quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A menina da cabeça chata




Maria J Fortuna


Então, os extraterrenos, com queixo fino e cabeça chata, chegaram à Terra... Imaginava a garota, que se balançava numa rede, enfiando os dedinhos nos fiapos de linha soltos, que saíam da costura por pura velhice. Aí, um a um, foram aparecendo na porta da nave espacial. Havia uma menina entre eles, na fila de saída. Estava ali porque tinha a cabeça triangular, igualzinha à deles. Mas um dos cientistas da Terra, que estava recebendo os passageiros da nave, ao ver a pequena disse:
- Essa menina não é extraterrena, porque sua cabeça não é tão chata como a dos outros. Ela é daqui da Terra! Vejam a ligeira curva do seu crânio!
Daí, os cientistas chegaram à conclusão de que era verdade, porque no nordeste do Brasil havia muita gente de cabeça chata. E aquela criança, para eles, devia ser nordestina. A menina ficou muito feliz porque a cabeça não era tão chata assim, como diziam as pessoas de sua família. Pelo menos ali, em seu devaneio. Chamavam-na de cabeça de ceia de Cristo, quadro, queixo fino de agulha, daí por diante.
Não tinha culpa se no jogo genético havia puxado os familiares do pai cearense. Mas deu azar, porque os outros seus três irmãos tinham o rosto longo e a cabeça no formato como a das pessoas do sul, como sua mãe, apesar de maranhense. Só ela era daquele jeito... Por isso ficava confusa quando os tios e o avô diziam que ela parecia uma boneca de tão linda! Acontece que alguém lindo não tem a cabeça chata, pensava. Aí se formava confusão em sua mente enfumaçada de dúvidas.
Certa vez, a tia a colocou sentada na mesa, aos quatro anos, para arrumá-la. Havia sido convidada para uma festa de aniversário. Penteando-lhe os cachinhos, reclamava:
- Nada fica bem nessa cabecinha... Nem arco, nem fita, nem nada! Já tentei de tudo! Vai sem laço mesmo. Talvez uma fivelinha levante um pouco os cachos da testa... Aquilo ficou gravado em sua memória como anel real em cera.
Ela olhava as coleguinhas e via que algumas tinham a cabeça parecida com a dela, mas usavam lacinhos de várias cores e nem davam bola pro azar! Ou então usavam tranças, que ela gostaria tanto que a mãe fizesse em seus cabelos castanhos, mas que todos de casa falavam que, para ela, não dava... Mas na casa dessas meninas, todo mundo deve ter cabeça chata, pensava... Descobriu que o gato que aparecia no muro do quintal, também tinha cabeça de triângulo. Mas as orelhas disfarçavam a cabecinha chata. Por isso nunca mais deixou de gostar de gatos. Iria gostar deles até velhinha!
Um dia, a garota saiu de São Luis do Maranhão e veio para o Rio de Janeiro. Foi muito pior! Não tinha uma amiguinha de cabeça igual à dela! E ainda riam do seu sotaque. Ali sim, era uma garota de outro planeta! De tanto se convencer de que era diferente das outras criaturinhas da mesma idade, juramentou o “defeito” e, consequentemente, a exclusão. A coisa era de nascença. Morreria de cabeça chata! Tornou-se cada vez mais tímida! O que lhe dificultou à beça, viver entre os mortais.
Mas o que a menina não sabia, e ninguém explicou para ela, é que criança não vê essas coisas. Que o importante para elas não é ser negro, pobre, branco, azul, amarelo... Ter olhos oblíquos ou cabeça chata. Se forem felizes, todos serão bonitos! E que a família ia falar sempre de sua cabeça chata. Até quando ficasse velhinha. Havia nela, alguma coisa, além do formato da cabeça, que eles não perdoavam...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

José Ângelo Gaiarsa faleceu e meu coração ficou muito triste...

Um dos homens mais lúcidos que conheci, em toda minha vida, faleceu aos 90 anos em São Paulo. Li alguns dos seus 30 livros e tenho gravado uma dúzia de fitas de palestras, entrevistas e programas de ajuda, principalmente às mães, onde sua mente brilhante falava a respeito de educação. Nessa época minha filha era menina e eu adorava ouvir a respeito desse tema, o que me elucidou bastante, e pude ajudá-la nas suas escolhas.
Fiz também vários Seminários sobre Corpo com ele. Foi quando li a Estátua e a bailarina e fiquei encantada! Vários dos seus livros são ilustrados por Salvador Dali, o mestre do surrealismo! Um deles, Inspiração e respiração, também foi muito significativo na minha formação, quando eu dava aulas sobre Consciência Corporal. Aliás as pessoas ligadas a dança naquela época, em Belo Horizonte, conheciam muito bem o Angelo.
Coincidentemente, hoje tirei do baú, uma crônica que escrevi sobre Maledicência, citando o mestre Gaiarsa no seu livro O tratado geral sobre a fofoca.
Gaiarsa foi introdutor de Carl Gustave Jung e William Reich no Brasil. Era psicanalista e ideólogo da revolução sexual.
Respiração, angústia e renascimento, estava em revisão quando, ele partiu para o andar de cima. Espero, ansiosamente, ter esta obra em minhas mãos muito breve


http://www.youtube.com/watch?v=lcWq-xh_poU&feature=player_embedded

Gaiarsa Fofoca

Dia do Poeta


Em tempos de eleição é sempre bom refletir sobre...


Voltando ao assunto...


Maria J Fortuna

Cada vez menos quero saber a respeito das maledicências sobre as outras pessoas que conheço ou que nem tive oportunidade de conhecer. Para que gastar tanta energia prestando atenção aos boatos, fofocas, desabafos mentirosos ou não, a respeito de terceiros? Com que propósito e interesse? Como não me indignar quando a coisa extrapola? Impressionante o número de pessoas que derramam cascatas de fofocas inúteis e perigosas envolvendo o comportamento de presentes e ausentes personagens com quem convivem.
Fico pensando como, com tanta riqueza de detalhes, alguém pode afirmar que fulano ou beltrano na mídia televisiva ou fora da mesma, é considerado um safado, cretino, bicha, sapatão, pedófilo, drogado e outros rótulos. Estas pessoas que falam tais coisas perdem um tempo precioso de vida útil, para se ocupar de um companheiro (a) de jornada desta tão limitada vida, neste sofrido Planeta! Ninguém merece! Para que o conchavo ao pé do ouvido, onde um mar de lama se desprende das bocas e tenta afogar a vítima, que fica completamente impotente e, às vezes, nem desconfia que seu nome rola em “boca de Matildes”? Ou... Como resultado da fofoca, vendo sua imagem denegrida por interesses escusos. Será que não se usa mais respeitar a ausência das pessoas?
A fofoca sempre esconde despeito, inveja ou “dor de cotovelo”... E sempre subtrai, não acrescenta nunca! O que melhora nossa vida ficar ouvindo ou falando do próximo seja ele quem for? E se espalha... Vai longe... Atravessa casas, ruas, cidades, países... Conforme a importância das pessoas em questão.
Fico pensando... Para que formar tão densa camada de desamor, atirando as próprias mazelas sobre um bode expiatório? Até quando vai existir a cegueira da ignorância? A maledicência é uma tentativa de desfocar e destruir a verdade das pessoas. Por causa disso muitas delas não conseguiram resgatar nem com a morte, as calúnias jogadas encima delas.
Ângelo Gaiarsa lançou um livro pela Summus Editorial, muito interessante, há anos atrás, que continua cada vez mais atual – O Tratado Geral sobre a fofoca, uma análise da desconfiança humana. Recomendo esta obra para todos. Já está na 14ª edição.
Quando eu encontro as moças que comentam sobre a vizinha que põe chifres no marido, penso no que elas invejam daquela criatura. Que algo mais terá a mulher comentada ou difamada? ... Com isso me afasto das maledicentes. Como não pensar que não seria a próxima vitima se eu inventasse de fazer amizade com elas?

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Lucidez




Maria J Fortuna

Os dias de outubro, no Rio de Janeiro, andam nublados. Estranhamente nesses dias nebulosos, tem me acontecido, interiormente, o contrário: A névoa, que me ofusca a percepção, se vai, e passo a enxergar pessoas e fatos com maior clareza. Quero dizer que tenho vivido, neste tempo, dias de grande lucidez! A lentidão, que provoca pensamentos pesados, é substituída pela limpidez de raciocínio, com cada vez menos esforço, para perceber o que anda acontecendo nos bastidores da vida. No correr do dia, a claridade se faz como sol do meio-dia banhando os becos da alma, outrora sem luz. Atingem-me insights, como faíscas luminosas! Até a memória, um pouco dançada pelos anos vividos, fica mais clara. Onde estão os fantasmas com quem tenho costume de conviver? Com certeza, a presença deles é sempre incomoda. Vão surgindo do nada e me apavoram desde os dias da infância. Expulsá-los não resolve. Aprendi a ser tolerante e a contemplar seu desfilar, em procissão às vezes macabra, de mau agouro, e a conviver com o absurdo. Aprendi, igualmente, a tornar-me expectadora de mim mesma, pintando as visagens* com cara de palhaço e arlequim, ou coisa parecida, para que se tornem suportáveis! Aí eles, os fantasmas, costumam ir embora. Mas em dia de lucidez não aparecem. A cortina do coração se abre e a luz se projeta em meu peito, garimpando o amor que está escondido nas águas do inconsciente. E como Guimarães Rosa: “qualquer amor é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura!” E amor é acolhimento.
Lucidez não é “presente de grego” dos dias nublados. É o abrir-se para si mesmo. Reecontrar-se. Reconhecer-se. Tornar-se coerente. É como se nuvens se retirassem da alma e não houvesse mais nada a camuflar. Mas é também desafio à consciência de que este estado abençoado pode levar a uma tremenda solidão, no seu apelo à coerência. Se não houver coragem, as nuvens ficam mais espessas, e nos especializaremos em fugas que podem durar a vida inteira!
Quando eu era criança, havia um quadro, na sala de estar, que representava Jesus sentado numa pedra, nas montanhas, à noite, muito triste, olhando para Jerusalém do Monte das Oliveiras, que aparece no plano abaixo. Eu ficava intrigada. Quem seria responsável por tamanha tristeza estampada no rosto do Mestre? Fiquei sabendo depois que estava refletida nele a consciência da sua Missão. E de longe contemplava Jerusalém onde seria crucificado.

“JERUSALÉM, JERUSALÉM, QUE MATAS OS PROFETAS E APEDREJAIS OS QUE TE FORAM ENVIADOS”
O preço da lucidez e da coerência é enorme! Muito mais quando nascemos em uma sociedade esquizofrenante, ligada ao consumismo, que faz tudo para que nos esqueçamos de nós mesmos e oferece mil artigos para que outra pessoa, que não está dentro de mim, vire robô consentido e se mascare, todos os dias, na fuga de si mesmo.

*Visage é usado para designar fantasma no Estado do Maranhão e vem do francês visage, que quer dizer rosto, fisionomia

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O Corpo acontecendo na Europa


O Corpo, é conhecido em toda Europa
As apresentações do grupo, sempre com a casa cheia, tem seus ingressos disputados na França, como acontece no Brasil.
As filas com antecedência de compra de ingresso são enormes!
Também... Olhem a qualidade desta arte brasileira!

Nas andanças pela Arte...





























Maria J Fortuna


Impossível para mim, no momento, escrever algo que não esteja relacionado com a minha recente visita a algumas cidades da Europa como Florença, Annecy e Lyon, onde minha filha se casou.
Então vamos lá. Algo que me deixou impressionada foi a presença de Trisha Brown , ícone da dança contemporânea, no Musée d´Art Contemporain em Lyon. Bailarina e artista plástica, esta mulher americana dança à medida que pinta seus quadros. A sua companhia de dança pós moderna, nasceu na década de 60. Época em que a dança moderna começa a dar seu grito independência. Tal revolução na dança, começou com Isadora Ducan, “ela foge das convenções associadas à significação e à dimensão psicológica do movimento”.
Foi a época em que a tomada de consciência do corpo e seus movimentos se expressa com quadros da vida quotidiana. Lembrei do nosso “Maria Maria” primeiro espetáculo do nosso famoso grupo mineiro de dança Corpo, em que a coreografia retratava toda a vida da mulher mineira que vive e morre na pobreza material. Com fundo sonoro de Milton Nascimento e Miguel Arraes. E a partir daí veio o incontestável sucesso que agora é internacional. Pois Trisha Brown é uma dessas revolucionárias da dança. Ela propõe uma coreografia em que o bailarino dança de costas para o público e outras inovações interessantes.


