quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Desejo-lhes muita paixão!



Maria J Fortuna






Desejo a mim mesma, a meus amigos e a todos os que querem viver na acepção da palavra, muita paixão em 2012 e em todos os momentos em que algo de muito grandioso, como a escolha da profissão e/ou alguma meta dentro da mesma, possa ser realizada! Se a gente não estremecer na base, suar e chorar de emoção, sentindo o coração bater com força, voz embargada, um pouco de insônia até, na expectativa de uma realização pessoal , não viveremos a paixão que nos levará à plenitude do nosso ser! Sérgio Brito e Joãozinho Trinta foram exemplo dessa vida apaixonada que os levou a cumprir o recado da alma, a Missão de encantar!


Apaixonar-se, para mim, só pode ser por um ideal, uma causa, algo grande, muito grande e abrangente! Que justifique nossa existência e nos tome por inteiro, direcionando-nos a algo maior do que nós mesmos: a Arte, por exemplo. Ao fogo do Espírito! Arte de viver, de amar, fazendo-nos expressar, em alguns momentos, a Beleza que pode existir dentro de cada um de nós. Que se manifeste a partir dos nossos corações. Uma vez abrigando a Beleza na alma, permitir então que faça seu trabalho: Tornar-nos transparentes a seu toque, deixando que seus raios luminosos venham colorir o mundo através do sentimento de amor e esperança!


Eu lhes desejo muita paixão. Aquela que não posso dedicar a uma só pessoa, porque este sentimento é aniquilador quando o individualizamos. Sendo forte e imenso, fulmina o que é restrito, porque gosta de amplitude, de espaço maior. Desejo-lhes liberação de todo maravilhoso potencial interno, que mora em cada um de nós, independente de sexo ou cor, idade ou conformação da massa corporal. Deixar que a paixão nos conduza pelos canais que irrigam nossas melhores sementes: projetos, objetivos, metas, como nomeamos nossa missão na Terra, e que nos tornam capazes de trabalhar por um mundo melhor, menos poluído pelo lixo da corrupção, com menos fronteiras.

Desejo-lhes muita, muita paixão em 2012!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O natal de Papai Noel




Maria J Fortuna





“Este povo somente me honra com os lábios; seu coração, porém, está longe de mim” (Isaias 29,13)






Foi-se o tempo em que minha família rumava todos os anos, no Natal de Jesus, para a celebração da Missa do Galo... Era muito bom! Eu e minha irmã, de mãos dadas, seguíamos na frente do grupo; depois vinham meus dois irmãos mais velhos e, por fim, meu pai e minha mãe caminhando na estreita calçada das ruas pedregulhosas de São Luís do Maranhão. Era um dia alegre e ao mesmo tempo solene. A gente ia sempre à mesma Igreja – a de São João, onde fui batizada. Durante a Missa, meus irmãos tocavam o sino na hora da elevação da Hóstia. Eu morria de inveja! Naquele momento, queria ter nascido menino, para me dependurar nas cordas que faziam o sino badalar.

A Missa do Galo era belíssima! Toda em latim. A igreja repleta de incenso gostoso misturado ao perfume das angélicas e ao som do orgão. Tudo era mágico e maravilhoso! Eu fechava os olhos e pedia ao Menino Jesus que se tornasse meu amigo, que não ligasse para o fato de eu ser menina, que não brincava com meninos. E, exatamente por causa disso, o trataria com mais delicadeza. Enrolaria seus cachos dourados nos dedos, soprando-lhe os olhinhos para fazê-lo sorrir, e faria o possível para que dormisse coma cabecinha no meu colo. De repente, ele poderia até ser da Terra do Nunca de Peter Pan e evitaria crescer para não passar pelo que passou, mesmo que fosse pela humanidade, como diziam os adultos.

Os fiéis oravam com muito ardor. Parece que todo mundo tomava banho e vestia sua melhor roupa. Eu me lembro de um cheiro de naftalina misturada com brilhantina. Os homens guardavam seus ternos, de preferência brancos, nos guarda-roupas, esperando o grande dia! As mulheres penteavam seus cabelos com capricho. As que eram ricas usavam joias caras e vestiam-se de seda. Abanavam-se com seus leques perfumados com almíscar na hora do sermão em que o padre João parecia colocar o coração nas mãos, para dá-lo a todos que ali estavam.

Depois da Missa, vinha a fila para beijar a representação do Menino Jesus, que ficava exposto na frente do altar-mor. Para evitar que todos beijassem o mesmo lugar da imagem, a gente osculava as fitas coloridas que pareciam brotar das palhinhas do presépio.

