quarta-feira, 29 de abril de 2015

Em Transcendência


Maria J Fortuna

A presença do Desconhecido
Faz conosco uma aliança
Gera a sombra de Deus
O corpo da Luz
O verbo silencioso
A música das sombras
- nós
Seres humanos...



http://precesemcaledoscpio.blogspot.com.br/


Eu escrevia em dois jornais internéticos: O Monblaat do saudoso médico e jornalista Fritz Utzeri e do não menos famoso e também saudoso jornalista Fausto Wolff com o nome de Maria Fortuna sem o "J".  Depois fiquei sabendo da jornalista que assina Maria Fortuna e para não haver confusão resolvi colocar o "J" entre o Maria e Fortuna.
Este comentário de Christina Therdim, me deixou muito alegre, por sentir que ela havia sentido intensamente o que texto que produzi.
Estou publicando o texto por causa do momento que estamos vivendo em relação ao menor infrator.

O Pivete



Escrevi esta crônica em 2006 e relendo-a lembrei-me de que está em discussão a maioridade penal, para mim a triste consequência de um problema não resolvido. 


                                                                                                               Maria J Fortuna




                          De repente o pivete apareceu em minha frente.

                   Eu nunca havia parado para olhar nenhuma criança daquelas nos olhos. O medo não permitia. Temos medo de crianças aqui no Brasil. Principalmente quando seus olhos estão vermelhos, denunciando o uso de crack ou cola de sapateiro. De crianças que não são nossos filhos e netos, nem tampouco nossos sobrinhos, vizinhos e conhecidos. Uma mistura de medo, revolta e compaixão, tomou conta de mim. Que dificuldade tive para encará-lo! Ele tinha um olhar de fome... Fome de comida, escola, família. Fome de amor e justiça! Estava cheio de ódio! Dava um medo danado! Ódio da miséria e da fartura dos que tem e o que ele não consegue ter. Ódio da desconfiança sistemática das pessoas, de sua própria imundice corporal que o segrega. Sobretudo ódio de ter vindo a este mundo.

                      Sem saber a quem dirigir tanto ódio, arremessa-o, como flechas, ao primeiro passante que lhe nega uns trocados. Eu senti aquela descarga mortífera. “Cada flecha portadora de um recado: “Vai a puta que te pariu”,” Que se foda”, “Enfia no cu”, daí por diante... Pintados aqui e ali formam um exército sem CIEPS, grande sonho de Darcy Ribeiro, que Moreira Franco destruiu. Onde, certamente eles tornar-se-iam cidadãos. Mas o que vemos é oito milhões de desempregados com suas famílias famintas...

                 Quanto tempo teremos que esperar que pais de família que dantes eram pacíficos se tornem, de repente, feras ambulantes cheias de ódio, com seus filhotes largados ao léu, transformados naqueles pivetes? Com suas meninas prostitutas gerando outros filhos sem teto? Lembrei-me da matança da Candelária. As metralhadoras atirando naqueles corpos infanto-juvenis, sem nenhuma oportunidade de vida ou de defesa. Não eram os corpos de nossos filhos, netos, sobrinhos, pertencente à classe media ou alta.  Eram crianças que incomodam. Que avançam em pessoas nos sinais, que derrubam gente para roubar. Infelizmente só assim conseguem um pão para comer. Ou drogas para usar? São os filhos do nosso país, sem cidadania. Crianças que não sabem como anda o PIB , ou o risco Brasil.

                         Só vêem ceia de natal em folhinhas e nunca tiveram uma alimentação digna do seu crescimento físico, o que não dirá o seu crescimento emocional, social e espiritual... Esses pequenos escravos da miséria não sabem o que lucram os banqueiros do país. A nossa economia não cresce, mas os Bancos têm lucros astronómicos! Só o Banco do Brasil, no ano passado, ( 2006) com um atendimento quase precário, teve um lucro de R$ 1.7 bilhões até o mês de Setembro. Imagine os outros bancos como Bradesco, Banco Real, etc... E nunca ouviram falar nos sonegadores de impostos. Talvez ouçam falar em ladrões do governo, mas não compreendem muito bem do que se trata. Eu fui trinta anos assistente social e sei disto. São seres completamente alienados e nem desconfiam de onde vem seu infortúnio e, mesmo no ódio, acabam conformando-se com sua “sina”.

