quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O pivô




Maria J Fortuna


Toda radiante vestiu seu vestido de cotelê azul marinho, última moda naquele inverno, rumo ao banquete. O evento acontecia na Casa do Baile, em Belo Horizonte. Lugar de prestígio para grandes acontecimentos na época. Sua disposição era aproveitar, ao máximo, aquela oportunidade naquele ambiente sofisticado. Sonhava com os quitutes do banquete: degustar uma ceia inédita e, quem sabe, arrumar alguma companhia interessante que poderia terminar em namoro. Afinal, naqueles idos anos sessenta, as pessoas flertavam, namoravam, noivavam e casavam. Todos estes verbos. Agora temos o “ficar”, que junta tudo isso numa só ocasião e, na maioria esmagadora de vezes, não tem futuro.Assim que chegou, os amigos fizeram festa:- Maravilha você aqui! Falaram animados. Que bacana você está... E daí por diante.Sentou-se, admirando a grande mesa comprida, rodeada por ilustres convidados: diretores e presidentes de várias indústrias, firmas importantes, gente do comércio e altos funcionários de repartições públicas. Um clima elitizado, engomado, cheirando a gente rica.Os garçons começaram a servir. A comida era ótima e o vinho da melhor qualidade! Risos pra cá e pra lá. Os convidados já estavam descontraídos.Um homem “bem apanhado”, como se costumava a dizer dos bonitões na época, estava com olhar fixo em sua pessoa. Puxa, parece que havia interesse... Aquele homem elegante armou um sorriso aberto desde sua chegada.De repente, rompeu no salão aquela música louca, maravilhosa, cheia de altos e baixos. Não podia deixar de ser... Reconheceu: era o frevo pernambucano que havia aprendido a dançar quando menina! Oportunidade para mostrar-se original na terra dos mineiros. Partiu para a pista redonda no meio do salão. Depois da terceira taça de vinho, arrancou os sapatos altos e iniciou, descalça, os movimentos do frevo. Animada com o som das palmas que se fizeram ouvir, descia e subia tão rapidamente que não notou que o pivô, na arcada superior da boca, cambaleava ao som daquele frevo estonteante!Voltou para a mesa, abrindo-se num largo sorriso. A amiga ao lado, arregalando os olhos, aproximou-se do seu ouvido esquerdo e segredou:- Caiu! Caiu!Ao indagar – Caiu o que? Sentiu que sua voz estava alterada, saía como que soprada. Passou a língua na gengiva superior e verificou que lhe faltava o pivô. Onde estaria o dito cujo? Vasculhou com o olhar a mesa e nada... Chegou então à conclusão de que só podia estar no tapete que, por infelicidade, era da cor do dente! Resolveu ir ao encalço do mesmo. Era o jeito... Escorregou, discretamente para baixo da mesa. Não sem antes ser notada pelo “flerte” a sua frente. Procurava o pivô com dedos nervosos. Missão quase impossível! O tapete era marfim felpudo, cor de dente. Por sorte, depois de muita agonia, conseguiu encontrá-lo.O homem a sua frente percebeu quando sua pequena mão procurou, na superfície da mesa, um pedaço de pão. Achou aquilo estranho... Mas continuou com o olhar fixado ali, como um gato esperando a presa para cair-lhe em cima. Ela calçou o artefato dentário com miolo de pão. Recolocou-o aliviada. No estresse, havia arranhado o lábio inferior com o pino plantado na gengiva. Mas agora, parecia ter provisoriamente solucionada, a questão. Emergiu, então, ainda meio tonta do sufoco... E sorriu...De olhos arregalados, a amiga que estava sentada a seu lado, segredou-lhe ao ouvido:- Tá ao contrário! Tá ao contrário!O “flerte” observava com um ar meio idiota. E sorriu desconcertado, fingindo nada perceber.De susto e surpresa, ao ouvir o que a amiga tinha dito, e sob os olhares curiosos dos circundantes foi escorregando para o lado oposto da mesa e ficou sem falar até o final do banquete.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Selecionei estas duas crônicas para compensar as duas semanas que não posstarei textos em Artes e artes. Vou fazer uma pequena cirurgia no olho esquerdo. Um abraço em todos que frequentarem o blog na minha ausência

Maria J Fortuna

A menina de cabelos vermelhos




Maria J Fortuna

O leite, trazido por um jumento para o café da manhã, chegava bem cedinho. Eu tomava café com beiju e corria em direção à janela para ver a última atração da rua: uma menina de cabelos vermelhos!
Ela havia aparecido certa tarde na porta de casa. Minha irmã quem viu primeiro e gritou para mim: - Vem ver uma coisa muito engraçada... Corri curiosa para conferir o que ela estava dizendo. Dei com uma menina de uns 6 anos de idade, debruçada na janela de sua casa, só de calcinha, comendo uma goiaba. Nossa! Era verdade! Muito estranha aquela menina! Tinha sardas no rosto feito ferrugem e tinha cabelo vermelho, todo assanhado, parecendo raios de sol. Daqueles que a gente vê nos livros de estórias... Por que será que aquela menina havia nascido daquele jeito, com cabelos de fogo? Seria de uma raça de gente estranha, de um lugar distante que a gente não conhecia? Ou foi assim, de repente, que seu cabelo havia ficado daquele jeito? Pensava eu, nos meus cinco anos de idade. Será que ela ficou assim porque era muito levada, ou porque a mãe tinha aquele cabelo? Ou pai, quem sabe... Teria mais crianças de cabelo vermelho naquela casa? No quintal, havia um galo que tinha as penas da mesma cor do cabelo da menina, e meu pai dizia que era da raça dos ro-dis-lande, soletrava eu, mentalmente, sem compreender muito aquela palavra. Será que ela era ro-dis-lande também?
Estava chegando o Natal e com isto nossa casa ía receber uvas, passas, pera e maçã, coisa que a gente só vê por ocasião daquelas festas, no nordeste do Brasil. A menina devia ter vindo do mesmo lugar que aquelas frutas, pensei. Elas não eram comidas durante todo o ano no Maranhão. Só mesmo no Natal e Ano Novo. Assim mesmo, para quem tinha dinheiro. Não era nosso caso, mas o namorado da minha tia levava pra gente. Aquela menina só podia ter vindo do mesmo lugar... Era tão rara como o farnel das festas no final de ano... E quando ela fosse à escola? Será que iriam rir dela? Será que ela brincava como toda criança? Seria menos ou mais inteligente que o normal das crianças? Gostaria de pegar nos fios de cabelo da menina. Será que ela deixaria? Será que ela era feliz com aquela cor de cabelo?
Não fiz amizade com a garota. Nunca me aproximei dela. Até hoje não sei porque. Mas o acontecido, me faz refletir quanto às diferenças... Que infelizmente, na vida adulta, alimentam o preconceito. O que é um sentimento de agradável surpresa de uma criança para outra, é motivo de discriminação no mundo adulto. Claro que no nordeste moreno de cabelos e olhos escuros, uma menina de cabelos de fogo parecia de outro planeta! Algumas crianças que eram maltratadas em casa podem ter agredido aquele anjo ruivo, mas passa, quando outras crianças de cabelos vermelhos aparecem. O que, infelizmente, não ocorre quando o preconceito é alimentado e o sadismo anda solto...
Ficou a frustração de nunca ter brincado com aquela menina linda, e nem sequer ficar sabendo seu nome...

Meu primo-irmão Fortuna

Prestigiem o trabalho do Fortuna!

De 16/11 a 20/12/2009, no Rio de Janeiro, visite o II Festival Internacional de Humor. O homenageado deste ano é Fortuna, considerado por seus pares como "o cartunista dos cartunistas", que trabalhou em diversos jornais, tendo sido o mais importante o "Pasquim". A França também será homenageada, em razão do Ano França-Brasil. O Festival acontece no Centro Cultural dos Correios, rua Visconde de Itaboraí, 20, no Centro da cidade.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Visitem http://precesemcaledoscpio.blogspot.com/

A dor maior


Maria J Fortuna

Não existe maior dor no mundo que a ameaça de se perder a própria identidade. Conheci uma mulher sob esta ameaça. Ela se chamava Nazira. Veio, com sua família pobre, do outro lado do mundo, para o Brasil, após a segunda grande guerra.
Nazira tinha quase sessenta anos, cabelos grisalhos e olhos quase negros, corpo ainda delgado. Possuía uma beleza comovente, mas era uma pessohermeticamente fechada em si mesma.
Com o tempo perdeu os pais, seu companheiro foi trabalhar no Japão e não deu mais notícias. Tinha um filho que partiu para os EEUU, Disse que ia fazer “pé de meia” e , como o pai, não mais se comunicou. Trabalhou como operária de uma fábrica durante muitos anos para manter-se e a seu filho.
Ela me apareceu, no cair da tarde, no Posto Médico de Belo Horizonte, encaminhada por seu psiquiatra. Pediu licença e entrou na sala. Nunca mais vou me esquecer do seu olhar de pânico...
Depois das apresentações ficamos as duas, uma diante da outra. Eu só tinha dentro de mim um coração aberto e cheio de compaixão, Sentir o outro quando está em crise existencial é um desafio imenso à nossa capacidade de empatia. Como os atores. procuramos dentro de nós mesmos alguma referência para compreender o que se passa, e nem sempre somos felizes neste empreendimento. Mas aquela senhora sabia exatamente o que lhe estava acontecendo e essa consciência fazia-me sentir impotente e desconcertada, o que não podia me acontecer como profissional numa entrevista.
Custou-lhe verbalizar seu pânico, mas depois, quando me sentiu receptiva para ouvi-la, sem julgamentos, iniciou sua fala.
- Tive uma infância difícil. Além da guerra, perdi meu pai cedo e fui criada pela minha mãe, que sofria de epilepsia. Fui criticada na escola, porque só tinha um uniforme doado pelas freiras que me chamavam de Crominho, porque diziam que eu parecia uma criança de cromo. Casei-me muito cedo e nunca me ajustei ao marido... Mas não queria que ele partisse, apesar de tudo... O filho a quem amo, foi embora para longe, tudo isto me aconteceu....
Fiquei na escuta procurando acolher.
- Tudo isto vivi, mas eu estava presente. Agora ameaço sair de mim mesma. E este sofrimento é maior do que todos os outros por que passei em minha vida! Esta, agora, é minha dor maior!
Como fazer alguém se sentir seguro a ponto de ter certeza de que a própria identidade não vai lhe fugir?
Procurei seu psiquiatra, tracei um plano de tratamento encaminhando-a para uma psicóloga, que eu sabia ser competente. Seria um tratamento multiprofissional. Nazira estava com medo de se perder de vista. Lembrei-me de Van Gogh e de todos os que se buscaram e nunca se encontraram. Concordo com Nazira. Não há dor maior do que não mais se reconhecer e ter lucidez para acompanhar sua própria imagem, tornar-se fora do próprio controle e fugir... Seria excesso de autocontrole o elemento insuportável que ameaçava Nazira a debandar de si mesma? Creio que não...
Depois, veio a segunda fase do tratamento: aceitar tomar medicamento para o resto dos seus dias. Foi outra luta. Ela teria que aceitar que ficaria bem apenas quimicamente compensada. Já havia lidado com alguns casos assim e sei que é muito difícil. Tratamento alternativo não existe para estes casos, nem a força da fé, porque, dentro daquele ser, o amor está doente e há como consequência, quebra de confiança em Deus e no mundo. Não tenho dúvidas de que Nazira tinha razão. Esta é a dor maior! Tenha o nome de psicose, esquizofrenia,ou neurose obsessiva compulsiva. É a doença da dor maior, enquanto existir lucidez, não interessa seu grau.
A segunda etapa foi satisfatória e ela voltou à vida normal com ajuda dos medicamentos. Não tão normal depois de ter descido alguns palmos de um enorme precipício. Pois quem vive esta experiência jamais a esquece e todos os chamados problemas ou dificuldades do dia a dia ficam pequenos,.São os chamados “desligados do mundo” ou “ não estão nem aí” Pouca importância dão as coisas que os rodeiam, principalmente as fúteis. Não confundir com autistas. Desconfio que esta é a noite negra dos místicos, onde Deus se esconde, Sem dúvida é o apagão da alma.
Agora me pergunto: como o falho sistema de saúde brasileiro – o SUS – está preparado para receber pessoas nas condições de Nazira e dar-lhe tratamento adequado?

Mulher de 50 ou mais...




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Novo lançamento de Luiz Lyrio


Andei lendo este livro do Luiz. Aconselho a quem gosta de uma literatura cheia de imprevistos e surpresas! Sou leitora assídua deste escritor e quanndo tenho alguma de suas obras nas mãos não consigo parar de ler.



ENTRE A MORTE E A VIDA
Luiz Lyrio
Neste livro, você viajará com espíritos sedentos de amor e com demônios tomados pelo ódio, encontrará membros que, separados do corpo a que pertencem, adquirem vida própria, deparará com desencarnados que assumem o papel de guardiões de suas viúvas, conviverá com bruxas, com heróis de corpo fechado e com amantes que voltam do além para refazer seus elos amorosos com seus entes queridos.
Leia com atenção as histórias aqui contadas e procure entrar na realidade que desvendamos. Mas tome cuidado! Certos caminhos, quando não tomamos as devidas precauções para deixá-los preservados, costumam não ter volta...


Peça seu exemplar pelo e-mail revistalo@yahoo.com.br

A posse de Clevane Pessoa, autora de Erotíssima, livro de lindas poesias , que foi lançado na Bienal do Rio de Janeiro, tomou posse na Academia Feminina Mineira de Letras ontem, como foi previsto no texto abaixo. Estou feliz pelo reconhecimento da Academia ao grande talento de Clevane que, entre outros titulos, é Embaixadora da Paz e Consul de Poetas del mundo,

"CLEVANE, essa mulher de pura poesia que veio fazer história na revolução das Letras, tomará posse na AFEMIL (Academia Feminina Mineira de Letras), ocupando a cadeira de nº 5, na qual terá como Patrona, nada mais nada menos que a nossa saudosa Cecília Meireles. Todos estão convidados a com/partilhar desse momento notório de nossa querida poeta e escritora Clevane Pessoa, no dia 18 de novembro de 2009, às 16h:00, na rua dos Timbiras 1560, Conj. 703/704 - em Belo Horizonte/MG - onde a escritora será saudada por Elisabeth Rennó, Presidente da Academia Municipalista de Letras AMULMIG. "

terça-feira, 17 de novembro de 2009


"Animais são anjos disfarçados, mandados por Deus para mostrar ao homem o que é fidelidade"

Artur da Távola


Minha amiga Monica e seu gato

sábado, 14 de novembro de 2009

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O Kit surpresa



Maria J Fortuna


Tenho uma amiga escritora e poeta, tão menina quanto sou, com quem divido esquisitices divertidas! O jeito de dizer uma à outra que adoramos ser amigas, transformamos em uma espécie de brincadeira, eu no Rio de Janeiro e ela em Belo Horizonte. A troca do kit surpresa! Ah! Mas é bom demais!
Como nossos encontros, fisicamente, são raros, dá tempo de preparar o kit sem pressa. No meu caso, fico de olho em coisas pequenas e diferentes. Olho daqui e dali numa vitrine de loja ou num camelô mais sofisticado, alguma pecinha útil que possa agradá-la. Compro ou aproveito uma caixa bonitinha e lá começo a colocar as pecinhas: lenços, grampeadores mirins, colar de pendurar óculos, bolsinhas de moedas, etc.
Na verdade foi ela que inventou a brincadeira do kit. Já ganhei uma caixinha cheia de coisas e loisas: pedrinhas coloridas, livrinhos de poesia, lenço de pescoço, luzinha para ler no escuro e até tamanco indiano!
O melhor da brincadeira é imaginar o que vamos ganhar no próximo kit. Como sou distraída, preciso escrever o que já dei nos kits anteriores e ficar atenta para não repetir os mini presentes.
Quando há trocas de kits a gente se encontra em minha casa ou na dela. Os papéis de presente são coloridos, cheios de glamour. Entre risos e caras de surpresa, vamos abrindo um a um, até a caixa ficar vazia. Dia de aniversário ganhamos um pouco mais. É um kit especial. Eu me sinto recebendo um enorme Kinder Ovo , cheio daquelas surpresinhas que a gente nem espera e depois tem que montar um a um.
Quando olho para minha escrivaninha dou com a presença da amiga, na forma de um ou dois objetos que ganhei no kit Mariinha e já estou preparando o Kit Clevane de Natal.
Para viver esta alegre troca, basta estar feliz e querer muito bem o amigo(a), porque nos torna mais humildes no dar e receber e aquece o coração. Com a vantagem de, por alguns instantes, voltar a ser criança ao sessenta anos.

Aviso

Queridos seguidores de Artes e artes, não tenho conseguido postar os comentários que, tão generosamente, vocês me enviam.
Quando clico em "publicar" o comentário desaparece. Lamento muito porque as pessoas frequentam o blog, mas raros são os que experessam alguma coisa a respeito. Uma pena,,,

Um grande abraço agradecido
Maria J Fortuna


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sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Exausta de Deus!


Maria J Fortuna

Estou exausta de Deus! Sinto-me cansada de indagar por que não me ouve. E já enfastiada com pedido sem retorno. Saturada de suas contradições. Por um lado Ele diz: -” Pedi e recebereis, Batei e abrir-se-vos-á”. Por outro diz: - “É necessário que te abandones à vontade divina...” Eu me abandono ou peço? É complicado. Em termo de pedido e de tentativa de abandono, já se passaram mais de 40 anos. Sei que o tempo Dele não é o meu, mas há de se convir que nosso tempo na Terra é muito curto. A não ser que todos nós sejamos reencarnacionistas. Os humanos vivem pouco para deixar de dormir. É isso! Quero dormir a noite toda e me sentir bem no dia seguinte. Mesmo na guerra, acho que as pessoas dormem, e os que não conseguem, enlouquecem! Quando falo em dormir, quero dizer, naturalmente, sem comprimidos. Não peço poder, riqueza, nada, apenas isso! Ainda não o sono eterno, mas o de toda noite mesmo. E ainda tenho que admitir que Ele quer sempre o bem das pessoas e que tudo de bom acontece quando lhe somos fiéis. E ainda que tudo o que acontece é para nosso bem futuro. Mas qual o bem que traz a insônia? Só quero a coisa mais simples do mundo – dormir! Como uma criança que confia e não com a paulada de um psicotrópico.
Um médico homeopata me falou que, para que Ele me ouça, tenho que entrar em sintonia. E que não estou fazendo o pedido de forma correta, porque Ele não está reconhecendo. Como assim, se conhece todas as coisas, até o espaço entre nossas células?
Hoje pela manhã, me postei resolvida a esquecê-Lo, nem que fosse por aquele instante. Fechei os olhos e O ignorei. Procurei esvaziar-me de conceitos e dogmas. Deixei pra lá minha ignorância e procurei esquecer Sua palavra, seus 99 nomes e as mil interpretações que as pessoas dão a Sua palavra. Da loucura do sectarismo e das atrocidades cometidas em Seu nome. Esqueci o Livro e tive a sensação de que realmente estava só comigo mesma. Engraçado, não tive medo, não me senti desconfortável, abandonada ou desamparada. Ficar ali, quietinha, sem a consciência daquela Presença incômoda de quem faz “ouvido de mercador” para minhas preces, trouxe-me sensação de paz e autoconsolo.
Quem sabe nesse esvaziar-me Dele eu não O encontre?

domingo, 1 de novembro de 2009

Reconhecimento







Maria J Fortuna

Olhou bem nos olhos os olhos do outro... Aquela pessoa não lhe parecia estranha. O formato das pálpebras, ligeiramente caídas, a Íris de um castanho suave, cheio de pigmentos escuros, formando uma linda mandala, cujos desenhos convergem para o centro, a retina misteriosa que acompanha os seres vivos até o final de suas vidas e espelha mais do que as coisas conhecidas. Reparou os vincos da pele, ceifada pelo tempo, em volta da boca, que já não estava tão bem modulada, mas ainda trazia boas lembranças, de que ele bem sabia. O nariz afilado, bem feito, e o queixo delicado, bem desenhado, ensaiando uma covinha. Subitamente, sentiu o coração acordando como que de um sono profundo, e a respiração parecia presa como um pássaro azul na gaiola de ouro. Ó céus! Aquele instante era semelhante àquela música: “Azulão, Azulão... “ Onde está você, céu de minha vida?
O sinal de trânsito estava quase fechando e ele teve que acelerar o passo. O encontro dos olhos não durou mais do que um segundo. Atravessavam em direções diferentes. Chegou à calçada e ficou olhando, olhando, para ver para onde aquela pessoa de cabelos tingidos de vermelho se dirigia, após chegar à calçada oposta. Mas... Aqueles cabelos não eram os mesmos... Tinham um colorido cansado, turvo e áspero. Lógico, que depois de 30 anos, muita coisa muda. Mas o olhar... este não mudou em nada!
Limpou o suor, que descia pela face , até o colarinho. O calor estava de matar! Chegou ainda a ver um lampejo da blusa amarela daquela figura tão familiar. Parecia refletir o calor do sol. E o andar quase ligeiro da mulher dos olhos castanhos. Ela não se voltara, para ver seu olhar tão pedinte quanto aquele do velho sentado na esquina da Rua do Ouvidor. As pessoas de olhos dos mais variados tons de olhos, de vários tipos, o empurravam com seus corpos encalorados.
- Será que era ela? E se for? Por que detenho os meus passos e não consigo reatravessar a rua, ir atrás? Preciso me certificar da verdade, encará-la, questionava a si mesmo, em monólogo. E se tivesse certeza, será que teria coragem para se postar diante dela e mergulhar naqueles olhos novamente? Por que ela não se voltou para trás? Medo do confronto? Ou... Talvez não fosse a pessoa do passado num encontro inesperado. Apenas quase semelhante...

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Sou alguem preocupado em crescer.

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