Já em casa, ceávamos uvas, passas, nozes, castanhas, maçãs e peru recheado com farofa. Era o maior banquete do ano! Na sobremesa, fatia parida. O que aqui no sudeste chama-se rabanada. São feitas com fatias de pão dormido, embebidas no leite frio, ligeiramente, de um lado ede outro, que escorridas numa peneira, são mergulhadas nos ovos batidos, clara e gema, e levadas para fritar em óleo quente. Depois são passadas no acúcar, misturado com canela.

Depois as crianças abriam os presentes. Só os pequenos ganhavam. Ficávamos ansiosos para saber o que Papai Noel havia nos deixado. A imagem dele era vista em livros de estórias infantis. Eu queria um bebê fofinho, mas só ganhava boneca de cachos louros ou trancinhas.

Lá em casa não tinha árvore, mas havia o presépio que encantava a gente! Passávamos o ano todo guardando pequeninos carneiros, vacas e bois de brinquedo, pastores e anjos, para compor o presépio no dia de Natal. Apanhávamos areia branquinha da praia para forrar o chão da estribaria, onde Jesus foi colocado após seu nascimento. Nós, meninas da casa, cuidávamos do presépio, mas eu tinha um primo que guardava esses apetrechos numa caixa de MODESS. E nós crianças, não sabíamos por que todo adulto que nos aparecia olhava a caixa do meu primo com uma cara meio estranha, com um meio sorriso sem graça.

Mais tarde, a gente pedia benção aos pais e ia dormir. A festa era tal qual o Aniversariante – simples, despojada de luxo.

Quando vejo hoje em dia a descaracterização do Natal, transformado em festa de Papai Noel, dá-me dor no coração... O evento está desfigurado... Pelo que vejo nos jornais da TV, os países do ocidente esbanjam figuras monumentais! Grandes árvores, vitrines enfeitadas, papais noéis gigantescos e um enorme consumo de bebida, comida, e presentes, muito deles caros, enquanto a miséria grassa num submundo, abaixo da linha da pobreza. Quanto maior a festa, mais o esquecimento do Natal de Jesus, que toda vida foi simples e humilde decoração. Então Papai Noel é celebrado em vez Dele. Dizem até que a festa vai ser transformada numa espécie de Dia de Ação de Graças dos Estados Unidos, ou seja, não vai ter mais Jesus como centro.

Pouco importa se 25 de dezembro foi ou não o dia em que Jesus nasceu, ou reacender a velha discussão de outras tradições religiosas, acerca da Sua divindade. Pouco importa os que querem transformar o evento numa festa apenas de encontro fraternal entre as pessoas. Menos mal... Mas nós, cristãos, deixemos de lado tanta extravagância! Resgatemos o natal de Jesus, pois há que sentir intensamente seu verdadeiro Espírito. O mundo está precisando deste reconhecimento. Afinal " Ele veio para o que era seu, mas os seus não O receberam.” João 1:11

Esqueçamos o consumismo de Noel e tratemos de receber o Menino, restituindo o verdadeiro significado da festa e lembrar a todos de quem é o aniversário. Assim, como fazíamos antigamente...

Que saudades do Natal de minha infância!

sábado, 17 de dezembro de 2011

Fernando Bryce















"Por meio de um desenho com forte influência das tiras cômicas do início do século 20, Bryce reproduz desde material de arquivo, como documentos de governo, até folhetos turísticos, enfatizando como os fatos são construídos, como a história é contada e como a cultura é descrita.O tema essencial do trabalho do artista é a representação. Transcrevendo a 'história oficial' e dando-lhe uma forma visual, opera uma "transposição do reino dos fatos para o reino da arte", como ele define."

Eva Kotatkova








Presente na bienal de Lyon, e sua preocupação com o aprendizado.

Fernando Bryce e a crônica de uma memória coletiva











O peruano Fernando Bryce, com a crônica de uma memória coletiva, um trabalho extraordinário sobre a vertiginosa passagem do tempo e de fatos que se acumulam em jornais, e a tcheca Eva Kotatkova, que em obras terrivelmente perturbadoras critica a formatação de cérebros pela escola. Grandes descobertas. (Comentário de Leneida Duarte-Plon)