                     Desconhecem, no entanto, que são fruto de um ramalhete nauseabundo. E que suas mães, quase todas adolescentes, a maioria moradora de rua ou prostituta de algum cortiço, vão parindo bebes sem futuro pelo Brasil a fora. Seres humanos que não conhecem seus pais. Digo, aquele que os gerou no ventre de sua mãe menina. E que, se conseguirem viver até os catorze anos, além de abusos sexuais e de outros tipos de violência, eles serão pais de nova fornada de pivetes, escravos dos traficantes da favela e nunca conhecerão os grandalhões do tráfego. Desconhece a política armamentista dos países desenvolvidos e outros buracos negros que trazem este tipo de fome cruel para o mundo!

                  Infelizmente a palavra de ordem no país é de submissão aos que estão no poder, enquanto os corruptos compram apartamentos em Miami e lavam dinheiro em paraísos fiscais. O lucro do capitalismo continua sendo o bem supremo. Por não saber dessas coisas, o pivete mantém seu ódio frio contra a população de classe média, que não sabe mais o que faça para se proteger. Principalmente os anciãos.

                      Somos o país de maior desigualdade social no mundo. Nós e a Índia. Além dos políticos corruptos e corruptores, temos religiosos hipócritas que amedrontam o povo humilde, pondo-lhes sentimento de medo e culpa para roubar-lhe o minguado salário dos que ainda tem um modesto emprego de salário mínimo. E pelos meninos de rua, nada é feito. Aqueles que almejam o poder em nome de Cristo.

               Latifundiários, empresários, banqueiros que vivem devastando o planeta, acabando com a Amazônia, se cuidassem de um só desses brasileiros sem cidadania... Crianças que são como rios poluídos, pequenas árvores arrancadas precocemente do solo, ou do seu tronco familiar, quando são espancados em casa e atirados na rua por se uma boca, já crescidinha, a mais. Mata incendiada por dor e agonia.

                          Somos uma fabrica de pivetes. A todo o momento sai mais de uma fornada deles. A cada recorrência virão mais impostos. Aumentam os desempregos, o atendimento social e a maior falta de expansão dos investimentos públicos. Com isto aumentam os problemas sociais. Não há pivete tipo exportação. Temos que arcar com todos por este triste preço...
Alguns europeus vêem buscar nossos meninos para serem seus filhos. Mas os recolhem em casa de caridade ou creches, ainda muito pequenos, mas não os que estão em nossas ruas.

                       Enquanto alguns dos nossos jovens de classe média alta se alienam com drogas e com o lixo televisivo da Globo. Essas crianças – adultos precoces no mundo do crime – adoram os Rambos do tráfico e cheiram cola para esquecer a fome. Dormem debaixo de marquises e planejam assaltos. Com a loucura do capitalismo selvagem que não sabemos quantos filhos de família rica e bem alimentada tem olhar de pivete, olhar de fome, de carência. De repente eles têm teto, terra e educação. Vão até para fora do país aprender outra língua. Em muitos casos esses privilégios, fora a mesada, não pagam o bem supremo que não recebem – o amor.

                            Ah! Como eu gostaria que aquele pivete, a quem ousei encarar, soubesse do que se passa. De quem são verdadeiros responsáveis por sua miséria. Quem são para eles os adoradores do poder? Afinal é triste ser pára-raios dos olhares de revolta desses meninos e adolescentes que cospem quando a gente passa.

Se aqui roubam para comer, imagino o que não seria viver num país culturalmente evoluído! Como se torna este sonho distante deles anos luz... Só um milagre traria um bom prato de comida com todas as proteínas e vitaminas de que precisam. Roupas limpas, escola, teto, família... Enfim algo que lhes estimule o sentimento de pertencer a uma comunidade que os ame e os respeite como cidadãos.

                           Utopicamente pensei em ver aquele olhar transformado por tantas formas de alimento. Até ouvindo Noturno de Chopin, dançando sob as estrelas ao som de uma valsa de Strauss, sorrindo com os dentes brancos a amostra. Cheirando as flores silvestres. Com um olhar doce dos que conhecem o amor e a beleza!

