sábado, 29 de janeiro de 2011

O fisioterapeuta



Tia Diná é uma autêntica Sinhá Moça! Aos 97 anos diz que a velhice, finalmente, está chegando... E, por isto, ela tem que se cuidar. Decidiu que a pintura do cabelo, agora seria loiro, que se aproxima do branco e que iria descansar depois do almoço, numa poltrona mais fofinha. Fora isto, gosta de shows no Canecão e é fã de Roberto Carlos, Bruno e Marrone e Alcione. Assiste a todas as novelas da Globo e aprecia programa de fofocas. Foi providenciado, pela família, um fisioterapeuta, para cuidar dela, já que dispensa cuidados médicos. Salvo o cardiologista que controlou sua pressão, depois de uma repentina queda da mesma. Esta se estabilizou e não foi mais preciso frequentar aquele consultório. Para que cardiologista? Gaba-se de que enxerga sem óculos, desconhecendo que colocou lente interna na operação de catarata. E todos os dias passa batom depois do almoço.
Bem, voltando ao assunto, o fisioterapeuta contratado pela família é um homem lindíssimo! Alto, moreno, robusto, com um vozeirão, cheio de charme e, sobretudo, muito atencioso. Antes das sessões de fisioterapia, o perfume ronda a casa! Entra no banheiro e sai na cozinha...Ronda a vizinhança do prédio. A tia, após um bom banho, se aromatiza da cabeça aos pés, para recebê-lo duas vezes por semana.Tal sinal, a gente observa nas adolescentes quando se apaixonam por alguém. Quem pensou que a nossa Menina Moça , de 97 anos, apaixonou-se pelo fisioterapeuta, acertou. Chamando fisioterapia de ginástica, arrumou uma incrível roupa de “Malhação”, novela a que assiste todos os dias, para executar os exercícios.
Na noite que antecede à “ginástica”, ela não dorme. Acorda assustada, de repente, com medo de perder a hora em que o “professor” costuma chegar... Vai pra cozinha bem cedo saborear seu desjejum, toma banho, veste-se a caráter e procede ao ritual do perfume...
Depois que o amado se vai, com aquele porte, aquela voz tão bonita, aquele jeito de passar creme em seus braços e pernas, ela fica com ar de garota sonhadora, até que o tempo sopre, de leve, sua querida lembrança.Claro que só ouvindo um CD romântico do rei Roberto Carlos, que celebra amores extravagantes... para deixar o tempo passar mais rápido até a próxima sessão. E assim, sonhadora, embalando-se na cadeira de vime, pensando nos velhos tempos de mocinha, fica devaneando até a hora do almoço. Isto desde os remotos 93 anos vem acontecendo...
O fisioterapeuta atende também sua irmã de 94 anos, que infelizmente “saiu do ar”, como diz nossa Sinhá Moça, sempre se gabando de que ela está mais em forma do que a irmã caçula.
- Lulu não sabe mais de nada, tá completamente “debilóide” coitada, repete toda vez que visita a irmã, abrindo bem as vogais.
Ocorre que outro dia chegou estapafúrdia notícia de que a irmã fez strip tease, em plena sessão de fisioterapia, para seu príncipe encantado! Foi um Deus nos acuda!
- Meu Deus, que vergonha, que vergonha! Falava tia Diná, ininterruptamente, pela casa, com as mãos na cabeça! Como Lulu teve coragem de fazer isto?
- Mas tia, ela não sabe mais o que faz... Ela está com Alzheimer, ponderava eu.
- Não tem desculpa para uma coisa dessas, ai meu Deus! Repetia desesperada.
Resolveu apurar de perto a inusitada noticia e indagou às acompanhantes de Lulu se ela teve coragem mesmo para fazer aquilo. Na afirmativa do evento ocorrido, ficou mais inconsolável ainda.
- Eu não vou mais poder encará-lo. Na hora da ginástica, eu não vou olhar mais para a cara dele, nunca mais!
- Não fique assim, tia. Ele já esqueceu. E compreenda que ela não sabe o que faz... Falava a neta, tentando acalmá-la. Aí veio a reflexão surpresa para todos nós da família... Tia Diná, sacudindo nervosamente a perna, falou em alto e bom tom:
- Pelo menos se fosse eu, que ainda tenho tudo no lugar, mas Lulu com aqueles peitões caídos...
Tia Diná, nos dias de hoje, está com 100 anos e seis mêses. Continua fazendo "ginástica" com o mesmo fisioterapeuta. O ritual também continua o mesmo. Quem disse que uma mulher para se encantar com um belo mancebo, precisa ser jóvem?


quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

As lágrimas de Teresópolis e adjacências


Maria J Fortuna


Faz pouco tempo, percorri a estrada que leva a Teresópolis. Foi num domingo ensolarado, num passeio inesquecível! Desses que a gente faz quando é adolescente, com os colegas de escola. Sorvi aquela paisagem deslumbrante da janela do ônibus, ouvindo como que a música das esferas embalando as montanhas! Não estou exagerando. O prazer em ver aqueles caminhos perfumados era tão grande que senti que meu corpo suado orvalhava!
Agora, a agonia das pessoas da montanha pisa-me bruscamente as boas lembranças, como se estivesse esmagando uma borboleta das mais esplendorosas, displicentemente. Como pode a crosta de terra, que envolve as montanhas, vestindo-as com lindas mantas de vegetação, inclusive árvores, desabar sobre aquelas pessoas? Como pode o sopro da Beleza transformar-se em um bafo demoníaco? De quem é a culpa? Das pessoas que construíram suas casas em barrancos, das autoridades que deviam prever o desastre? Foi o aquecimento global ou vontade de Deus? Esta última, então, é a mais cruel das cogitações. Como pode o Criador, misericordioso, agredir sua criatura, através das coisas que criou? Não há sentido nenhum para isso... Na verdade não há sentido nenhum para nada do que aconteceu. É pesadelo purinho! A chuva, onde quando criança eu me banhava feliz, estava acabando com tudo nas serras!
Não é hora de ficar pensando muito sobre o assunto. É hora de agir, eu sei. Mas quando ficamos perplexos, depois da estagnação inicial, um crescendo de perguntas que trazem respostas perversas, nos sacode. Não há como evitar. São tristes constatações, depois que ouvimos os mais entendidos no assunto, dissertarem sobre o tema, na TV, jornais, revistas, etc. Aliás, uma campanha educativa, alertando o povo na TV em vez do BB, seria muitíssimo útil!
Sempre na história da humanidade, a sede de poder trouxe desgraças. Durante séculos, o homem teve dificuldade de fazer ponte do desejo de ter ao desejo de amar. Entre os dois está a dificuldade em ser. Ou se é poderoso, como fulano e beltrano, que sacrificam qualquer coisa para subir na vida, ou optamos por um trabalho de lapidação do eu, para que a gente se reencontre nesse caos de valores invertidos e nos tornemos nós mesmos. Se cada um procurasse apenas ser o que é, não haveria tal sede de poder e nenhum de nossos irmãos construiriam casas em área de risco. Pelo que eu soube, a verba destinada à prevenção de catástrofes não foi empregada como devia. Isto porque esta ação não trás votos...
Enquanto isso, Leonardo Boff, em seus inúmeros livros, vinha bradando aos quatro ventos, a resposta que viria de um planeta maltratado. Ninguém ouviu e o inevitável aconteceu!
O que os políticos, fazendo ouvido de mercador, poderiam fazer para evitar a tragédia? Aí vem o velho item que Darcy Ribeiro tanto se debateu para conseguir: Educação! Lutar contra a ignorância das pessoas, que acreditaram em segurança, quando suas famílias estão ameaçadas. Por que não foi feita uma insistente campanha para avisá-las que não podiam viver ali, definitivamente? Por que não prepararam uma equipe de profissionais ou pessoas voluntárias, que fossem de casa em casa, prevenindo o povo do desastre? Pelo que eu fiquei sabendo, era previsível sim!
Em meio às tribulações desse gigantesco desastre, onde já foram constatados quase 800 mortos, aparecem pessoas, que tal como pirilampos nos pântanos, iluminam aqui e ali, as tristes noites sem lua e sem velas, em que Teresópolis, Friburgo e Petrópolis se desfiguram. Resta a beleza da solidariedade, para amenizar o sofrimento do povo. Resta a cobrança aos poderosos de que se conscientizem de que nós somos a Natureza, portanto sofremos no mesmo corpo. Não há separatividade.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Clarice Lispector

Eu estava viajando por ai, em outros blogs quando dei com alguém que cita esta frase de Clarice:


"Eu acredito em profundidades. E tenho medo de altura, mas não evito meus abismos: são eles que me dão a dimensão do que sou."

