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Maria J Fortuna
Pela vivência, tenho certeza de que o coração
humano não tem sido preparado para o amor. Mas perdeu-se no mundo das paixões, também
necessárias à nossa sobrevivência
humana. Talvez a maioria não concorde,
mas sinto, na convivência comigo mesma e com o mundo, que são raros os de nós
que foram gerados e paridos e criados na fluidez do amor. E caso tenham sido, para muitos, esse
alimento indispensável para nosso crescimento, algum dia se perdeu. Por
isso não o reconhecemos quando ele chega, sutilmente, mostrando flores e espargindo
perfume, insinuando dias felizes.
Nascemos, em esmagadora maioria, de toda uma
ascendência mal amada, de uma geração não suprida em suas carências afetivas, e
a árvore genealógica pode estar cheia de cupins e parasitas. Salvo um galho ou
outro que conseguiu alimentar-se de uma seiva mais sadia vinda de alguma veia
especial da árvore, a partir de alguma raiz bendita. As raízes são nossos
antepassados que por sua vez talvez tenham se perdido do amor pelos caminhos
das borboletas...
No entanto estamos aqui e dizemos sim à vida,
apesar de tudo. Talvez possamos chamar de amor à tentativa de sobrevivência
própria e da família, que vai se reproduzindo conforme o instinto ou desejo de
perpetuação da espécie. Acredito que o primeiro homem nasceu desse puro
amor de que tanta nostalgia temos. E que toda a humanidade sofre a partir da
sua ruptura. Esse drama ocorrido há muitos séculos, continua acontecendo no
interior do coração humano. Cada um tem sua ruptura primordial! Aquela que nos
deixa assustados e confusos, indefesos e, sobretudo com tanto medo, que
acabamos não reconhecendo ou negando a presença do amor quando chega. Às vezes
por pouco tempo. Um olhar, um batimento cardíaco mais acelerado, um suspiro...
Mas a gente nega as evidências. Se o amor insiste, fica como um inquilino
desajustado, inquieto, até pular fora na primeira ordem que lhe damos de
despejo, porque não combina com a forma que adotamos para a nossa vida, de
querer controlar, possuir e defendendo-nos dele. É como apagar a luz do coração.
Isso me lembra dos girassóis, que se entregam à luz solar que energiza suas
sementes, garantindo sua descendência no calor amoroso do Criador. Quem nos
dera sermos como girassóis!
O amor não compra e muito menos paga aluguel em
nossos corações. Sua hospedagem tem que
ser gratuita. Estamos tão acostumados a pagar nessa sociedade capitalista que
até para o afeto damos preço ou somos cobrados. Hoje a gente paga para ser bem
tratado.
Tudo é tão misterioso... Por que o amor bate
em retirada deixando a humanidade na escuridão? Esta semana, no Egito morreram
mais de quinhentas pessoas numa praça de guerra! E a antiga ditadura está renascendo
por lá, prenunciando mais tempos de trevas. A ausência deste sentimento gera e cria o preconceito que aparta,
divide, diminui o ser humano. Então o substituímos pela paixão, que nos deixa
tão confusos... Em nome dela, quantos
arroubos estimulam nossos impulsos instintivos?
Seria consequência do pecado
original o rompimento com o simples, o espontâneo, com a dádiva inocente que
nos acolhe em dias felizes? Mas que pecado é esse que nos afasta do amor,
transformando seu suave e repousante rosa pelo agressivo vermelho da paixão?
Quem nos traiu? Qual foi a mentira original que rompeu nosso
sentimento de confiança quando ainda éramos crianças? Quem nos privou do amor próprio
que nos prepara para a dança com outros amores?
Em nossa dificuldade com o amor há que insistir na
pergunta: - Como e quando isso aconteceu? Qual foi a data do cisma, que nos deixou no desamparo? Por que negamos o
amor e nos entregamos à paixão que de positivo tem o lançar à ação, mas muitas
vezes nos deixa tão sofridos? Quando e como ocorreu esse terrível acidente?
Mas, porque vestir o coração de luto, se o amor continua vivo e bate em nossa
porta várias vezes durante a vida?
Um comentário:
Cláudia Grillo curtiram isso..
Maria Cláudia Grillo Maria, olha o que o Mia Couto escreveu: 'Talvez o amor,
neste tempo, seja ainda cedo'. Pra refletirmos...Bjs.
há 15 minutos ·
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