Maria J FortunaComo milagre, as marés chegavam manhosas e frescas à praia de São José de Ribamar, no Maranhão. Era lá, frente ao mar a céu aberto, que eu costumava correr e brincar de cavar poços de onde, no fundo das escavações minava água, e a construir castelos que mal duravam cinco minutos. Na maioria das vezes eu estava sozinha. A não ser que surgisse no poço um pequeno caranguejo amarelo que não chegava a assustar. Por isso mesmo era fácil fantasiar sobre a espuma das águas que rendavam a borda das ondas. Eu via filhotes de sereia que se escondiam ao movimento delas, assanhadas pelo vento. Havia um rastro de amor divino a cada passo que meus pezinhos molhados davam, quando eu procurava o maior tesouro do mar: as conchas. De preferência aquelas fechadas, onde morada de alguma lesma que as arrastava como casa. Alguma era grande suficiente para que eu a colocasse nos ouvidos e escutasse o canto do mar. As crianças desconhecem o tempo... Por isso, mesmo uma menina solitária como fui, descobre joias no meio de suas fantasias e, com isso, se torna momentaneamente feliz. Havia muitas conchinhas coloridas de vários formatos e desenhos. Isso era o que eu podia imaginar de fantástico! Já tinha em casa uma coleção delas. Mas sempre encontrava outras e mais outras desenhadas de forma diferente. O mar era um grande artista! Preferia aquela fechada que interpretava como mansão do segredo. Era pequena, para comportar tão imenso som redondo! Misterioso também era o destino do bicho que a habitava. Por que teria abandonado sua casa? Onde andava agora sem nada para protegê-lo? Será que havia retornado ao mar? Ou fora engolido por algum peixe? E por que a concha reproduzia tão fielmente o som das marés? Tudo soava como enigma com cheiro de maresia...As boas lembranças moram na concha do coração. Não há como não sentir o mesmo som, a mesma música e perfume, quando nos aconchegamos ao eco dos bons momentos. Tão invisíveis e tão presentes!Tal como no caso da concha, temos nossa mansão de segredos! Sua existência só é revelada através do olhar. Uma forma de expressar tristeza e plenitude que a gente traz dentro de si quando recorda. Na magia do seu eco, figuras amadas e curtidas reaparecem, todas as vezes que, com o impulso das ondas, a memória resgata. Assim como as marés que se vão e voltam, a cada lua cheia. Não há necessidade de proteção para as boas lembranças. Ninguém nos ameaça quando tudo já se passou. Resgatamos o som maravilhoso que um lugar, sem espaço e fora do tempo onde o mar cresce e se torna ainda mais imenso! Faz reaparecer o eco das conchas, contendo a voz das lembranças escondidas no mistério. Talvez por isso, Botticelli, que viveu à beira-mar em Portovenere, pintou O Nascimento da Vênus que emerge de uma concha empurrada pelos ventos. Para muitos autores é a representação da paixão espiritual, que nada tem a ver com sua nudez.Cada um de nós tem suas conchas. Até o dia em que elas se quebrem, o que é difícil, pois são muito resistentes! Aí outros pezinhos molhados pelo mar, irão encontrá-las e ouvindo sua música, recomecem a brincar com suas fantasias ... Então o mar e a vida se renovam.
Todos os textos publicados estão protegidos pela Lei nº 9.610/98.Colabore: respeite o crédito autoral. Cite a fonte.
quarta-feira, 6 de março de 2013
Conchas e lembranças...
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Quem sou eu
Arquivo do blog
Páginas
Postagens populares
-
Maria J Fortuna Era uma linda cabocla que se chamava Helena. O Juiz dos Órfãos a conduziu a casa do Coronel Matos. Fora escolhida pelo Esc...
-
Estar diante de obras não figurativas gera-me, a principio, sentimento de estranheza. Não me é fácil entrar em contato com o abstrato...
-
Talvez para comemorar o segundo aniversário de Artes e artes , recebí este texto de Norália de Mello Castro, uma das minhas contemporâneas d...
-
Maria J Fortuna Há dois anos, quando comecei a frequentar as aulas na Escola de Artes...
-
circodaspulgasduda.blogspot.co Maria J Fortuna A criançada estava reunida num terreno baldi...
-
Os sete anos de Artes e artes Quero partilhar com vocês minha reflexão sobre o sétimo aniversário de Artes e artes. ...
-
Visite Transcendência http://precesemcaledoscpio.blogspot.com.br/
-
É maravilhoso conhecer as obras de Adriana Brito. Breve escreverei sobre ela e sua trajetória. Por enquanto ...
4 comentários:
Beatriz Campos
20:14 (19 minutos atrás)
para mim
Beatriz, por email:
Ei querida,
acabei de ler sua crônica.....é linda!!!
Adorei e lembrei-me de mim ainda pequena
catando conchas nas areias das praias onde eu
fui, poucas vezes, quando criança!!!!
Beijos e saudades.....
Beatriz Campos
Ei querida, acabei de ler sua crônica.....é linda!!! Adorei e lembrei-me de m...
20:14 (3 horas atrás)
Eliana Angélica de Sousa
21:55 (1 hora atrás)
Eliana Luppi, por email:
Sua crônica é tão suave e terna que me transporto para o local, o mar, e comungo contigo toda a lembrança de momentos ricos e maravilhosos de sua infância.
Parabéns!
Beijo.
Sarah Lima
00:14 (3 minutos atrás)
para mim
Oi Tia Mariinha,
As boas lembranças são transportadas para nossas mentes como momentos que não conseguimos viver novamente.Apenas fazemos o esforço de voltar a viver em instantes momentos que nunca queremos apagar de nossa história.
Feliz dia da Mulher!
Mirian Menezes de Oliveira, no Face
Lindo, Maria J Fortuna! Tenho acompanhado seu belíssimo trabalho por e-mail. Parabéns, grande escritora!
há 7 minutos ·
Postar um comentário