sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O lado sombra...






Maria J Fortuna





(Desconheço o autor da figura)




Alguém me falou que, quando nos aproximamos de outro ser humano, somos quatro e não dois. O que vem a ser isto?
O que seria uma pessoa negativa ou “baixo astral”? Por que o tal campo energético é tão pesado, a ponto de não suportarmos a presença daquela pessoa? Uns dizem que o outro está “carregado” ou "mal acompanhado”, conforme suas crenças ou religião que praticam, e sentem que a simples visão daquela criatura estraga seu dia... O que a torna tão indesejada a nossos olhos?
É verdade, também, que há dias em que nos tornamos insuportáveis a nós mesmos! Esta constatação me levou a consciência de que, o que não toleramos em nós, muito menos suportamos no outro. Neste confronto, começa a brotar a percepção do nosso inseparável lado sombra! Eu me pergunto quantos são conscientes deste seu lado? E quantos acolhem a idéia de que ele existe e interfere em nosso comportamento? É mais fácil dizer que hoje estou de “baixo astral” ou que aquele cara é “carga pesada”, porque não há aceitação, por um e outro, de sua própria sombra. Apenas negamos , projetamos em outras pessoas. Quem não sentiu este lado obscuro do ser se manifestando em forma de insatisfação, inveja, irritação, arrogância e outros monstrinhos?
Os anjos não têm lado sombra, são luminosos! Minha gata brinca com sua sombra todos os dias. Mas a gente, todos os dias, tem que lutar para que a dita não tome conta de nós. E a única forma de conseguir este intento é aceitando carinhosamente que somos humanos, o que trás consigo este preço. E que sem a síntese: luz-sombra, não é possível existir. Esta consciência resgata a autoestima e torna a vida mais leve. Isto envolve o perdoar-se de cada dia. A cada escorregão, um perdão. É o único jeito de não nos tornarmos amargos e intolerantes e arrogantes, como válvula de escape. Mas adianta?
Estar bem consigo mesmo é não negar o lado obscuro que mora dentro de nós.
Semana passada, num dia em que meu lado sombra me deu uma rasteira e eu não me perdoava de jeito algum, resolvi limpar pelo menos o corpo. Na falta de banheira, entrei embaixo do chuveiro. A água geladinha espantou o calor do Rio de Janeiro. Deixei que ela caísse aos borbotões em minha cabeça quente. Logicamente, já me sentindo culpada de estar gastando muita água em tempos de aquecimento global. Mas, em alguns segundos, a água chorou comigo e escorregou carinhosamente por todo meu corpo tomando conta dele, acariciando-o. A bucha de fibra natural ativou-me a circulação do sangue, e o sabonete perfumou o momento. Fiquei pensando, ao fechar a torneira, e contemplando minha própria nudez, assim tão simples e despojada: este bem-estar podia ser completo se a ducha lavasse a sombra desta alma carregada de vaidade! Mas aí aconteceu que meu lado luz indagou: Por que não me permito errar? Preciso ter maior compreensão das minhas carências... Se não tenho corpo físico tão perfeito, por que tenho que me comportar tão perfeitamente? Por que não ser tolerante e respeitosa com a alma, como estou sendo com o corpo? Por que não acalmá-la, lavando e acolhendo com delicadeza, as formas imperfeitas da minha expressão humana? Estava vendo a sombra, que acompanhava meus movimentos, projetada na parede enquanto eu me enxugava e brinquei com ela.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Nisson, o guerreiro dentro de mim




