terça-feira, 18 de março de 2014

Esperança








"A esperança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha Esperança,
Rola mais que o meu desejo."
Fernando Pessoa




Maria J Fortuna
 
Aquele par de olhos acinzentados indagava a si mesmo:  por que tenho eu que sufocar por tanto tempo esta ternura?  Por que para mim é tão difícil cair nos braços do amor?  O que posso fazer no sentido de abrir as pétalas do coração para regá-las nessa luz divina?  O que pode ser mais humano que o erro e os impulsos da paixão, que voam como colcha de retalhos ao vento, sem direção certa?  Onde pousar as contas peroladas do rosário das pequeninas manifestações amorosas? Assim foi, assim continuou sendo desde que ela era pequenina, quando em conversa com os gafanhotos que pulavam aqui e ali na grama do Jardim de Infância. Perguntava  a si mesma quantos deles moravam naquela relva fresca ou árida dos dias sem chuva, sem que fossem caçados pelos dedos ansiosos das crianças menores da Escola.    Sua maneira de colher as verdades do mundo doía sempre dentro dela como a primeira manifestação de uma ternura não compartilhada. E assim foi crescendo quase que silenciosamente, vivendo sob o olhar curioso dos pais, irmãos, primos e colegas de colégio. A eles não tinha jeito de não se revelar. Por causa da convivência. Ganhou então o nome de “Estranha”...       
Contudo,  ela tinha esperança!

Seu mundo não era absolutamente igual ao das outras pessoas no sentido de dar importância aos fatos da vida. Não havia nada tão claro aos seus olhos que a morte. Ainda muito menina,  dizia a si mesma: “ Se tudo acaba,  por que dar importância as tristezas da vida? Não compreendia a briga dos adultos nem as misérias do mundo. Sentia que os fatos morriam muito depressa para se ter ressentimentos no coração. Bobagem, dizia.
Com isso, ela tinha esperança!

Seu avô  ensinou-lhe que as nuvens se desmancham para formar várias figuras, e que não existia nada  definitivo na mutação trazida pelas asas do tempo.   Haja vista que, do contorno de um urso, símbolo da robustez e força, passa lentamente a uma ave como o beija-flor, que de tão leve nem se vê bem as cores de suas asas em movimento á procura do néctar das flores.  Parece que era fácil sentir a vida assim em seu pulsar eterno espalhado pelo Cosmos, mas essa sutileza era pesada para seu coração que só gostava de  conviver com a voz do que se transforma. E um dia ela iria se transformar em anjo.

Por isso ela tinha esperança!

Por aí já se vê que essa menina não estava nem aí para as confusões do mundo, mesmo sem ser autista. Na verdade, ela era uma pequena filósofa que guardava dentro de si tesouros impensados pelo mundo adulto.  Era como ostra, que traz dentro de si a beleza exuberante da pérola oculta, deflagrada por uma doença estranha  que se espalhou no fundo do seu oceano interior.  

Ela se chama Maria , como tantas Marias que andam pelo mundo. E que passam a sensação de que nascer, crescer e morrer são as coisas mais comuns e banais da vida. Até um pouco tediosa, quando sua ternura se esconde, mesmo sabendo que os braços do amor nunca se fecham.

E  continua a ter esperança...

4 comentários:

MJFortuna disse...



09:15 (Há 23 minutos)


É isso aí, querida poeta. Você e Manoel Bandeira (COTOVIA) recitando a ESPERANÇA.

“ Voei ao Recife, e dos longes,

Das distâncias, aonde alcança

Só a asa da cotovia,

- do mais remoto e perempto

Dos teus dias de criança

Te trouxe a extinta esperança.

Trouxe a perdida alegria”.

LUKHER disse...

Maria gosto das crônicas que escreve e dos quadros que pinta,
Espero , breve, poder estar pintando e escrevendo melhor!
Assim , me torno alguém melhor.
Beijos Lucia Herrera-lucciaher

LenaLyrio disse...

Lindo...Muito lindo...Talvez o que falte agora é a esperança. A fé sem a esperança talvez não mova montanhas.... Mas eu creio nÉle.

LenaLyrio disse...

Lindo...Muito lindo...Talvez o que falte agora é a esperança. A fé sem a esperança talvez não mova montanhas.... Mas eu creio nÉle.

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