De repente ouvi aquela voz debochada, abusada:
- Tá olhando o que, dona?
Como não havia o que responder, acordei do sonho, repentinamente. Então sai de fininho respeitando aquele ódio todo e com muito medo ainda.
Ao chegar a casa escrevi na minha agenda:
Flor
Pedra
Menino sem pão
Poesia cega

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Eliane Accioly e seus Atravessadores






Conheci Eliane Accioly, psicanalista, poeta e artista plástica, nas minhas viagens pela internet. Na verdade foi a REBRA, rede de escritoras brasileiras, fundada por Joyce Cavalcante, que me propiciou esta aproximação feliz.
Encantou-me a criatividade manifestada em seus textos, cheios de realismo e ternura, como o drama das marés iluminadas pela lua cheia e, sobretudo, a postura de quem, diante de si mesma, se diz aprendiz:
“Cada aprendizagem um processo envolto em sentimentos, sensações, emoções. Minhas pegadas e marcas neste mundo. As marcas e pegadas de toda a humanidade em mim. Em cada micro aprendizagem o processo do risco e da magia de estar humana.”.
Esta celebração, no encontro, acontece cada vez que a gente encontra alguém falando nosso código ou linguagem. Assim começamos a nos enviar, mutuamente, e-mails que assopravam, aos poucos, a areia que cobria nossas identidades e íamos nos desvendando como conchas recém-descobertas, até então mergulhadas na areia de uma praia desconhecida. Afinal eu estava no caminho certo ao procurar alguém que afirma que “a arte é um jeito de conhecer e estar na vida”.
Fomos desenterrando as lembranças das nossas incursões pelos caminhos da arte. Uma hora a gente descobriu que curtia coisas semelhantes; em outra começamos a enviar, uma à outra, textos que guardávamos na gaveta, durante anos, para que fossem lidos e comentados por ambas. Tem sido assim desde então.
Descobri, em suas histórias, o espírito ancestral, mineiro e brasileiro, que iluminou Guimarães Rosa e que, uma vez lendo qualquer de suas obras, caio em encantamento tal como acontece quando ouço os sons da Festa do Divino ou contemplo algum quadro de Dali ou Portinari.
Os Atravessadores foi outra história...

Frequentando o seu blog, dei com fotos destes personagens coloridos que se movem no espaço expressando sentimentos. Não consegui perceber logo o que se passava, mas agora cada vez me encanto com suas novas posturas. Vejamos o que está escrito em seu blog sobre eles:
São seres cujos corpos são feitos de fios os mais variados: alumínio, plástico, novelo de lã, arame, cobre, fios afetivos, e ainda linhas de desenhos.
Eles andam em bandos, e nunca sozinhos.
Não são seres individuais, mas coletivos.
Os Atravessadores se manifestam nas mais diferentes formas. Podem aparecer como humanos, animais, anjos, demônios, ou como os ETs de Varginha. Esses seres pensam, sentem, constroem mitos e filosofias, são poetas, e têm olho de recém nascido. O mundo que os cerca está pronto há milênios, mas em cada olhar, para eles, um mundo novo se revela.
Os Atravessadores surgiram primeiro em desenhos, artesanais e outras artes plásticas, as palavras e textos são posteriores.

Por aí esta artista se expressa com formas e coloridos que, por si mesmos, contam a história do que vem se manifestando, através do tempo, no coração da gente. Em nossas longas travessias, que deixam pegadas e marcas.
Fico imaginando, em minhas utopias, o que representa para as pessoas uma artista tão inovadora, praticando a psicanálise. É da gente ter esperança!

Vai acontecer uma exposição dos seus quadros dia 01 a 07/12 de 13 as 18,00 hs no Espaço Contraponto - rua Medeiros de Albuquerque, 55 - vila Madalena - São Paulo - SP
Ótima oportunidade para conhecer suas obras

