sábado, 17 de dezembro de 2011

A luta da semente





Maria J Fortuna

Eu olhava para a terra e ficava preocupada com as sementes que brotavam, mas morriam antes de ver o sol. Pequenas mudas recém-nascidas, que mínguam quando embaladas por fortes ventos, desaguadas, a mercê do sol quente, sem desabrochar como planta. Daquelas que advêm de terrenos secos e minoram antes de ensaiar o primeiro suspiro fora da terra. Era isso que me amedrontava, quando eu trabalhava com as crianças desnutridas. Brotar no útero, ter que nascer para se alimentar, saciar a sede, semear outras sementes e cumprir o ciclo da vida é uma tarefa quase impossível para eles! Muitos daqueles seres são gerados no ódio, mãe passiva, pai bêbedo e agressivo. Eu ouvia relatos... Outros não tem o que comer, muito menos comprar um preservativo na farmácia, para não fazer semear frutos fora da estação das vacas gordas, que nunca chega.
- Este aí é fruto da camisinha furada! Apontavam para a criança, que contemplava a mãe, sem saber por que dizia aquilo.
Uma vez nascido, a luta para sobreviver. A falta de alimento depois que o peito secou, como a seiva para a pequena muda. O buraco negro onde estaria a consciência de quem semeou sem preparar a terra. Ausência de família, onde a semente brotada se sinta pertinente; carência de projeto das grandes firmas e de bancos para acudir os pequeninos; indiferença da sociedade e dos países mais desenvolvidos para com quem necessita de tudo, enfim. Afinal há um bilhão de pessoas, que vivem no limite da sobrevivência, com apenas um dólar ao dia. E há 2,6 bilhões (40% da humanidade) que vivem com menos de dois dólares diários.
Mas a planta nasceu e está crescendo, apesar de tudo! Deu o sim à vida, disposta a cumprir seu papel no mundo. Mesmo esbarrando nos trovões da insanidade. De medo, veste a dura casca da autoproteção. A borboleta morre num casulo, que não a deixa nascer. Assim, abrolha a incapacidade total de se relacionar com os seres,que habitam o mesmo espaço. Por que? Por causa das tempestades da violência, dos alagamentos da corrupção que assola o solo, e ainda tem que sobreviver aos terremotos da ignorância que, conforme o grau de intensidade, provocam desabamento de sonhos e ideais, que poderiam ser realizados.
Mas a planta não esquece sua energia de semente, que veio de um ser que também foi semente, e daí por diante. Voltando para seu núcleo, descobre que tem força vital e que ela não é qualquer germe, mas um ser que, favorecido por alguém ou alguma circunstância, brota, cresce e dá frutos, apesar de tudo. Aí começa a luta pela sobrevivência, temperada por uma virtude que nem Deus tem - a esperança!


2 comentários:

Amo Poetar disse...

Cresce e dá frutos, apesar de tudo. Aí começa a luta pela sobrevivência, temperada por uma virtude que nem Deus tem - a esperança!
Amiga querida.
A vida parece que tem uma espontanea energia ligada só a quem a quer, quantos homens importantes vencem esta barreira e são exemplos de vida. Obrigada mariinha querida, por este chamamento e alerta para amarmos a nossa vida, bjs, monica

norália disse...

Mariinha,
enquanto houver corações assim como o seu, o mundo brotará da Esperança, pois a Força Vital é generosa também.
Belo e rico texto.
Felicidades,
Norália

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