domingo, 26 de julho de 2009

O homem que não veio...



Maria J Fortuna

Faltavam três anos para seus oitenta anos... Durante seu aparentemente longo período de vida, tal como a descoberta de pérola dentro da ostra, reconheceu a si mesma, em repetidos dias e noites de lucidez em sonhos recorrentes, mas que tinha consciência de que, àquelas alturas, não serviam para mais nada. Era alto o preço de não mentir para si mesma. Com isso abriu mão de ser juíz dos outros. Estava quase que completamente tranquila em sua loucura. Aprendeu a ter paciência com as ranzinzices do companheiro e seus roncos noturnos, com as queixas da filha e os rebuliços dos netos. Reconheceu, entre outras coisas, que seus limites não permitiram que ousasse mais do que havia feito ao procurar o amor. Mas uma coisa que despertava sua impaciência eram pensamentos intrusos, invasores, atrevidos de que, tal qual vento volúvel, erguiam o lençol que cobria sua ferida maior ao sopro de suas lembranças. Quase oitenta anos e seu homem não tinha vindo. Certamente não era aquele que reclamava de tudo durante o almoço e cutucava seu corpo para que o satisfizesse no sexo em longos anos de convivência. Nunca nenhum filho havia desconfiado que as constantes lágrimas que se remexiam, presas a seus olhos, não eram das dores da idade, mas do cansaço daquela espera. Para quem iria contar que seu maior sofrimento era porque seu homem não tinha vindo? Seria até ridículo na sua idade... Mas era verdade. Por causa disto resolvera frequentar um centro espírita. Lá havia esperança de que, na próxima encarnação, o encontraria. Esta era a grande esperança! Não podia ser católica ou protestante. Morreria sem oportunidade de estar fisicamente com ele.
Quanta vez, pré-adolescente, ficava às espreitas olhando pela fresta da porta para ver se o reconhecia em algum amigo do pai ou irmão. Onde estaria seu homem? De repente, ele poderia surgir na esquina da rua, quando saía, despretensiosa, para fazer alguma compra ou ir ao cinema. Poderia estar numa festa de quinze anos, num batizado ou até num velório. O mais angustiante é que ele existia dentro dela, mas não se deixava mostrar. Não acontecia, mas ficava ali oculto, amornando seus sonhos... Mas ela certamente o reconheceria pelos olhos, poços brilhantes, negros ou coloridos, que deixavam a alma exposta. Mas só para aqueles que sabem decifrar seus segredos. Como seria ele fisicamente? Não precisava vir de armadura, montado num cavalo branco como o Parcifal de Wagner. Nem com a beleza de Alan Delon. Mas ela agradeceria se fosse um pouco parecido com Charlton Heston. Na realidade , poderia ser o que fosse: branco, preto, marrom, menos amarelo, porque os olhos seriam muito apertados e ela não teria chance de constatar se seria ele mesmo, o homem com quem caminhasse de mãos dadas e pudesse confiar tanto que acabasse por despertar a verdadeira mulher . Essa mulher escondida dentro dela, que a fazia reclamar seu homem. A bendita ou maldita não a deixava em paz, mesmo perto dos oitenta anos... Havia apenas um consolo: dentro dela, escondido, feito pistilo de lírio, ele nunca haveria de abandoná-la.




Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado pelo comentário que deixaste no meu blog, meio abandonado, mas que talvez lá para Setembro se encha novamente de vida.
Fátima tem uma espiritualidade fora de comum, mas como disse na altura, será de tanta reza, de tanta promessa paga, de tanto pedido, de tanto sofrimento
Hoje em dia, nada do que os 'ministros de Deus' lá fazem contribui para esse misticismo.

Claro que é só a minha opinião.
beijo para você e fique bem

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