Meu coração se alegrou.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Deserto


Maria J Fortuna



Sabe, quando a gente acorda com a estranha sensação de estar vivendo no limbo? Aquele lugar onde a Igreja dizia (será que ainda diz?) que ficam para sempre, depois de mortos, os que não foram batizados? Tipo nem salgado, nem doce? Pois é... O tempo fica preguiçoso e se veste de Dorival Caymmi: canções dentro do peito e balanço na rede...
“Se já foraQue importa agoraRetalhar a dor, aiQue doeu outroraInfindada A vez não é nadaPassaram-se agora”
Podia ser. Mas não é. Este estado parecia não incomodá-lo, como a mim aborrece. Para ele, sesta gostosa, para mim, perda de tempo.
É tristeza branca, envolvida por nuvem acinzentada, vestindo a alma... E o colorido não é de fácil mudança, porque mal aparece... Dou graças quando surge algo que me possa sacudir, tirar-me desse estado. É parente da saudade, mas em estado passivo, de lembranças não vêm embrulhadas pela emoção. Na verdade, a alma querendo hibernar, adota o gênero: deixa pra lá, quero mais é ficar quieta... Sem, contudo, tratar-se de inércia.
Não tendo sentimentos opostos para ser conflito, assemelha-se a certo estado de tela, encoberta por filó... Sem que eu tenha o mínimo interesse para desvendar esse véu que a encobre. O que lá existe, é natureza morta, penso eu. E, mesmo com a certeza da presença de tintas e pincéis, nada me motiva a usá-los. O engraçado é que não há sensação de provisório, mas uma espécie de quase estagnação em que os movimentos se tornam pesados e lentos...
Pensou em depressão? Não, não é isso... Acontece uma vontade enorme de ficar na minha, como se diz por aí: calada, de um jeito quase meditativo, sem saber por quê. Nada tem a ver com desesperança! Nem com desespero. Talvez esta forma de manifestar-se, sem muita expressão, tem a ver com um quase sonambulismo, sem conforto dos sonhos bons. Também não trás pesadelo. Posso dizer que é escrita sem exclamação, comida insossa, instrumento musical mudo, nuvens carregadas que não se transformam em chuva... Chato, não é? Também não é crise de fé.
Lembra deserto... Tão belo em sua aridez! Mas hoje também não sinto beleza, como já disse, por causa da quase ausência da Luz.
Em seu livro Deserto, Jean Yves Leloup escreveu: “Afirma-se, às vezes que Deus se retira, que ele nos abandona; Mas não é Deus que não nos abandona; são nossas ilusões, nossas projeções. Não se perde a fé; pelo contrário, começa-se a entrar mais fundo na fé quando se perdem todas as crenças, quando se deixam de lado os apoios das nossas representações.”
Não será este estado de deserto, este limbo, alimento sem sal, nuvens cinzentas sem chuva, este meu deserto interior, a continuidade do processo de esvaziamento que estou vivendo?

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Separatividade

A unidade na multiplicidade e vice versa...







Maria J Fortuna

Este termo foi usado por Pierre Weil, fundador da UNIPAZ (Universidade da Paz), depois de uma longa reflexão sobre o que está ocorrendo em nosso planeta.
Por que nós, da espécie humana, não nos demos conta de que somos natureza e sociedade conjuntamente? Afeta-nos, diretamente, o que nos acontece numa e noutra, seja o que for.
Somos uma imensa massa de seres humanos cobertos pelo véu da ignorância e/ou ilusão da separatividade. Com as mais diversas interpretações que vão de Deus, em suas várias manifestações, ao comportamento de um verme. Tudo passa pela forma de lidar com nossas crenças e mitos, dogmas e fantasias, que fazem parte do grande arsenal hereditário desta humanidade, que engatinha, apesar dos enormes avanços tecnológicos. Mas, por outro lado, tanto o planeta como os valores sociais estão se degradando rapidamente.
Enquanto os homens lutam pelo poder, o planeta caminha a passos largos para um cataclismo total. Todos os dias, têm debates acirrados de políticos, transmitidos por emissoras de rádio e de TV, mas o mínimo não se está fazendo para melhorar a questão da poluição do meio ambiente, por exemplo. Como se a rápida deterioração do mesmo, fosse historinha que vai acontecer numa data muito distante... Para onde leva esta luta inglória pela riqueza, luxo e conforto dos que estão na liderança do País? A ponto de esquecer o ponto principal – o nosso habitat maior?
Interessante é que, aparentemente, todos querem mudança! Exigimos isto das autoridades. Cobramos dos outros, mas... E de nós mesmos? Não houve insight suficiente para sentir que necessitamos de uma rápida mudança interna? E que sem ela, nada irá melhorar?
Enquanto isto a Coréia do norte e do sul estão em pé de guerra. Alopatia vai contra homeopatia, evangélicos criticam católicos, israelitas investem contra palestinos... Tudo em vice-versa. Partidos políticos se digladiam e vizinhos do mesmo prédio se agridem. Ignoramos nosso tronco humano em comum, a presença de ONGS, que necessitam de cooperação para melhor qualidade de vida para todos. Mas a luta caquética continua, desgastando uns e outros.
Não há mais tempo para a “decoreba”, e o que se pode ensinar agora, aos que estão chegando, é que definitivamente não abracem qualquer atividade ou profissão, olhando para o próprio umbigo, porque não leva a nada... E que o bom mesmo é a escolha de um caminho que os satisfaça, a fim de que se realizem com gosto. A consequência é o bem estar de todos! Fazemos parte do mesmo tronco. Esta consciência nos leva a transdisciplinariedade , ou seja, ciência, filosofia, arte e tradições religiosas não podem mais seguir separadas. A falta de consciência dessa unidade de todas as coisas gera catástrofes na Terra em todos os sentidos.
Assistindo, hoje, ao Jornal da Globo, o Bom dia Brasil, o repórter indagou como foi a primeira reunião política com a presidenta Dilma Roussef, ao que o participante do grupo de políticos declarou que a mesma foi tensa, por causa da luta entre PT e PMDB, pelo poder. O jornalista Alexandre Garcia fala que “não há crise e sim insatisfação e disputa entre partidos”. Será que não veem a importância do trabalho de todos para todos, como o melhor caminho, e que essa dramática disputa evidencia um individualismo, para o qual não tem mais lugar no mundo? Tudo isso em busca de fama, dinheiro e poder? Estes são os verdadeiros “sem noção”, como falam por aí. Seria cômico se não fosse trágico, ver aqueles velhos, com aparência de sérios senhores de responsabilidade, fazendo birra nas reuniões do Planalto, gritando impropérios nas do Congresso e Senado. E mostrando para o mundo ridículos comportamentos histéricos. Tudo em defesa de seus interesses pessoais.
Infelizmente a educação para a separatividade está ainda de vento em popa! A nova geração, com honrosas exceções, continua a caminhar para a fragmentação do pensamento em relação ao mundo. Vamos seguir ainda muito tempo, se o planeta permitir, sem síntese. No meio de infrutíferas análises... Como páginas do baralho dispersas sobre o chão... Esperando o caminhão de lixo.
Sou pela utopia de Pierre Weil, onde a resposta para tudo isso é o Holismo, que vem do grego Holos, que singnifica TODO. Segundo ele, a esperança para a humanidade, que ainda tem alguma chance, é a Cosmovisão. Uma nova visão do que é UNO. A ação humana voltada para o TODO, é o novo paradigma. O contrário da insaciável separatividade, que tenta nos levar para um buraco cada vez mais fundo!

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Momento poético


A bailarina

Maria J Fortuna


Deu o primeiro passo
com seu andar de criança
Pensou nas camélias adormecidas
no fundo do baú

Seu coração – gira-sol respirava lembrança...
O suor se afogava em sua malha vermelha
Depois bailou num suspiro
Sua última dança

Quem sou eu

Minha foto
Sou alguem preocupado em crescer.

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