                         Refletindo sobre as flores mortas da irresponsabilidade, quase pus um par de asas no pivete... Para que ele voasse através da minha utopia!  Um pensamento quase surrealista. Eu o vi virando índio em minha frente. Comendo mandioca e outras iguarias das selvas. Dançando as danças de louvor a Tupã e pescando nos rios de águas frescas da Amazônia. Caçando com arco e flecha, namorando uma mocinha da tribo. Sendo pai de curumins apesar de que estão dizimando nossos índios também. De repente ouvi aquela voz debochada, abusada:

                        - Tá olhando o que, dona?

                         Como não havia o que responder, acordei do sonho, repentinamente. Então sai de fininho respeitando aquele ódio todo e com muito medo ainda.

                         Ao chegar a casa escrevi na minha agenda:

Flor
Pedra
Menino sem pão
Poesia cega





quinta-feira, 23 de abril de 2015

Endereço de Transcendência

http://precesemcaledoscpio.blogspot.com.br/

Sobre o blog Transcendência

         Transcendência parece abandonado... Mas ele é como sou: instável, muitas vezes ausente do contato com o Criador. Algumas vezes penso que Ele, por causa da sua onisciência, já sabe de tudo e dispensa louvores explícitos. Mas não é isso. Trata-se da minha displicência, para não dizer preguiça, e da secura que muitas vezes toma conta de mim. Nessa aparente ausência do sagrado em minha vida, fujo para outras bandas, escrevo para os leitores de Artes e artes que são muito mais presentes. De vez em quando me vem o desanimo de estar louvando sozinha... Mas e daí? Não sou eu quem vive dizendo que escrever regularmente é uma forma de disciplinar o espírito? Pois é. É isso sim. Estou em falta. Mas como tudo continua aqui ou lá do outro lado, sempre é tempo de recomeçar. Então estou retomando à este blog, espaço poético que ousa mostrar beleza á Beleza. Humildemente começo a publicar poemas de minha autoria,  entrelaçados aos de autores de grande expressão como João da Cruz, Rumi, Tereza D´Avila, Ibn Arabe, Gibran e outros. 
Um grande abraço aos leitores que apesar dessa ausência, ainda vem aqui.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Adultos pintando!




Ouvi inúmeras mensagens e reportagens sobre adultos que estão adorando pintar livros com desenho de mandalas e outras coisas mais. Então me veio a ideia: - Quem sabe O pardalzinho desconfiado, livro de minha autoria onde a estória infanto-juvenil  chamada de fábula, pode despertar a vontade de ser pintado por crianças e adultos? O livro tem inúmeras ilustrações em preto e branco, de autoria de Josias Marinho, custa R$ 25,00 e vai com lápis de cor. 
Para encomendar é só mandar o nome e endereço para o e-mail: mjflima85@gmail.com  e fazer o depósito no Banco que eu lhes informar por esse endereço.

Depois é viajar na estoria e relaxar colorindo...







