sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O cisma


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O impossível, obra de Maria Martins

                                                                       Maria J Fortuna



Pela vivência, tenho certeza de que o coração humano não tem sido preparado para o amor. Mas perdeu-se no mundo das paixões, também  necessárias à nossa sobrevivência humana.  Talvez a maioria não concorde, mas sinto, na convivência comigo mesma e com o mundo, que são raros os de nós que foram gerados e paridos  e criados na fluidez do amor. E caso tenham sido, para muitos, esse alimento indispensável para nosso crescimento, algum dia se perdeu.  Por isso não o reconhecemos quando ele chega, sutilmente, mostrando flores e espargindo perfume, insinuando dias felizes.  
Nascemos, em esmagadora maioria, de toda uma ascendência mal amada, de uma geração não suprida em suas carências afetivas, e a árvore genealógica pode estar cheia de cupins e parasitas. Salvo um galho ou outro que conseguiu alimentar-se de uma seiva mais sadia vinda de alguma veia especial da árvore, a partir de alguma raiz bendita. As raízes são nossos antepassados que por sua vez talvez tenham se perdido do amor pelos caminhos das borboletas...  
 No entanto estamos aqui e dizemos sim à vida, apesar de tudo. Talvez possamos chamar de amor à tentativa de sobrevivência própria e da família, que vai se reproduzindo conforme o instinto ou desejo de perpetuação da espécie.  Acredito que o primeiro homem nasceu desse puro amor de que tanta nostalgia temos. E que toda a humanidade sofre a partir da sua ruptura. Esse drama ocorrido há muitos séculos, continua acontecendo no interior do coração humano. Cada um tem sua ruptura primordial! Aquela que nos deixa assustados e confusos, indefesos e, sobretudo com tanto medo, que acabamos não reconhecendo ou negando a presença do amor quando chega. Às vezes por pouco tempo. Um olhar, um batimento cardíaco mais acelerado, um suspiro... Mas a gente nega as evidências.  Se o amor insiste, fica como um inquilino desajustado, inquieto, até pular fora na primeira ordem que lhe damos de despejo, porque não combina com a forma que adotamos para a nossa vida, de querer controlar, possuir e defendendo-nos dele. É como apagar a luz do coração. Isso me lembra dos girassóis, que se entregam à luz solar que energiza suas sementes, garantindo sua descendência no calor amoroso do Criador. Quem nos dera sermos  como girassóis!
 O amor não compra e muito menos paga aluguel em nossos corações.  Sua hospedagem tem que ser gratuita. Estamos tão acostumados a pagar nessa sociedade capitalista que até para o afeto damos preço ou somos cobrados. Hoje a gente paga para ser bem tratado.
Tudo é tão misterioso...  Por que o amor bate em retirada deixando a humanidade na escuridão? Esta semana, no Egito morreram mais de quinhentas pessoas numa praça de guerra! E a antiga ditadura está renascendo por lá, prenunciando mais tempos de trevas.    A ausência deste sentimento gera e cria o preconceito que aparta, divide, diminui o ser humano. Então o substituímos pela paixão, que nos deixa tão confusos...  Em nome dela, quantos arroubos estimulam nossos impulsos instintivos?
 Seria consequência do pecado original o rompimento com o simples, o espontâneo, com a dádiva inocente que nos acolhe em dias felizes?  Mas que pecado é esse que nos afasta do amor, transformando seu suave e repousante rosa pelo agressivo vermelho da paixão?   Quem nos traiu? Qual foi a mentira original que rompeu nosso sentimento de confiança quando ainda éramos crianças? Quem nos privou do amor próprio que nos prepara para a dança com outros amores?
Em nossa dificuldade com o amor há que insistir na pergunta: - Como e quando isso aconteceu?  Qual foi a data do cisma,  que nos deixou no desamparo? Por que negamos o amor e nos entregamos à paixão que de positivo tem o lançar à ação, mas muitas vezes nos deixa tão sofridos? Quando e como ocorreu esse terrível acidente?  Mas, porque vestir o coração de luto, se o amor continua vivo e bate em nossa porta várias vezes durante a vida?

 

Um comentário:

MJFortuna disse...


Cláudia Grillo curtiram isso..

Maria Cláudia Grillo Maria, olha o que o Mia Couto escreveu: 'Talvez o amor,
neste tempo, seja ainda cedo'. Pra refletirmos...Bjs.

há 15 minutos ·

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