Maria J Fortuna











Uma vez ouvi falar que Nisson havia partido por uma estrada dourada. Fiquei pensando no relevo das nuvens que o carregaram ladeira acima, pelos bosques do desconhecido. Mas Nisson não pode partir. Vive dentro de mim há muito tempo... É meu lado masculino e eu, graças a ele, consigo desbravar a grande selva da cidade, onde minha existência está sendo cumprida. Aos pedalos incertos, coloquei meu velocípede na estrada. Afinal Nisson é meu menino do velocípede, o anjo Mimo, o pardal desconfiado, Nonô - o menino da sementinha que não queria brotar. Fora que é também o anjinho que queria ser gente que, na verdade, é fruto de uma crise existencial. Ele está presente em todas as obras literárias que eu criei. É só precisar de coragem, ele aparece!
Nesses dias de terremoto no Haiti e no prenúncio de mais outras grandes perdas, em que a Terra machucada dá seu troco preciso de Nisson mais do que nunca! Não posso perdê-lo pelo simples fato de abrir a gaiola que tenho no peito e dar-lhe liberdade! Firme com os homens e galante com as mulheres, ele percorre a trilha do seu destino: misturar-se a meu feminino. Casam-se os dois dentro do meu coração, para que eu fique inteira. Tomam o vinho do amor na taberna perfumada onde o noivo e a noiva se unem para sempre.
Hoje, em tempos de guerra, de terremotos e destruição da Natureza, nada mais aprazível do que este encontro eterno. Graças a este refúgio, a vida se torna não só suportável, mas presente na harmonia.
Há horas em que eu, mulher, terra, leite, sangue, suor e lágrima, tenho que evocar meu Nisson guerreiro, presente nos hormônios que me circulam pelo corpo. Ao simples apelo, frente a algum perigo, surge no meu horizonte, sua figura, que meu lado romântico veste de armadura e lhe entrega uma espada, como a bruxa Viviane, a Dama do Lago.
Nisson, então, é o sol que faz resplandecer a lua, soberana, na noite escura das guerras. Mas, ao mesmo tempo, eu o vejo como Parcifal, entrando no bosque, frente ao desconhecido, com a música estonteante de Wagner ao fundo. São sonhos gotejando na claridade dos raios aqui e acolá. É a escalada do amor, que teima em iluminar a Terra, apesar de tudo.
Esta consciência dos opostos: masculino e feminino, em cada um de nós pode trazer paz ao mundo! Não haveria escravos, nem mulheres submissas à vontade do macho. Os livros sagrados seriam interpretados com lucidez e o tempo seria aliado para que a Terra fosse amada, respeitada e preparada para as gerações que hão de vir. O equilíbrio das duas energias, que habitam Gaia, sacrificada pelo egoísmo dos poderosos, nos daria a certeza de que o ser humano foi programado para nascer, crescer e morrer no amor.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Um anjo sob escombros










Maria J Fortuna

Noite passada, sonhei que estava numa cidade estranha, onde havia muitos destroços, dores, gemidos... E dei com um anjo de luz, mas com asas negras, que emergia dos escombros. Fiquei cismada o dia inteiro quando, à noite, a TV noticiou a grande catástrofe e, nela, a morte de Zilda Arns, no Haiti, dentro de uma Igreja, dando palestra. Imediatamente, liguei o sonho ao acontecido.
Naquele momento, fiquei muito tempo sem saber o que fazer ou o que dizer, e até o que olhar, tamanha a perplexidade! Meu coração ficou apertado como se fosse torcido feito um pano de limpeza. Uma terrível sensação de impotência me veio. Numa segunda notícia, soube que Zilda Arns havia morrido no meio dos escombros. No mesmo instante, a imagem daquele anjo me apareceu em forma de um sorriso que, para bem da verdade, sempre me intrigou. Tipo sorriso de fada, assim todo cor de rosa e de uma leveza que dava inveja a santo. Como, em tempos idos, fundei em Belo Horizonte um Posto Especial de Pediatria (PEP), para crianças desnutridas no ex INAMPS, este fio da rede sempre me ligou a ela. Para mim, foi muito difícil a missão de recuperar crianças muito carentes e que, alguma delas, poderiam ser marginais de amanhã. Lutar contra a ignorância , o desânimo, às vezes um desespero mudo daquela gente, sempre foi, para mim, um desafio enorme! Só nos era permitido atender crianças desnutridas de primeiro e segundo grau. Algumas já cegas ou com os neurônios comprometidos pela desnutrição. Seriam crianças limitadas, com problema de aprendizagem. Confesso que a visão do futuro daquelas famílias desestruturadas pela carência de tudo, me deixava com o velho sentimento de impotência! Hoje esta criança está sendo atendida, mas... E o amanhã? Zilda não pensava no amanhã. Ela era um anjo, que perdeu as asas para voar com o coração. Não importava o que aquelas crianças seriam no futuro. A emergência estava no “aqui e agora”. Importava, para ela, ser fermento na massa, como Charles de Foucauld o foi, até ser assassinado no deserto. O que importava era estar ocupada em passar para aquelas crianças a ternura de Deus.
Ah! Doce mistério que vem da alma dos amigos de Deus! Aquele que transforma vísceras em poema, luto em ressurreição! Quando vou beber o vinho dos que são realmente pacíficos? Quando vou descobrir esta essência tão essencial?
Na balança improvisada no meio do sertão, um bebê é pesado, amado, acolhido. O trabalho de Zilda deu muitos frutos! A identidade maior daquele ser era sempre reconhecida por Zilda, que o abraçava, incensando-o com seu carinho como se tivesse o menino Jesus em seus braços. Ela não se perguntava o que iria acontecer, mas exultava com o que estava acontecendo: aquele serzinho ganhou mais um grama! É o que interessava. Ali estava uma semente a ser cuidada, e se recebesse amor, teria o ingrediente suficiente para crescer e dizer sim à vida, apesar de tudo.
Refletindo agora no que falou seu irmão o Cardeal Pedro Evaristo Arns, ao saber de sua morte, sobre a esperança, descubro que o segredo daquele sorriso era a expressão desse sentimento tão indispensável ao ser humano!
Não dá mais para a gente se encontrar, Zilda, mas, apesar de tudo, você me deixou este recado. E eu lhe agradeço profundamente.

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Sou alguem preocupado em crescer.

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