Blogs de Eliane Accioly: http://elianeaccioly.blogspot.com/ e http://elianeacciolypsicanalisearte.blogspot.com/

sábado, 20 de novembro de 2010

Uma voz em tom maior




Maria J Fortuna


Hoje, o ser eterno falou para meu ser finito:
- Você é maior do que a dor dos seus ossos.
Escutei a voz da Consciência, que habita meu corpo há mais de sessenta anos!
– Você é maior do que seu corpo, insistia.
Experimentei uma nítida sensação de estranheza, como se eu não estivesse ouvindo estas coisas pela boca dos que estão a par desta verdade uma vida inteira! Como se eu, já há algum tempo, não me sussurrasse estas palavras, quando as dores da vida se hospedam em meu corpo. Mas a voz falava em tom novo, em nova cor.
Tudo era tão simples como o ato de jogar miolo de pão aos pombos... Ao mesmo tempo tão bizarro... Quase ridículo, que tanta grandeza podia caber num corpo tão frágil! Mas não coube duvidar, ouvia a voz que insistia:
- Você é maior do que seu tempo cumprido e do que há de vir. Maior que suas fantasias... Maior que seu medo e pecados. Maior do que sua loucura!
Não. Não era fuga... Nem tão pouco magia... O que eu estava escutando era mais verdadeiro que a presença do sol na Terra. O que causa estranheza é que sendo tão maior do que meu corpo, ecoa e habita nele... Por que cargas d água estou neste planeta tão dilacerado, onde as pessoas passam fome e, quando comem, estão sujeitas, muitas vezes, a engolir venenos? Sujeitas a consequências das tragédias ambientais, que elas mesmas provocam...
O que este eu maior faz dentro de mim? Por quem me toma? Lembrei-me dos meus antepassados e de suas consciências frente ao perecível, a morte. Por que, mesmo assim, trazem filhos à vida? O que os levou a crer que eu, por exemplo, poderia sair-me melhor do que eles frente às limitações do tempo, ao inevitável? Por um acaso tiveram consciência de que eram maior do que eles mesmos?
- Você é maior que tudo isto... Continuou a voz interior.
Senti-me num circo, onde os maiores desafios de equilíbrio são mostrados em meio a uma festa, onde as pessoas perdem a noção do perigo! Num picadeiro, onde as coisas mais incríveis acontecem! Eu, voando num trapézio, de uma situação a outra, de uma emoção a outra, expondo corpo e alma ao perigo. Tendo que confiar em outro trapezista, que estende as mãos para me segurar, mas que pode falhar. Como domadora de leões fantásticos que me habitam o coração e que, quando rugem, deixam-me de cabelo em pé, frente a meus próprios desejos! Andando na corda bamba dos acontecimentos derrapantes do dia a dia... E o palhaço que sempre brota dentro de mim quando um risco maior aparece? E a platéia? Sem ela o circo não acontece. Ser expectadora de mim mesma... Enfrentar o picadeiro com galhardia. Um compromisso existencial de vida e morte... Pensei tudo isto...
E a voz persistia...
- Você é bem maior do que o perigo.
Quando uma vela está prestes a se apagar, pensei, a gente se junta à chama de outra que esteja próxima. E assim por diante... Mas se sou maior do que eu mesma, tenho essa luz própria. Mas onde está o gerador desta luz? Quem acendeu o eterno dentro de mim? Uma vez eterna, sou luz perene. Para isto há que eu esteja ligada a um gerador Maior cuja Luz sempre existiu...
Aí voltei no tempo e me vi pequenina no cais do porto...Fui receber minha família, da qual eu estava apartada fazia mais de ano... À medida que o navio foi se aproximando, eu fui experimentando uma felicidade tão grande no coração, mas tão imensa, que era quase insuportável esperar mais um pouco para abraçar meus pais e irmãos! Por pouco não me lancei nas águas escuras no cais. Foi uma das maiores felicidades que senti na vida! Naquele momento, no amor, tornei-me maior que eu mesma!
Todos os recados visíveis da Luz Maior nos são dados pela Natureza que destruímos. Pela inocência das flores, animais e crianças. Pelas alegrias dos encontros amorosos e do amor presente até nas dores do mundo.
Talvez seja por isto que eu e meus companheiros de jornada, estejamos neste corpo finito e perecível, mas com uma Luz maior do que nós mesmos. O objetivo cósmico talvez seja este: fazermo-nos entrar em estado de felicidade suprema ao regressar ao fogo de origem. Tornarmo-nos Um com Ele no Amor.
Assim foram aquelas horas da madrugada em que uma voz, dentro de mim falou, amorosamente, que sou maior que eu mesma e finalmente eu acreditei e confiei.

Quem sou eu

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Sou alguem preocupado em crescer.

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