sábado, 8 de fevereiro de 2014

A menina e a lua

 
 
                                                                                    Maria J Fortuna
 
Quando a lua ia crescendo, a menina ficava à espera da Estrela Dalva.  Já era o oitavo ano de sua vida, quando seus sonhos pareciam grávidos de girassóis. Eles eram radiantes no  movimento em busca da Luz. Era assim que se sentia e foi assim que aprendeu a navegar neles, nos sonhos. Apesar da fonte em que se banhavam os girassóis, sua paixão era a lua.
Quando seus pais se digladiavam em discussões sem sentido, ela se negava a ouvir o que diziam, tapando os ouvidos com o travesseiro. Por isso se afeiçoou tanto àquele objeto molinho e macio, com o qual podia fazer o que quisesse. Tomava a forma de que necessitava para lhe consolar. E às vezes ela jogava para debaixo dele alguma guloseima escondendo o tesouro de sua irmã. Aquela que se parecia com um monte de meninas, mas nada tinha a ver com ela. Aquela cuja doçura se parecia com doce de leite e que adorava brincar de bonecas,  tão distante dela.. O que a menina gostava era de deslizar em carrinho de rolimã pelas ruas do bairro, escondida da mãe, que por sua vez costumava leva-la a um grande Centro onde, em dado momento, a senhora sua madrinha transformava-se na própria lua, trazendo consigo a Estrela Dalva. Foi aí que começou sua paixão pelos astros!  Mas não era só um astro, que estava ali, mas a própria deusa, pessoalmente, como grande presente para ela, sua mãe, e inúmeras pessoas que seguiam seu rastro.  O encantamento era total e absoluto!
Assim passou a infância: Entre discussões do pai com sua progenitora e as idas ao Centro, da senhora, que lhe mostrava a face lunar, em todas as suas fases,  e trazia  a Estrela com ela. A madrinha tão carinhosa que a colocava no colo acariciando lhe os cabelos castanhos.  Privilégio dos privilégios! Ainda frequentavam ali:  o Preto Velho, Cosme e Damião e inúmeras outras figuras mágicas, que vinham outras dimensões interagindo com o povo e com ela, a menina.
Quanto às brigas dos pais, ela compensava com uma boa lata de leite condensado, sorvetes e outros petiscos. Ou chamando a atenção sentada na janela do terceiro andar, balançando as perninhas, para ver a mãe interromper seu trabalho e chegar correndo para tirá-la, aos pescoções dali, assim que recebia o telefonema da vizinha contando que sua filha corria sério perigo de desabar da janela a qualquer instante. Não importava o castigo que iria receber. Em seu coraçãozinho o que lhe interessava mesmo era  saber que a mãe, havia deixado tudo para trás para acudi-la!  
Mas não havia coisa melhor para a menina, do que ouvir as estórias dos grandes mergulhos da Estrela Dalva no mar! Ao escutar a essa estória contada pela madrinha no Centro,  imaginava o quanto seria bom, entre peixes, algas, ostras e inúmeras vidas submarinas, conversar com seres luminosos e ouvir suas revelações! Por isso aprendeu a nadar muito bem nos rios e piscinas da vida, onde podia ser o que era: uma menina diferente das demais. Ali podia esquecer as dores do seu coraçãozinho atormentado pelo desfoque das relações familiares, porque o mar, segundo a madrinha, devolvia á tona tudo que era jogado nele. O mar era também a morada da lua, de Iemanjá e de tantas entidades sublimes!
Depois veio a adolescência, a idade adulta e todas as consequências daquela infância vivida entre a dura realidade familiar e seus grandes voos celestes!  E aquela fase da vida rolou feito seu carrinho de rolimã ladeira a baixo.  Mas a Estrela Dalva ainda está ali, perto da lua, que se banha nas águas do mar, e a rede de pesca das lembranças traz as figuras de outrora, para seu maior consolo! E eu sinto que vai ser assim, até que a menina fique velhinha. Convivendo com ela posso senti-la nas suas mais puras e enluaradas lembranças...
 

4 comentários:

Amo Poetar disse...

Amiga querida, como Deus é bom, deu a nos a liberdade de imaginar, escolher nossas ideias,
e nelas viajar, escolher a que mais nos faz sonhar, que seria de nos sem sonhos viver?
agradeço a Menina da Lua
bjs, monica

MJFortuna disse...


Maria do Céu Ripoli, por e-mail:

Agradecendo sua muito significativa crônica da “Menina e a Lua”, partilho com você, carinhosamente, o anexo.

MJFortuna disse...


Eliana Angélica de Sousa

21:09 (Há 2 horas)

Lindas lembranças! Também vivi a Estrela Dalva esta semana relembrando tempos idos que voltaram à tona com a música que cantamos no dia de ontem.
Linda a crônica. Parabéns!
Beijo.

eliana

Unknown disse...

Lindo conto, lembrei de mim mesma no telhado de casa, esperando pela Deusa Lua!

Obrigada por compartilhar.

Quem sou eu

Minha foto
Sou alguem preocupado em crescer.

Arquivo do blog

Páginas

Postagens populares