Maria J Fortuna
Os anos se passando e a dor continuando. As amigas casando, os filhos dos outros crescendo e ela ali a ver navios... Louca para trançar seu corpo num corpo de homem em que, nus, podiam se abraçar e espantar seus pesadelos em noites sombrias... Mas não iria adiantar. Homem nenhum agüentaria presença tão distante quando a obsessão a carregava do mundo em sua presença de sombra. Levantava a noite e escrevia: “- Por que é assim comigo? Que mal fiz pelo amor do santíssimo nome de Cristo?” Até que um dia seu pensamento a seduziu com uma sugestão: “- Ignore seus delírios e diga para si mesma que você não se identifica com eles...” De certa forma foi um alivio. ”- Não sou esta face doente que me atormenta, sou bem maior do que ela! “, repetia mentalmente. Mas o traço doente veio dos antepassados e tinha muito poder sobre ela! Trazia nos genes aquela loucura coletiva, herança maldita em algum antepassado... Avós, bisavós, tataravós... Quem? Alguém que tinha aquela marca de Caim. O que poderia nascer disso tudo? Seria escrava dos comprimidos que amenizavam apenas amenizavam o medo que causava a maldição?
Aconteceu numa noite de insônia. Mergulhou as mãos numa argila que estava abandonada num fosso perto de casa. Pegou um bocado e começou a amassá-la. Primeiro com ternura, sentido-a fria e úmida. Depois começou a apertá-la com força. Quanto mais a apertava, mais a massa lhe escapava, pelos dedos. E mais os maus pensamentos lhe fugiam ao controle, como azougue, misturando-se ao barro. Aquela massa informe, fria e com odor de terra era gostosa de apertar. Podiam ocultar inclusive todos os segredos do seu coração, deixando que sua ternura represada se misturasse a ela. Depois veio o surgimento de uma forma. Alguma coisa nascia dali. No inicio temeu que pudesse brotar da argila algo disforme, que pudesse aumentar o medo de si própria. Mas sentiu que teria finalmente um controle sobre o que não queria moldar. Surgiu de suas mãos lamacentas a forma de um feto. Misturou novamente a massa retirando-lhe os pedaços em ritmo de rejunte. Apertava, beliscava, batia nela com ardor. Depois, moderando a ansiedade viu outra forma nascer e daí por diante em muitas outras noites de insônia, buscava beleza na harmonia e pureza das formas que brotavam de suas mãos. Busca interminável! Todas as peças que produzidas eram ensaios, nunca estavam completas. Ela não estava completa. Nada é completo.
Ali estava a explicação para sua mente perturbada: seu tormento havia-lhe conduzido ao encontro com os loucos que haviam habitado e existem numerosos e anônimos pelo planeta. Não estava mais sozinha. Era uma artista!
Nota: Gostaria de saber a autoria desta genial figura que ilustra o texto.
2 comentários:
Mariinha, cruel e comovente este texto, mas realista.
Abraços,
Norália
You have some great stories about art in Brazil!
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