Maria J Fortuna
E se o planeta de repente parasse seus movimentos de rotação e translação e a gente ficasse congelada na ação? Ou se todos nós dormíssemos um século, como a personagem da Bela Adormecida, quando foi picada pela agulha da roca amaldiçoada pela bruxa invejosa? Isso não nos teria levado a nada. Porque não seria uma parada consciente e não saberíamos o significado da sua necessidade.
Quando a gente está saturada de “ismos” como fundamentalismo, totalitarismo, consumismo, etc., ouvimos um barulho insuportável vindo do nosso planeta aos ouvidos da alma! Isto me dá vontade de procurar recolhimento num convento de irmãs contemplativas ou num mosteiro budista, e ali permanecer. Mas como faço parte da engrenagem Natureza x Homem não posso entrar num estado completamente meditativo, em introspecção, porque tenho que interagir com a vida aqui fora. Só seria válida esta escolha para me reequilibrar no eixo ou sentir o foco da ação que se desenrolaria a partir daí, o que é importante, diante do caos que nós seres humanos provocamos em nossa única morada: a Terra!
Penso no maestro recém-falecido Cláudio Abbado. Antes de entrar no palco, ele se concentrava. Ficava em silêncio absoluto e, para os entendidos, o concerto já havia começado em sua mente e no coração. Luiz Schwarcz, que o assistiu em Lucerna, relata em sua crônica na revista Época, o quanto ele pedia silêncio aos músicos durante a execução da peça. ” Ele queria ouvir o silêncio presente na composição”, diz o cronista. “Acredita que a harmonia vem daí, do acordo inicial, do silêncio que inaugura e encerra a música”. Foi uma das informações das mais importantes para mim. Eu que nunca assisti a um concerto regido por Cláudio Abbado, sinto que o mundo precisa desta comunhão e harmonia entre o Maestro e os músicos, entre os que tocam e os que ouvem!
Esta noite peguei no sono pensando nas guerras, que parecem areia movediça aos pés de toda a humanidade. Alguns me falam que está próximo o fim do mundo. Tudo ao redor parece suspeito. Dá uma sensação de que a confiança partiu sem dar endereço. Lembrei-me então de uma lenda sufi, em que a população de uma aldeia estava enlouquecida porque tomou água de um poço maldito que os fazia delirar. Até que um anjo alertou um justo quanto a não beber daquela água. Ocorre que o justo, no meio dos loucos, não tolerou mais sua própria lucidez e procurou o poço maldito, bebeu aquele líquido contaminado pela loucura. Esta é a nossa tentação!
E se o mundo parasse para refletir alguns instantes? E daí uma onda de lucidez se fizesse nas mentes, e as pessoas sentissem sua própria fragilidade e de quanto somos perecíveis? Se sentíssemos com toda intensidade o quanto fazemos parte de uma ópera, que vai se desenrolando aos olhos da memória e, no final, nem sabemos se seremos lembrados ou se haverá aplausos?
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