segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A árvore da convivência



                                                                                            Maria J Fortuna


          A engrenagem social é como frondosa árvore de  numerosíssimas folhas, que em seu grande tronco suga alimento da terra e bebe a água da vida,  cada vez mais escassa  em nosso Planeta!  Somos como folhas deste ser gigante, cujo tronco é cheio de nós e vertentes, onde a seiva é alimentada por incessante luz, além do sol!   Nós, então folhas brotadas em seus diversos galhos, agrupamo-nos em ramos, onde estão nossas famílias, amigos, colegas de trabalho, conhecidos, etc. Que segundo a localização ou vizinhança, ficam mais perto ou mais longe de nós.  Assim pertencemos a uma rama que vive com dezenas de outras: algumas nascendo, outras secando e desaparecendo aos nossos olhos, como um dia nos acontecerá, mas o tempo e o espaço nos separam de outras folhas que estão do lado de lá. Ocorre que somos beneficiados com as mesmas chuvas e receptivos ao mesmo sol e isso é estupendo!
          Em estado de folha, temos a identidade em nossas nervuras, distribuídas em todo corpo com mais ou menos parecença umas com as outras, mesmo com aquelas que, já amareladas e enrugadas pelo tempo, estão voando  e caindo em direção à  Terra,  onde tudo começa e termina, segundo a Biblia.
          Esta ideia me veio quando pensei em relacionamentos. Gostaríamos de ter vivido com algumas pessoas que já fizeram ou ainda fazem parte da árvore em que brotamos,  mas nasceram e vivem  em ramas distantes de nós e, por isso, não deu ou dá para  conviver.  Por exemplo: Amaria ter convivido com minhas avós. No que convinha ao tempo, quando nasci, a vó materna já tinha voado do corpo  familiar  para outra  árvore, que ninguém sabe, até hoje,  onde fica.  A vó paterna se encontrava  em outro ramo distante chamado Manaus, de onde nunca saiu em vida. Eu vivia em São Luiz do Maranhão quando ela desprendeu-se da grande árvore. E era muito pequena para receber a notícia e guardá-la na memória.
           Gostaria de ter conhecido meu vô paterno, que me aparecia em sonhos como homem forte, alto, musculoso, ruivo e determinado, como descrevia meu pai.  Mas ele morava distante com minha avó , no Ceará, naquela época,  e voou para o Desconhecido também antes que eu brotasse nesse galho em que até hoje me encontro. Fizeram parte da minha árvore genealógica, mas não dessa de convivência.  
          Na TV aparece monte de gente  que vive em outros ramos distantes, mas estão  em nossas casas como velhos conhecidos o que acontecia ourtrora sòmente em nossas bibliotecas.  Afinal a maioria da população  do planeta assiste agora jornais quando antes liam de romances, contos e poesias.  No meu caso, acompanho esses seres privilegiados  desde o tempo em que comecei a ler e os vi aparecendo na telinha da TV. Tudo começou com Francisco Cuoco e Regina Duarte em Selva de Pedra! Testemunhei o desabrochar de seus talentos desde  os tempos da juventude.  Envelhecemos juntos... Além dos dois já citados, outros atores, cantores e compositores como Chico Buarque, por quem tenho admiração e carinho especial, Milton Nascimento, Maria Bethânia, Zizi Possi, vivem ao mesmo tempo próximos e distantes.   Muitas dessas folhas outrora verdinhas, que apareciam na TV, já voaram para aquela outra árvore, que dizem os entendidos  ser muito mais  florida para aqueles que  souberam conviver bem com folhas, flores e frutos. Apesar das pragas e agrotóxicos da midia...
          Eu me recuso a acreditar que   Zé Wilker, Paulo Autran, Chico Anísio, por exemplo, já partiram já que continuam existindo nas telas da TV, computador, celular e tudo mais. Quem não continua vendo suas imagens e ouvindo suas vozes por aí?    A tecnologia os traz de volta.  E, com issso,  eles continuam fazendo parte da árvore da convivência.

            Ah! Os artistas prediletos... Nunca nos olhamos, olho no olho, trocamos ideias, nos abraçamos ou conversamos. Se afinal não consegui conviver nem com minhas avós e meu avô cearense, cuja seiva era a mesma que corre em minhas veias, que dirá com esses personagens... Eles vivem só no lado bom das nossas vidas. Aquele que, despreocupados, sentamos para assisti-los, quando muito ao vivo em shows e peças teatrais, sem direito a uma “selfie” sequer.  Mas estão presentes naquele momento especial em que nos embalaram com suas canções na aridez do dia a dia, ou nos ajudaram e continuam a fazê-lo,  na celebração dos bons momentos gravados na memória.  Quantos são fundo musical de nossas boas lembranças...  
          Mas soa estranho a gente viver na mesma árvore, no mesmo planeta, admirá-los e nunca conhece-los de perto. Abraçá-los, dizer o quanto foram importante em nossas vidas. 
          Estamos todos na grande árvore da convivência humana, que apesar de tudo conserva seu verde e continua recebendo pássaros, abelhas, borboletas e bruxas,  e ainda hospeda outras vidas... 