A luta da semente





Maria J Fortuna

Eu olhava para a terra e ficava preocupada com as sementes que brotavam, mas morriam antes de ver o sol. Pequenas mudas recém-nascidas, que mínguam quando embaladas por fortes ventos, desaguadas, a mercê do sol quente, sem desabrochar como planta. Daquelas que advêm de terrenos secos e minoram antes de ensaiar o primeiro suspiro fora da terra. Era isso que me amedrontava, quando eu trabalhava com as crianças desnutridas. Brotar no útero, ter que nascer para se alimentar, saciar a sede, semear outras sementes e cumprir o ciclo da vida é uma tarefa quase impossível para eles! Muitos daqueles seres são gerados no ódio, mãe passiva, pai bêbedo e agressivo. Eu ouvia relatos... Outros não tem o que comer, muito menos comprar um preservativo na farmácia, para não fazer semear frutos fora da estação das vacas gordas, que nunca chega.
- Este aí é fruto da camisinha furada! Apontavam para a criança, que contemplava a mãe, sem saber por que dizia aquilo.
Uma vez nascido, a luta para sobreviver. A falta de alimento depois que o peito secou, como a seiva para a pequena muda. O buraco negro onde estaria a consciência de quem semeou sem preparar a terra. Ausência de família, onde a semente brotada se sinta pertinente; carência de projeto das grandes firmas e de bancos para acudir os pequeninos; indiferença da sociedade e dos países mais desenvolvidos para com quem necessita de tudo, enfim. Afinal há um bilhão de pessoas, que vivem no limite da sobrevivência, com apenas um dólar ao dia. E há 2,6 bilhões (40% da humanidade) que vivem com menos de dois dólares diários.
Mas a planta nasceu e está crescendo, apesar de tudo! Deu o sim à vida, disposta a cumprir seu papel no mundo. Mesmo esbarrando nos trovões da insanidade. De medo, veste a dura casca da autoproteção. A borboleta morre num casulo, que não a deixa nascer. Assim, abrolha a incapacidade total de se relacionar com os seres,que habitam o mesmo espaço. Por que? Por causa das tempestades da violência, dos alagamentos da corrupção que assola o solo, e ainda tem que sobreviver aos terremotos da ignorância que, conforme o grau de intensidade, provocam desabamento de sonhos e ideais, que poderiam ser realizados.
Mas a planta não esquece sua energia de semente, que veio de um ser que também foi semente, e daí por diante. Voltando para seu núcleo, descobre que tem força vital e que ela não é qualquer germe, mas um ser que, favorecido por alguém ou alguma circunstância, brota, cresce e dá frutos, apesar de tudo. Aí começa a luta pela sobrevivência, temperada por uma virtude que nem Deus tem - a esperança!


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

No Retiro das Pedras...









Maria J Fortuna
















Foto da Galeria de Claudio Greco



Outro dia, eu estava em clima de lembranças. Então, evoquei os dias ensolarados e brumosos passados no Retiro das Pedras. Onde fica esse lugar? Próximo à Belo Horizonte, em Minas Gerais, num condomínio fechado, onde morei no tempo em que o Brasil não conseguia respirar.

O verão por aquelas paragens trazia um sol convidativo aos banhos de cachoeira, onde jovens corpos nus mergulhavam no lago, aparando nos ombros as duchas refrescantes da queda d´água. No inverno, dias de neblina, sentia o ar puro penetrando-me as narinas como fumaça gelada. Dias nostálgicos com a bruma característica dos momentos frios e solitários que, com certeza, contribuíram para alavancar o processo de redescoberta de mim mesma. Eu estava tão enfumaçada quanto aqueles dias de inverno, quando o país sufocava com a ditadura dos anos 60.

Naquela época, o Retiro, como o nome mesmo diz, era um espaço sagrado como refúgio e propicio à reflexão. Eu ficava horas sentada numa pedra, no alto da montanha, sentindo o vento cortante da região esfriando-me o rosto, suspirando pela primavera. Aqueles momentos eram de paz. Fechando os olhos, ouvia a sinfonia dos ventos. Mergulhava na meditação que me fazia esquecer, por alguns instantes, a agonia daqueles tempos, embora o murmúrio do vento me dissesse das dores dos que sofriam, injustamente, nos cárceres deste imenso país pelo ideal de liberdade. Às vezes, dava um aperto no coração e eu chorava. As lágrimas eram condensadas com a bruma, misturando-se a ela. Quando abria os olhos, ali diante de mim estava uma das mais belas paisagens que eu tive oportunidade de contemplar! Mas eu estava fragilizada e, apesar da beleza do vale, cercado de íngremes pedras pontiagudas, eu via, no meio daquele mar de bonanças, formas ameaçadoras, que depois de alguns segundos, iam se harmonizando diante do meu olhar cansado. Isso porque o contorno das pedras pontiagudas em série fazia-me parecer que as montanhas enfeitadas por grandes escamas de pedras, em seus contornos, eram gigantes petrificados, vestidos de marrom e cinza.