terça-feira, 14 de abril de 2015

Paixão pela morte





                                                                                                                                    Maria J Fortuna
 
 
Quando descobriu a morte, Amélia se apaixonou. Não havia coisa mais fascinante do que percorrer as sepulturas dia de finados.  A  notícia   de que alguém havia morrido era prato cheio para o desenrolar dos mistérios que não acabavam nunca!   Segundo aprendera em casa e no catecismo da Igreja de São João, todos os justos iriam para a morada do Pai. E os não justos iriam para o inferno. Tudo nos conformes do  eterno, inclusive as criancinhas pagãs, não  batizadas, que iriam morar no limbo, onde a menina imaginava um monte de anjinhos prisioneiros, que nada sentiam. Não era possível! Tinha alguma coisa mais do outro lado... Muito mais!
 Não era só isso. Encantava-se ao ver a pessoa sem vida,  ali no caixão, inerte,  e “a alma vagando pelo éter...”  conforme poesia escrita por seu tio Astolfo no mirante da mansão onde morava. A tal poesia repousava em cima da escrivaninha do tio, tão inerte quanto os defuntos que a mesma evocava.  A alma da poesia se espalhava pela casa como o cheiro dos jasmins que vinham do jardim.   Palavras não escritas, mas bem entendidas por ela.    E sabe Deus quantos espíritos a inspiraram...  O tio era também obcecado pela morte! Por isso lhe atraía subir as escadas do sótão para visitar seus aposentos, quando sentia a força do mistério pairando no ar...
Coisa boa era participar de um velório, mas incomodava um pouco ver as pessoas chorando em volta do caixão.  Uma vez teve inveja de crianças vestidas de luto porque o pai havia morrido! Era fascinante olhar para os meninos com roupas pretas, com tão pouca idade... Dizer na Escola que perderam o pai devia ser muito bom!  Era como se fossem promovidos a heróis!  – Tão pequenos e órfãos de pai, diziam as pessoas. Na certa seriam mais paparicados pelos professores e colegas. Isso naquela década de trinta, quando a viúva se vestia de preto e todos os filhos a acompanhavam, exceto aquele que tinha menos de um ano, vestido de camisolinha branca.
 Amélia adorava passear no cemitério com o tio, que mais se parecia a uma sombra silenciosa, caminhando a seu lado. Iam lendo as inscrições nos túmulos:  nascido em 1870 e falecido em 1920. Fazia então, a contagem nos dedinhos para ver com que idade a pessoa fora “ceifada com violência pelo tempo”, segundo outra frase da poesia do tio Astolfo. Versos aqueles que não saíam de sua cabeça...  Em algumas sepulturas havia foto de falecidos. A mulher ali enterrada, com um meigo sorriso, fora “ceifada” aos 50 anos... Quase velha, pensava. Havia fotos de homens que pareciam olhar para ela com ar de reprovação. Era de dar medo! Alguns sepulcros estavam abandonados. O capim crescia ao redor e as lápides ficavam cheias de terra, na certa trazida pelas tempestades, imaginava. Porque era muita terra... Quase não dava para ler a inscrição do jazigo. Devia acontecer o mesmo com as lembranças da família, dos amigos... As lembranças eram varridas da memória dos parentes e amigos que viveram a seu lado.  Ou o tempo havia carregado todos eles... Era fascinante também aquele abandono... e a tristeza morna que sentia.
   Quer ver que por isso Deus nada nos revela do que ocorre do lado de lá,  refletiu silenciosamente. Deve ser para não tirar a graça da surpresa.  Mas que surpresa? Dá medo! Sentiu  arrepio.
Enterro de recém-nascido então era muito, muito bonito! Aquele caixãozinho branco de “anjinho” como era chamada a criança morta. – Vai direto pro céu, diziam... Se for batizada...
Um dia foi ao encontro das coleguinhas do colégio de freiras e falou para as meninas sentadas em circulo, comendo suas merendas: - Vou morrer aos 15 anos! - Como? Indagou uma das meninas. - O santo, que está à direita do altar me falou, foi afirmando. Uma das meninas, a mais amiga, chorou. Ela então, ficou muito feliz por se sentir querida. Morrer aos 15 anos era o máximo! Deitada no caixão com um vestido branco de virgem, enfeitada por lírios também brancos e uma coroa de rosas na cabeça. Pálida, com seus cabelos negros ornando o rosto jovem, com olhos fechados abaixo dos longos cílios também negros... Os adultos se sentindo culpados e o grande amor de sua vida debulhado em lágrimas... Amélia havia visto a foto de Ofélia, de Hamlet, no quarto do tio. Estava  tão linda, morta no lago... Só que loira.
O único corpo de falecido que a menina não almejava ver era do(a) suicida. Não queria saber de quem já tinha endereço certo depois que deixasse o corpo: o inferno! Como dizia o relógio do demônio com os ponteiros parados à meia-noite, onde estava escrito:  - Nunca mais!  Havia visto o desenho a nanquim num grande livro no quarto do tio Astolfo.  Rejeitava essa ideia absurda de condenação eterna, mas pelo sim pelo não, melhor deixar pra lá... Não seria bom  visitar o corpo de quem havia cometido tal sacrilégio: o de querer dar fim á vida.  Na dúvida, melhor não ver.
E foram muitas e muitas divagações precoces da menina  sobre as pessoas que partiam para o além...  Mas o  mistério maior estava no que teria feito Amélia apaixonar-se pela morte.




Sempre surpreendente a Exposição do meu Mestre!


Quem sou eu

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Sou alguem preocupado em crescer.

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