Desenho de Anilton Prêto
Maria J Fortuna
Talvez nem tenha sido ele que, entre as cobertas, tenha vivido com tanta intensidade aquele momento com paixão transbordante. Parecia outro homem! Nunca dantes havia sentido tal fusão entre o corpo e a alma, como no encontro do rio com o amar, do sol com chuva. Água se entranhando pelo solo adentro, matando totalmente o desejo, a sede de muito tempo.
Não podia imaginar que ela, sua companheira de folguedos, havia desatado os nós da alma e deixasse gozo escapar pela boca de amora. Lembrava dos dois, meninos, escapulindo pela cerca do quintal, colhendo urucum para pintar o rosto de chamas vermelhas, brincando de guerreiro que salva a mocinha. No rompante de alegria ela se desnudava inocente, atirando-se nas águas encrespada do rio Mearim. Não havia sequer sinal de puberdade em seus corpos. Todos aqueles anos , lembrava, haviam sido soterrados, docemente, pelas areias dos lençóis maranhenses. Agora ela era a Mãe D Água, cantada pelas tias em noite de tempestade. Mas não tinha nada de peixe. Era totalmente gente e, melhor do que tudo, mulher! Destilava no ar um perfume de angélica com sapotis, hálito de flor com canela. Tinha o frescor da bebida cor de rosa que era servida nos aniversários de sua infância. O sabor do momento mais parecia licor de abricó, quando sorvido gota a gota, prometendo, cada vez mais, prazer em sua degustação.
- Vem Zeca, vamos achar uma concha diferente! Gritava a pequena Duda correndo pela praia com seu corpo moreno.
Fazia tempo que a alegria não soprava em seu coração, o desejo de tornar-se sua hóspede. Naquele momento havia todo um sentimento de unidade, como se dia e noite houvessem se fundido. E nos fios dos cabelos de Duda, deixassem seu recado de beleza.
Corpos entrelaçados na rede que balançava suavemente, Zeca lembrava o batizado da boneca, quando ele foi o padre e os docinhos de coco com leite condensado, que a criançada saboreava. A menina lambendo os dedos, carregando a boneca nos bracinhos roliços, gritava no canto da sala:
- Vem Zeca, vem ver o filho diferente da cabra!
“Como és formosa e encantadora, ó delicioso amor! Teu talhe assemelha-se a uma palmeira, e teus seios a cachos. Teu hálito como a fragrância das maçãs, tua boca, como vinho generoso.”
Talvez Salomão tivesse realmente amado tanto aquela mulher para escrever seu Cântico dos cânticos, pensava ele, enquanto sua amada dormia aconchegada a seu peito. Ali estava sua anima, sua promessa de completude, seu repouso dos dias difíceis. Como havia acontecido o amor de gente grande entre eles? Talvez fosse naquela noite em que o clarão da lua, refletiu em suas pupilas negras, as cores do bumba-meu-boi na última festa de S. João. Maria Eduarda, sua Duda, dançando, sacudia seu vestido de chita, abanando a fogueira e... Ele ficou encantado! Encantamento sempre acontecia naquelas noites de festa. Nas batidas do tambor e no silencio do seu coração, ouviu:
- Vem Zeca, experimentar um amor diferente...
Um comentário:
Parabéns pela linda crônica, Maria! Como são maravilhosos esses amores que chegam de mansinho, estando sempre ao nosso lado, não? E você descreveu poeticamente a descoberta dele.Li de um fôlego só. Abraços, e já estou te acompanhando, viu? bjs-Cé
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