Meu encontro inesquecível com a Arte do francês parisiense Antoine Etex, se deu no Museé des Beaux-Arts de Lyon, particularmente as obras deste escultor me impressionaram muitíssimo! A escultura “Cain é as race maudits de Dieu” (Caim e seus descendentes malditos de Deus) (1832-1839) deixou-me completamente deslumbrada! Este autor romântico de esculturas notáveis tem seu trabalho imortalizado no Arco do Triunfo. Outros artistas magníficos na arte de esculpir estavam presentes como James Pradier com sua Odalisque (1841), Auguste Rodin com La tentation de Saint Antoine e outros. Na pintura Victor Orsel com “Moise enfant présenté au Pharaon” (Moisés criança apresentado ao Faraó) e outros.



A bienal de dança Encore estava presente em Lyon quando assisti o já citado grupo de dança de Deborah Colker que me trouxe tanto orgulho! E o Les Ballets de Monte-Carlo, numa apresentação belíssima, com coreografia Jean-Christophe Maillot, Altro Canto with Portishead, onde masculino e feminino, a principio, se desencontram. No palco homens de roupa feminina e mulheres com roupas masculinas. No cenário apenas velas que vão se acendendo, pouco a pouco à medida que as figuras vão se encontrando até redescobrir o amor . Coisa deste gênio da coreografia, Mallot. Para os amantes da dança no youtube tem uma pequena amostra: distahttp://www.youtube.com/watch?v=DdYJXuR7b_Mntes

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Como se veste a alma...






Maria J Fortuna

Em Florença, eu estava na fila para visitar a Galleria Degli Uffizi. Parecia uma Babel! Mistura de línguas e raças como eu nunca havia visto antes! Exceto quando fui visitar a Torre Eiffel em 2008. Todos na expectativa de contemplar a beleza das obras de autores medievais e renascentistas como Giotto, Rafael, Leonardo Da Vinci, Caravaggio e outros talentos. Então, me veio a seguinte observação: interessante como a alma se veste... e a questão: existe hereditariedade para a alma? A homeopatia unicista diz que sim. Os reencarnacionistas afirmam que a alma se veste das mais variadas formas desde sua criação. Mas há uma corrente que fala que reencarnamos na mesma família... Mas, onde está a matriz adâmica de quando a alma se vestiu pela primeira vez? Havia diversidade de tipos nascidos em climas de regiões diversas, com traços de sua raça original, como o turco que falava sem parar em minha frente e o japonês que carregava um guia enorme embaixo do braço, bem atrás de mim.
Quando consegui entrar no Museu, que naquele dia era gratuito - por isto a fila grande – ao contemplar as obras de arte, a questão continuou: onde dentro da alma, revestida pelo corpo fica o ninho da Beleza? O que provoca tal expressão do ser em obras de tal forma abençoadas? Por que alguém tem o dom de esculpir um David com tanta perfeição e outro “ O nascimento da Venus” com tanta poesia? A luz que banha a alma do artista, de onde vem? Qual a motivação que impulsiona alguém a passar anos aprimorando as linhas do sonho e pintando com cores tão harmoniosas?
Creio que, ao longo da escala evolucionista, um belo dia, o homem, como obra de Deus desde o início, sentiu em seu coração as primeiras fagulhas do fogo criador herdado do Pai, quando experimentou pela primeira vez a percepção do belo. Creio que aí passa a residir o Espírito Santo. Com o tempo, a labareda que não queima, mas ilumina, se propaga por todo seu ser vivenciando, com isto, o êxtase. E são momentos eternos, posto que a capacidade criadora continua a residir na alma quando a vestimenta se vai... E deixa rastros notáveis como nas telas de Da Vinci.
Estampadas nas telas do Louvre ou na Galeria Palatina, estão figuras obscuras e iluminadas, dramáticas e cômicas, belas e deformadas. Mas o extraordinário é como podemos sentir que há beleza no feio e feiúra no belo, desde que tenha sido criado com a chama interior que transcende nossa capacidade de compreensão.
Na fila para sair da Galeria, assisti à festa do mês da vindima, no centro de Florença. Carros de boi traziam garrafas bojudas e coberta de palhas de vinho acompanhado dos tradicionais “fiaschi impagliattimo .Observei como algumas mulheres com roupas de dama e camponesa têm rosto de Madona e alguns homens de Perseu, João Batista ou Cristo. O que estava estampado nas telas, eu podia ver pelas ruas estreitas de Florença. Haja vista que no coquetel humano, predominava a raça ariana, presente na maioria das obras de arte da Europa.
A alma se veste de infinitas formas, mas a Presença do Espírito só é percebida em seu centro – no Belo, para dizer melhor.

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