Maria J Fortuna
O
ensinamento vem do Oriente: tempo e morte são um só. Viver o tempo significa
viver a morte, diz o mestre indiano, já falecido, Bagwan Sri Rajneesh,
chamado hoje de Osho. E continuando, ele diz que a partir do momento em
que o tempo desaparece, a morte desaparece também.
Aqui no
Ocidente, nunca o tempo se torna tão presente quanto o desejo do consumo que se
faz em nossas vidas. Possuir dá certa ilusão de que assim a existência
individual ficará mais estável, segura, quando é justamente o contrário. É
na insegurança que reside a sabedoria. (Allan Watts escreveu um livro sobre o
assunto). Quando em nossas vidas o ter
substitui , quase que integralmente, o ser,
o desastre se faz! Mergulhamos na expectativa do impossível: como deter,
por exemplo, o avanço das rugas, dos cabelos brancos, da flacidez da
pele, sintomas que também são nossos, usando tais e tais produtos, que
segundo o efeito prometido, são cada vez mais caros. E caro quer dizer
também querido.
A maioria
das pessoas deixa sua verdadeira essência para buscar o ilusório, o que perfuma
e fantasia a realidade. Isso me faz pensar e sentir, que aquele que se
preocupa muito com o passar do tempo, fica paralisado pela pressa em querer, a
todo custo, operacionalizar seu potencial numa estação que não permite mais o
brotar de algumas sementes. Foi aí que o surto da pior idade se fez
em mim. Foi ontem, quando olhei para a tela que pintava,
e a voz do tempo vestido de consumo, sussurrou aos meus ouvidos: - Puxa!
A pintura poderia ter saído melhor se você tivesse tido incentivo. Se meus pais ou alguém tivessem descoberto seu talento quando
você ainda era jovem... E agora? Como
crescer e amadurecer na arte a essas alturas? Indaguei a mim mesma:
Que vertentes tomar que possam levar-me a sentir o domino da técnica, encontrar
o verdadeiro sentido da minha arte e bem exprimi-lo? Nesse momento a vida tomou tons amarelados e cinzas.
Foi assim que me senti ontem: numa
pressa desenxabida tomando conta do ego. Bateu uma ansiedade neurótica e inútil
ao coração. Fiquei pensando nas circunstâncias que não me deixaram
ter sido bailarina, atriz e por fim artista plástica. Tudo o que poderia justificar
minha existência. E agora? Como esquecer que não há mais tempo?
Reclamei
do Criador porque não nasci no Oriente, onde a pessoa aprende, desde cedo a
meditar, chegando a ficar completamente silenciosa, sem nenhum pensamento
buzinando na mente e tornando-a ainda mais barulhenta, com coisas indesejáveis, como a sensação de
fragilidade e impotência que a velhice nos trás. Onde não existe o se... Se isso... Se aquilo... Em
vista disso, senti que estava tendo mesmo o tal surto. Aquele de quem vive no
tempo da pressa, na ânsia pelo impossível, no querer resgatar o que não mais
nos pertence. De fechar os caminhos da esperança e gelar o coração.
Os
Sufis dão voz a Jesus, fora dos Evangelhos, quando contam o seguinte episódio:
um peregrino perguntou a Ele sobre o que seria a coisa mais importante no reino
de Deus. No que Jesus respondeu: “O tempo não mais será".
A solução
que busquei para amenizar o surto foi eliminar, a princípio mentalmente, o que
na verdade não me interessa e ficar com o essencial. No que ainda posso
me realizar por aqui, por esse mundo de luz e sombras. Pensei que cada
pincelada que faço na tela leva consigo a emoção que desafia e transforma! Que
não interessa se não consigo me expressar bem dentro de um código
acadêmico mas, como o faço em relação
às minhas poesias, vai todo o coração em cada pincelada. E isso está
fora do tempo. Bem como os sentimentos e emoções que tingem a tela da minha vida. Abençoar cada palavra que escrevo sem pensar qual será minha
última palavra. Dar luz à imagem
que existe dentro de mim mesma, feia ou bonita, luminosa ou escura, limitada ou
não. Procurar o essencial.
A pior
idade é, com certeza, quando abrimos a porta para o tempo que se passou, esquecendo
o que ainda pode ser feito. É aquela em que a gente busca
desesperadamente o que não nos cabe mais. O Buda considerou o desejo como fonte
de todo sofrimento. Do desejo consumista vem a loucura do mundo!
Por mais
dura que tenha sido a negação dos dons de si mesmo, ser pleno do que se faz é o
segredo da criatividade. E esta é inesgotável!
Sei que o surto vai voltar, mas quando
acontecer devo lhe dizer que não existe coisa mais inútil que me fazer sentir
assim.
2 comentários:
Norália de Mello Castro, por email:
Não sei se meu comentário chegará até você... Pela crônica de hoje, parabéns. Excelente por excelência... gostei demais... Parabéns. Abraços, Norália
MARIA DO CÉU
09:34 (6 horas atrás)
Obrigada , querida Mariinha, por partilhar comigo seus muitos talentos e sua SABEDORIA!
Gostei demais da crônica sobre a pior idade. Reflexões que levam o leitor a uma melhor compreensão da existência.
Carinho, Cecéu.
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