sábado, 15 de agosto de 2015

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Rotina



                                                                                                                    Maria J Fortuna

                    A mesma coisa de sempre... remédio em jejum, café da manhã,  jornal, telefonemas,  saída para ir ao Banco,  compras,  pintura apressada,  leitura dos e-mails, hora do dentista, da aula, do lanche da tarde,  jornal na TV, novela,  remédio da noite, sono, cama.  No dia seguinte, começa tudo de novo, quando o que eu quero, na verdade, é ouvir o canto do galo na madrugada, sentir cheiro de terra, tomar café na hora em que bem entender, passar as manhãs escrevendo crônicas e poesias, comer alimentos saudáveis sem agrotóxico ou sacrifício de animais, cuidar do cachorro, dos gatos (quero ter vários) e plantas, descansar um pouco numa redinha de algodão feita lá no Maranhão, passar a tarde pintando, ver o pôr do sol e depois a lua e as estrelas, conversar perto de um fogão de lenha em tempos chuvosos, dormir no silêncio interior e exterior. Ou ser convidada a pegar uma estrada ou embarcar num avião, sem data para retorno, partindo para um lugar quieto, onde há mar ou montanha, em que eu possa expressar todos os rebuliços da alma através da arte! Mas, as circunstâncias só me permitem por hora, viver aqui, neste apartamento nesta cidade grande.
                    À época é de frio, mas faz calor, mormaço no Rio de Janeiro. Com isso, aumenta-me o desejo de sair de uma rotina cansativa e atender aos apelos e impulsos próprios da natureza humana, sem dar satisfação a ninguém. Mas, na maioria das vezes, a pressão das circunstâncias e a dificuldade financeira, tornam inviável a concretização deste sonho. E a vida segue de forma linear. A rotina é linear: os altos e baixos parecem ser sempre os mesmos, com percurso monótono e o desejo de mudança arrefecido dentro do peito.  Fatos naturais como crescimento, velhice e morte, ficam mais pesados na cidade grande, onde o tempo parece campeão de corrida que não deixa espaço para nenhum outro evento. 
                    Difícil é conviver no dia a dia com essa inquietação interior provocada por   contradições e conflitos, enquanto escorregamos aqui e acolá em nossas escolhas.   Difícil também é cumprir uma agenda com o que realmente nos interessa, quando outras obrigações nos são imputadas, tal como priorizar o que não nos faz felizes como pagamento de contas.                            
                     Creio que não há como cumprir uma agenda positiva, tornado a rotina um peso em nossas vidas. Renovar é crescer, transformar. Trazer nov idade: nova idade, pode ser uma das soluções.   Não é bom rotineiramente falar as mesmas queixas, a vitimização, o discurso pobre que não leva a nada, acusações, mentiras, jogos, etc...  Haja paciência para com nossas próprias imperfeições, erros, dissabores, exigências inúteis, gafes, perfeccionismos etc...  Isso nos exige autoconhecimento e tolerância.   Não só para com o outro, mas em relação a nós mesmos.
                     Em nossa rotina, há sempre  um  fio que nos prende a um afeto difícil de se lidar.  Pode ser por causa do laço de sangue, ou um amor profundo que não queremos abandonar. Aí temos que redobrar a paciência e não alimentar muitas ilusões ou expectativa de mudanças e aceitar o outro como ele é, sem julgá-lo.  E rever nossa forma de lidar com ele.
                     No meu caso, diante da rotina em que não consigo priorizar o que realmente me interessa, o mínimo que posso fazer é fechar os olhos à noite e dar graças a Deus pelo apartamento em que moro, a alimentação que não me tem faltado, os amigos que de vez em quando aparecem para bater um papinho ou sugerindo um passeio.  A grana que ainda tenho para ir ao cinema, teatro e cuidar da saúde, pois já perdi muitos amigos na minha idade e mais novos que eu, com doenças horríveis como mal de Parkinson, câncer, Alzheimer, derrame, e outros bichos que me assustam mais que a hora da morte.  A Bênção maior é quando, depois de um banho morno, deito-me na cama para dormir. O cheiro do corpo limpo em lençóis macios e os quatro travesseiros tentando preencher o vazio do leito.   O apagar temporariamente da mente na vigília maluca do cotidiano traz sonhos que nada têm de rotineiros, fazendo-me cair na misteriosa dimensão do inconsciente. E isso é bom, porque dali  muitas revelações nos mostram o que verdadeiramente está acontecendo.
                    O desafio maior é o fazemos com essa rotina.  Não creio que a rejeição por ela possa nos levar a algum lugar. Não adianta trovejar e relampear para sair da armadilha externa em que nos colocamos. Sempre me lembro de São João da Cruz quando foi preso num cubículo escuro por oito meses, pela “Santa Inquisição” e, naquelas circunstâncias, compôs seus mais belos poemas! E sua alma nunca foi tão livre! E foi assim que aconteceu com Mandela e outros “prisioneiros” especiais! Então quem sou eu para reclamar dos dias que se repetem...
                    A rotina definitivamente não nos torna menos criativos.  Claro que em contato com a Natureza, Van Gogh criou sua Noite Estrelada!  O espírito criador fala mais alto nessa santa comunhão. Mas a criação é fruto de qualquer  momento e independe de lugar. Paciência...   Quando não existe possibilidade de mudança no ambiente, há o exercício da liberdade interior, que não pode ser roubada por ninguém! Haja vista Mandela em seus quarenta anos de injusta prisão.
                    Eliza Lucinda apresenta um espetáculo interessantíssimo chamado Quem tem medo da rotina.  Se ainda estiver em cartaz, não perca!
Enquanto as penas das asas estão presas ao corpo e a compaixão for maior do que nós mesmos, o jeito é viver cada dia como se fosse o último, retirando de si mesmo o que existe de melhor na arte de expressar os sentimentos em suas múltiplas formas. Esse é o especial jeito de colorir a rotina e torná-la bem mais leve!

Quem sou eu

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Sou alguem preocupado em crescer.

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