Maria J Fortuna
Não demorou muito para que suas sementes germinassem em meu espirito. Ali, naquele palco, poesia viva movimentava-se aos meus olhos e conquistou-me, definitivamente, o coração. Aquele saber, que parecia muito antigo e ao mesmo tempo completamente novo, estava-nos sendo transmitido através do ritual coreográfico de Graciela, que era abençoada por alguns, que entravam em estado de graça logo que assistiam a seu espetáculo, e amaldiçoada por outros, que estranhavam tal ousadia e despojamento, sem fantasias ou qualquer outro recurso cenográfico. Havia em sua dança coragem e luminosidade. Difícil de compreender a principio, por causa do rompimento de padrões vividos na dança, até então. Da minha parte, aprendi a meditar quando em minha mente ela aparecia, em primeiro em primeiro plano, dando abertura ao imaginário.
Eu estava diante desse vulcão de corpo alto, musculoso, com aspecto andrógeno, vestido quase que por trapos, deitando chispas luminosas no espaço cênico, ao som de Haydn. Contudo sorria ao dançar, aquele sorriso meio que maternal. Estranhas contradições! E, que privilégio! Iria ter aulas com ela! Isso em época de máxima insensatez, quando parte da América Latina estava em regime de ditadura militar. Só que Graciela não tem fronteiras e mergulhar em sua onda, é entrar na pulsação de amor, que transcende qualquer tipo de ideologia. Para mim ela surpreendia e me deixava perplexa. Muito mais do que diante dos enormes avanços de Isadora Duncan e Martha Graham.
O que eu tinha sentido naquela noite não era estranho a outros alunos da Escola de Dança Marilene Martins, onde fiquei por cinco anos, fazendo aula com Dorinha Baeta, Dudude Hermann, Fred Romero, que nos trouxe a técnica Martha Graham, Bettina Bellomo e outros. Eu costumava viajar para o Festival de Dança anual de Ouro Preto, quando tive aula com Rodrigo Pederneira, coreografo do Corpo e com outros bailarinos contemporâneos de fora do Brasil. Mas chegando aos trinta anos, não tinha o desempenho das alunas de vinte, nem um passado de dança na infância. O que me movia era o amor àquela arte, pura e simplesmente. Mas com o aparecimento de Graciela no cenário, esqueci-me de todas as dificuldades que tinha para memorizar movimentos e o sentimento de estranheza inicial evoluiu para o encantamento ao ver alguém dançar sua própria verdade, seus sentimentos, conduzindo os demais bailarinos e o espectador para o autoconhecimento e conexão com algo muito superior à sua própria realidade em plenos anos de chumbo. Ela era um poema vivo encima do palco e nas ruas de Belo Horizonte e Rio de Janeiro quando fundou o grupo Coringa
Cheguei a cair numa espécie de transe, em suas aulas, onde caminhávamos traçando uns oito imaginários no chão, símbolos do infinito. Finalmente eu me dava liberdade para improvisar, já que tinha dificuldades para acompanhar os movimentos do grupo. Na verdade nunca participei de nenhum deles. Os grupos de dança são para jovens bailarinos profissionais, bem trabalhados tecnicamente. Quando tive oportunidade de participar de um bale teatro, por causa da minha comicidade, fui excluída pela diretora da Escola, por causa da idade. Mas fazendo as aulas com Graciela, e assistindo sua dança, sentia que tinha corpo e que ele não tem limites no espaço concedido para tal. Aprendi a apreciar as musicas de Bach, Vivaldi, Haydn e por último Wagner. Cheguei até a compor uma pequena coreografia para os alunos da Escola Técnica Municipal com a Sagração a Primavera de Stravinsky.
Mas Graciela foi, não só uma paixão para mim, mas para quase todos os amantes daquela arte sagrada na época. Sou uma das testemunhas da geração de 1970/80, quando ela surgiu revolucionando a dança, com toda força, encantando os corações que se abriam para recebê-la.
Agora temos um pequeno livro intitulado Graciela e o Grupo Coringa, de autoria de Giselle Ruiz que relata o trabalho que esta estupenda bailarina vem realizando pelo mundo a fora.
Um comentário:
Eliana Angélica de Sousa
21:10 (2 horas atrás)
Muito chic. Parabéns!
eliana
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