Pintura de Maria do Carmo Secco
Maria J Fortuna
Há uma sempre presente e vigorosa voz
dentro de nós que às vezes se manifesta em tom imperativo; outras como um
sussurro e que, absolutamente, não combina com os desgastes dos nossos corpos.
O brado murmurante deste fenômeno é percebido e, às vezes, admitido pelos que
conosco caminham pelas estradas do mundo, mas muito pouco confessado a nós
mesmos e aos outros. Além do que nem todo mundo alimenta uma relação saudável
com esta voz interior. Por mais que ela se mostre presente Talvez porque possa
ser interpretada como coisa de místico. Ou de doido.
Nem sempre ela é aceita como nossa
própria imagem refletida no espelho, pois emerge de dentro, quando estamos em
silêncio, e vive fora do tempo. Enquanto envelhecemos, continua plena, cheia de
energia. Um estranho paradoxo! Alguns a chamam voz de Deus; outros de
consciência, razão, intuição. Não interessa. Não é necessário que estejamos em
estado meditativo para que tomemos consciência de sua presença Pode surgir como
um alerta, para nos avisar ou defender
num estado de risco.
Para mim é a voz do lado sadio,
luminoso do ser. Todas as vezes que meu outro lado obscuro, depressivo,
ansioso, entra em ação, antes que eu me deixe levar pelo pânico, ou situação de
extremo perigo, ela aparece e me socorre com sua verdade. Não deixa que me identifique
com minha própria loucura, que poderia levar-me a situações de risco. Tampouco
me põe no colo e acalenta. Pelo contrário, entrega-me a espada e eu duelo com
meus fantasmas e, mais das vezes, venço. Se perder aquela luta, ela me sacode e
levanta. Fortalece meu eu com seu velho vinho, vindo não sei de que adega, e
sopra-me as feridas do coração. Então recomeço, às vezes com imenso esforço,
mas seguro novamente a espada e parto para a luta! Para isso, não necessito das
minguadas forças musculares, que já trago em mim, corroídas pelo tempo. A voz
vai se renovando numa batalha inteiramente interna que parece não ter fim,
ficando mais forte quanto maior o desafio! Sobretudo quando o caso é de vida ou
de morte. Com o tempo aprendi que o caráter mais vulnerável a dor necessita que
se segure a espada, com mais força e firmeza, na luta para viver e continuar
seguindo as pegadas da memória das passadas conquistas. Os místicos reconhecem
esta voz como a de Cristo interno. Aquela que só é percebida no silêncio da meditação.
Aquela que nunca acaba e continua a
renascer em outros corpos num círculo . eterno. Para outros, esse elo vital
descansará em um plano de consciência que ele próprio conquistou em sua vida na
Terra, e nele ressuscitaremos nos últimos dias.
Para os que não acreditam na força de
uma energia espiritual, a voz emudece com nossa partida deste mundo.
Quanto a mim, acho que é difícil
admitir que essa força imanente não fique conosco para sempre, transcendendo a
morte, pois dela depende nossos relacionamentos, inclusive inconscientes, com
todos os mundos. É uma qualidade da alma a que nada se compara. Sua voz é
incomensurável e eterna. E nela mora o segredo da esperança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário