Maria J Fortuna
Apesar de ser uma metáfora dos anos
modernos, quando assisti ao filme Frances Ha, a jovem que mora
dentro de mim, identificou-se totalmente com a protagonista. Por um momento eu
era Frances, a garota de 27 anos, que se sentia completamente inadequada, tanto
nos amores quanto na busca desesperada por uma profissão. Também queria ser bailarina,
mas já adulta, seria impossível! Quis ser atriz, artista plástica, jornalista e
cantora. Nada deu certo. Quis aprender a falar bem uma língua. Também não deu.
Esse filme me trouxe memórias dos anos em que fugi para Belo Horizonte. Francis
não acertava residência. Eu morei em vinte e dois lugares diferentes nos trinta
e sete anos que passei naquela Capital. A maior parte das mudanças se deu
antes que eu completasse 35 anos. Resultado: não tinha chão. Morei em quarto alugado só com uma cama, passando
por barracões, pensionato, hotel, porão de uma casa, depósito ao lado de outra
casa, quartos cedidos para passar uma noite ou outra, pensão para moças,
republicas, em condomínio fechado, apartamento dividido com amigos, casa de um
casal de outros amigos, apartamento alugado e por fim quando já tinha 50 anos,
apartamento próprio. Tive uma crise de pânico aos 25 anos quando morava no 10º
andar de um prédio no centro da cidade e fiquei com medo de me jogar lá de
cima. Àquelas alturas eu me perguntava quem era eu para não confiar nem em mim
mesma. Uma tremenda crise existencial! Havia perdido referência de
família, profissão, religião, ideologia e tudo mais. A única coisa que eu
pensava, dia e noite, era como iria sobreviver àquela noite escura que parecia sem esperança.
Apesar daquele horror, bem mais sombrio pelo qual passou a bem
humorada Frances, nem por um segundo pensei em voltar atrás no meu propósito de
ser livre da ditadura familiar. Naquela época, havia ditadura por toda parte...
Mas como pássaro, na tentativa de sair da gaiola, eu me feri muito. Contudo sabia que a morte lenta na família seria pior do que os riscos que eu corria
ao busca da liberdade. E nunca me arrependi.
Não dava para casar e ter filhos,
porque simplesmente eu não existia. Não sabia muito bem quem eu era.
Frances era bem mais comportada. Eu passava muitas noites na
boemia, embalada pelo álcool e o fumo, num roteiro maluco de não ter hora pra
sair nem pra chegar. E nem sabia durante o dia onde iria parar à noite.
Ficar em casa dependia da ressaca. Contudo, no trabalho eu era responsável, dava tudo
de mim aos clientes que atendia. Era profissional. Na verdade o único
elo que me ligava à vida. Como Frances, com suas alunas de balé.
Para completar eu nunca tive aquela
vaidade feminina de cuidar da pele, do cabelo, das unhas. Andava de jeans
com umas camisetas amarrotadas. Parecia um rapazinho. Morei com um cara
imaturo que acabou saindo da relação pela minha falta de entusiasmo, e também
por causa das ameaças do meu pai que queria nos ver casados. Pra dizer a
verdade, sempre tive pavor a casamentos! Como desde criança, costumava sempre ver o fim de todas as coisas, antecipava a saída dos que entravam em minha vida. Todos eram temporários. Não descartáveis, mas provisórios. Assim o sofrimento da perda era menor. Tudo era muito relativo em meu mundo desfocado. Percebi em Frances, o mesmo desfoque próprio dos inadequados.
Eu voava, não andava, nos meus 45 kl de
peso em 1,55m de altura, enquanto Frances era alta e forte. Mas eu também
gostava de dançar e pular feito louca pelas ruas. A minha
coreografia predileta era a dança de Zorba, o grego, que dançava para suportar ou transcender seus momentos de dor e alegria. Eu tinha um casal de gatos siameses, nada mais. E nunca me sentia adequada nas
conversas com colegas de trabalho. Apesar de conviver muito bem com elas. Nem
gostava de frequentar festinhas tradicionais. Minha melhor amiga foi para
Europa e quando retornou não era mais a mesma. Sendo assim, nas entrelinhas do
filme transpareceu para mim a dificuldade em ser diferente. Como no caso da
personagem Ninny Threadgoode (Jessica Tandy), de Tomates verdes e fritos,
com quem também me identifiquei.
Fabricio Duque crítico de arte
cinematográfica escreveu: “ Frances (Greta Gerwig) mora em Nova York, mas na
verdade ela não tem um apartamento. Frances é aluna numa companhia de dança,
mas não é de fato uma bailarina. Frances tem uma melhor amiga chamada Sophie,
mas na verdade elas não estão se falando mais. Frances se joga de cabeça em
seus sonhos, mesmo que a possibilidade de realização seja pequena”
Pois é, na realidade não sei como sobrevivi.
Mas tenho alegria de reconhecer que, apesar de todo sofrimento em ser
“diferente”, nunca sofri de normose, doença moderna onde se vivencia a
mediocridade de ser igual a todo mundo. Nem Frances, nem eu. Mas vai ser bom para todos assistir ao filme. Uma obra de arte!
8 comentários:
Ótimo comentário,Mariinha.Você tem na crônic a sua expressão mais alta!Foi bem relembrar junto com você e imaginar você , magrinha, pulando pela rua.Maravilha!Abr:Clevane.
Norália de Mello Castro, por e-mail:
Amiga, estou estarrecida com sua última crônica...que coragem... que ousadia... mas valeu... um depoimento e tanto de vida... valeu...sei que sofreu demais para chegar a escrever tudo que escreveu e com tal propriedade sem perder a objetividade de escritora... valeu... parabéns por tanta superação... uma vida rica de sentimentos e profundidade de viver...
Abraços, Norália
Marilourdes Fortuna
Mariinha, a cronica sobre belmonte está ÓTIMA! O chamado a juventude para q. se engage é muito salutar. Há momentos , qdo penso q. o povo e principalmente a juventude não estão nem ai para tais questões são a causa da minha profunda depressão
há 22 horas
Maria do Céu Ripoli, por e-mail:
08:51 (11 horas atrás)
Vem você de novo em uma crônica deliciosa!
E essa impermanência que você conta me remeteu a Cecília Meireles em SUGESTÃO:
.......” como a nuvem, leve e bela, vivendo de nunca chegar a ser”....
Simples assim.. Não é?
Leia o poema todo que, também é muito lindo!
Obrigada pela sua Inadequação , que é, também, a minha!
Beijão celestial.
Claudia Grillo, por e-mail
Gostei muito do seu texto. Um relato ao mesmo tempo simples e corajoso pela forma tão autêntica (na primeira pessoa) que você se coloca. Parabéns!
Fiquei com muita vontade de ver esse filme. Em vários sentidos, também me vejo assim - 'inadequada'.
Bjs,
Cláudia.
REGULAMENTO DO “IX CONCURSO PLÍNIO MOTTA DE POESIAS”
A Academia Machadense de Letras (Machado-MG / Brasil) comunica a realização em novembro de 2013 de seu IX Concurso de Poesias. As inscrições encerram-se no dia 14 de outubro (2013). Para receber gratuitamente o regulamento em arquivo PDF, entre outras informações, favor entrar em contato através do e-mail: machadocultural@gmail.com
Obs (PS): O tema é livre e aberto a todos de Língua Portuguesa e Espanhola e a taxa de inscrição é de R$5,00 pode ser enviada dentro do envelope.
Favor verificar o recebimento do regulamento em pdf e jpeg. Estarei aqui para novos esclarecimentos. Caso sua poesia seja classificada e você não puder aparecer, a Academia indicará um membro para declamá-la.
O concurso será realizado no dia 09 de novembro, às 20:00hs no Anfiteatro da Prefeitura Municipal de Machado-MG.
Duana, artista plástica, por e-mail:
06:18
Maria, sem palavras.....
Na verdade, demonstrando minha habitual contradição, tenho algo a dizer sim: somente os "inadequados" sabem que precisa de uma certa dose de inadequação para viver a vida, senão ficamos com sensação de viemos aqui apenas bater ponto, nada mais. Inadequada por excelência que sou, Me identifiquei muito com a sua crônica que, aliás, é de uma sensibilidade ímpar, ousada e pura. Parabéns.
Não vi. Mas já me identifiquei com você e com a Frances. Estava passando aqui no Cine Santa. Vou ver se ainda dá tempo. É bom conhecer pessoas que, como eu, não se encontram nos moldes que a sociedade dita e acham isso uma coisa boa. Mesmo que assustadora. meu blog é Elis Pint- pinturas. tem lá uns belos exemplos de mulheres, personagens de filmes, que também não são bons exemplos de boas moças de família.
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