Enquanto lá fora, na Capital, o clima de desconfiança crescia, ironicamente foi no Retiro que amei e me deixei amar num clima de verdadeira confiança! Isso foi durante uma série de vivências na comunidade espiritual que se formou espontaneamente, por seleção natural. Muitas vezes, nosso grupo se reunia na casa de um Mestre de yoga e ali discutíamos ideias e falávamos do insólito. Tomávamos sopa quentinha naquela pequena casa de alvenaria, enfeitada por trepadeiras floridas. Em dias de chuva, a conversa prolongava-se até tarde da noite. Então, havia chá com bolinho de soja. Tudo ao som de alguma música indiana, sentindo não só o perfume de incenso, mas também da verdadeira amizade. Algumas vezes, íamos a um concerto num pequeno teatro que um arquiteto construiu anexo a sua casa. Havia também um castelo medieval onde as crianças brincavam de reis e rainhas, concretização do sonho de uma senhora chamada Berenice. Por todo canto, brotavam lírios brancos e amarelos, assim como hortênsias e girassóis. Foi lá que conheci miosótis, uma delicada flor azul que tanto me encantou. Era comum ver árvores frutíferas naquela vegetação de cerrado e muitos pinheiros, cães de olhos bondosos, corujas escondidas nos galhos mais altos e pássaros cantores.Havia encanto no ar e magia nas noites estreladas, banhadas pelas canções de seresta como só em Minas existe. Muito adulto jurava que via fadinhas ou duendes brincando de ser criança. O clima era de encanto mesmo quando o coração estava triste. O silêncio era perfeito!

Um dia tive que sair do Retiro das Pedras. A despedida foi um baile à fantasia. Um casal que não pode ir à festa, ofereceu-me um jantar, do qual nunca mais esquecerei! Foi à luz das velas naquela casa que tinha cheiro de jasmim. Pequenas luzes tremulantes ocupavam cada degrau da escada que nos levava à sala de estar, onde pratos típicos alemães, alguns fumegantes, descansavam na pesada mesa de madeira cheirosa. Coloridas garrafas de vinho branco refletiam o lilás dos vasos de violetas. Na enorme janela de vidro transparente, avistava-se, além das montanhas, o vale e a lua, que derramava seu luminoso charme por toda paisagem! Ouvimos as mais inspiradoras músicas de Bach e alguns trechos do Parsifal de Wagner.

Num clima de lembranças, descubro o relicário que abrigo no coração e que me pulsa n´alma! O Retiro das Pedras os seus personagens com quem ali convivi me estão sempre presentes aos olhos da memória e desperto essas recordações quando a vida me faz caretas e os fantasmas de mau agouro aparecem. Então viajo para lá, onde quer que eu esteja!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Presente de Natal





O Natal vem aí! Deixe o Anjinho Tico acontecer em sua casa!


















ISBN: 8571601259
Autor(es): Maria de Jesus Fortuna Lima
Ilustrador(es):
Dimensões: 14 x 21 cm - NºPág.: 40
Preço: R$20.00


O anjinho Tico apaixonou-se pela vida na terra e queria virar gente. Antes disso, po-rém, ele faria uma viagem de “reconhecimento” do planeta e das gentes pra confirmar mesmo se queria virar humano. Por isso, Tico fez amizade com criança e gente grande, mas também bichos e plantas. Diálogos inteligentes e saborosos, de grande leveza como só uma história de anjo pode ter.


Pedidos para

Notícias das artes na França por Leneide Duarte - Plon










"Na Bienal de Lyon, brilham os brasileiros Cildo Meireles, que ocupa todo um andar do Musée d’Art Contemporain com uma obra incrível (FOTOS) chamada « La Bruja », feita de milhares de metros fios de lã preta. No pavilhão chamado Sucrière, uma sala especial homenageia Arthur Bispo do Rosário com diversas obras e é a única sala onde não se pode fazer fotos. Os poemas de Augusto de Campos (FOTO) estão salpicados em diversas paredes da Sucrière. A brasileira Daniela Thomas também está presente na Bienal com a mise en scène de uma obra de Beckett, « Breath ». "

A casa




Maria J Fortuna

Talvez as portas daquela casa nunca tivessem trancas. Sei que várias pessoas passaram por ela, meio que indiferentes. Talvez a pintura externa não agradasse ou a arquitetura deixasse a desejar. Mas, logo após sua construção, abrigou muita gente! Muitos estiveram por ali e a casa foi lar de muitas esperanças. Tanto é que, quando novinha, as pessoas só entravam, quase não saíam. E a casa era feliz com aquela gente se remexendo dentro dela. Era comum trazerem flores para enfeitá-la. Escancarava suas portas o mais que podia e dava boas vindas a todos! Um dia foi assim.
Tempos depois, deu-se conta de que as flores trazidas por aquelas pessoas, nem sempre eram belas e perfumadas. Em pouco tempo eram jogadas no lixo. Então, o jarro que ornamentava a sala, ficava, muitas vezes, vazio. Deu-se conta, também, que espinhos costumam durar bem mais que flores, apesar de fazerem parte delas. Foi aí que resolveu se proteger. Deixar a porta meio que trancada. Um sentimento novo e incômodo deu inicio à questão: colocar ou não grades na porta e janelas. Resolveu que não. Não sem antes conhecer o seu verdadeiro dono. Aquele que a havia planejado com tanta exatidão de cálculos. Aquele que havia se inspirado para dar-lhe aquela forma, tão universal, e havia soprado nela.
Passaram-se os anos com tempo bom e algumas tempestades. A casa não era muito forte na construção, mas, de vez em quando, uma faísca de relâmpago caia lá fora e lhe causava tremores. Talvez os chamados terremotos. Com isso trincou algumas paredes. Mas a voz do trovão não a amedrontava. Pois estava acostumada com estranhos rumores... Dentro dela. Notou que, depois de uma festa, pessoas deixam más e boas lembranças e que isso acontece sempre quando muita gente se reúne, principalmente em bailes de máscaras.
Até hoje há gente que não respeita o silêncio que reina em seus corredores. Apesar de tudo é tão necessário que reine a harmonia nos diversos cômodos, para que possa ser chamada de morada. Mas há gente barulhenta, que nem pede licença para penetrar em seus espaços. Algumas molham o jardim, outras deixam as plantas com sede e a casa toda se sente seca. Mas há presenças que não incomodam e até acendem suas luzes quando chega a noite, tal como vagalumes amorosos! Vez por outra afagam suas paredes, acomodando-se confiantes, nas poltronas macias da sala. E além de lavar, carinhosamente, chão e paredes, ainda exalam seu perfume por toda a morada, que fica com cheiro de lar de si mesma. Para essas, a velha casa deixa-se visitar alegremente. Oferece os cômodos mais íntimos! Permite que lavem suas almas, muitas vezes cansadas, com água fresca, saída de bicas que parecem nunca estancar. Permite a abertura das janelas, para que os raios do sol as aqueçam no calor do afeto. Convida-as a deitarem-se nos confortáveis leitos de seus quartos, que são testemunhas mudas dos amores mais tórridos, dos momentos mais frescos e das lágrimas mais quentes, e tudo mais.
A maioria das presenças deixa ali algo que pode ser guardado no sótão ou no porão, que são muito escuros, cheios de lembranças em seus diversos baús. Ambos muito solitários... O sótão é pouco visitado, porque não interessa muito à maioria das pessoas esforço e risco de subir pela escada, para desvendar por lá coisas desconhecidas, que a casa oculta até de si mesma. Mas quem ousa fazê-lo vê, na transparência do teto, as estrelas, logo que a noite chega.
Há, porém ali um lugar especial, onde de tempos em tempos uma nobre dama, fora do tempo, encontra seu Amado. Este cômodo fica no centro da casa. Os sufis os reconhecem muito bem. Apesar das vestes diferentes, em repetidas ocasiões, são sempre os mesmos. Sentam-se para sorver o vinho mais precioso em cerimônia nupcial. Aí a casa se ilumina, as flores e folhas mortas ressuscitam, as cortinas voam e uma música sublime veste suas notas musicais mais translúcidas, envolvendo-a num amoroso abraço.
Depois disso, já cansada de tanto esperar pelo proprietário, a casa resolveu despejar pessoas e sentimento intrusos e ficar sozinha por um bom tempo. E esvaziou-se completamente.
Depois de várias noites de insônia, fez uma descoberta: a de que é hospede e proprietária de si mesma. E que não adianta esperar por ninguém para tomar posse dela própria. Assim, após esse reconhecimento e com os devidos cuidados, poderia abrir-se para os outros. Na verdade não é uma grande mansão, mas é a parte mais nobre do ser: o coração humano.

Quem sou eu

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Sou alguem preocupado em crescer.

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