sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Constância e Joseph


 

 
                                                                                          Maria J Fortuna
Semiacordada no meio da noite, sem as habituais dores no corpo, mas com  leve entorpecimento, Constância sentiu que, naquela madrugada, alguma coisa mágica iria lhe  acontecer.  Qual o motivo?  Perguntava a si mesma. Lembrou-se: estava sonhando com Joseph!  Mas eis que ele parece ter saído do sonho e estava agora em sua cama, sorrindo para ela com seu toque divino. Ah! Joseph há quanto tempo ele não a visitava em seu leito trazendo de presente para ela aquele perfume de angélica!  No entanto, como sempre acontecia, aquele aroma etéreo  ia se metamorfoseando na medida em que ela se envolvia em devaneios frente à bela figura adquirindo certo toque viril. Algo assim como cheiro de suor misturado com terra depois da chuva.   Então ele, quase humano, aninhava-a em seus braços musculosos que iam adquirindo massa, firmeza.  Recolhia as grandes e macias asas para  fazer amor com ela. Transformava-se no bem amado de carne e osso!  E ela se perdia no tempo e no espaço.  E seu útero de oitenta anos enchia-se de sangue e o corpo do anjo se tornava levemente avermelhado.  Os seios de Constância destilavam orvalho e mel, que era sugado por Joseph. E naquele gesto dele, ela navegava entre as estrelas do seu céu interior e brincava  com elas como se fosse criança. Depois o sono chegava e ela nem via a partida de Joseph.
Seria ele um anjo decaído, tão atrevido ficava quando envolto em seu lençol de linho branco? Ela sentia que não. Não podia ser do mal, pela delicadeza como penetrava em suas entranhas com seu pênis luminoso! Não podia ser, porque naquele momento ela encontrava   Deus! Só ele poderia  proporcionar-lhe tanta felicidade! Talvez por isso algumas damas da noite sejam julgadas perdidas... Porque elas se perdiam de verdade e inteiramente nos braços do homem escolhido para amar.    E não sabia mais se o que sentia era êxtase ou orgasmo. Ou as duas coisas juntas! Tal qual no gozo de Tereza d Ávila com seu anjo que a atingiu com sua lança, imortalizados na escultura de  Gian Lorenzo Bernni.
Sentia que aquele novo encontro era especial e resolveu perguntar, timidamente  a Joseph, o que aconteceria se ele a levasse para as bandas do etéreo... Sabia que não precisava morrer para se sentir no paraíso quando ele acariciava e penetrava seu corpo, até então envelhecido e cansado.
- Joseph... Pronunciou aquele nome como se tivesse entrando em solo sagrado.
- Sim...  A voz dele era grave, mas soava como som de harpa aos seus ouvidos.
- Diga-me meu anjo, o que me aguarda do lado de lá, indagou ansiosa, pois não quero perdê-lo..
O anjo sorriu, estreitou o corpo franzino da mulher em seus braços, agora parecendo de  seda, e segredou carinhosamente:
- Estou querendo levá-la comigo
- Mas sempre fui quase descrente... Sempre tive dúvidas... A respeito do lado de lá. Apesar do nosso amor etéreo, tenho medo,  murmurou Constância.
No que o anjo sorriu, olhando-a com ternura e acrescentou:
- Mas não teme em me ter como homem em alguns momentos... E não tem dúvidas sobre minha existência.
Constância fingiu que não ouviu e indagou a Joseph:
          - Sim, mas o que me aguarda? A ressurreição ou a reencarnação?
           Ele sorriu e não lhe respondeu.
Fazer amor com um anjo era bem mais fácil que dialogar com ele.  Desde a infância se fazia questionamentos sobre do que de fato existia do lado de lá e ficava angustiada quando seu coração pesava ao pensar que poderia não haver absolutamente nada, como afirmavam as religiões. E se toda guerra santa por séculos e séculos, deixaram tantos mortos em vão? Como ficariam os mártires cristãos e os homens-bomba do Islam.? E então ela se deu conta refletindo...  Sentia-se tão perto de Joseph...  Mas e Joseph? Fazia todas as suposições caírem por terra.  Todas as dúvidas eram trituradas como frutas no liquidificador. Se o amava, se sonhava com ele, não podia duvidar de mais nada. Afinal ele não era um mortal. E o julgamento do qual ouvira falar a vida inteira?   Não podia ser condenada por amar um anjo! Trevas seriam se ele se ausentasse de repente. Então segredou a seu amante celestial:
- Minha vida está em seus braços, Joseph... Nos braços do amor.
Alguma pessoa mais sensível do prédio onde morava a anciã, e que  se encontrava acordada até aquela hora, certamente ouviu um forte bater de asas naquela madrugada.
Quanto à Constância, estava  ali deitada na cama, olhar parado sem mais respirar e  com um lindo sorriso nos lábios.  
           Um perfume forte de narcisos inundou todo prédio...
 

 

 

4 comentários:

MJFortuna disse...

Mariinha, voltei no seu blog e
reli seu conto. Aproveitei e li o Terapeuta. Gostei mais deste texto. O seu conto tem algo que não me bateu... vou reler outra vez para lhe dizer...Não sei bem o porque deste impasse. Amo ler seus textos, sempre tão autênticos, sinceros e cativantes... Bom domingo para você. Até mais. Abraços, Norália

MJFortuna disse...


NOME: CHRISTINA HERNANDES
E-MAIL: escritor@christina.hernandes.nom.br

PARA ESCRITORA: MARIA FORTUNA
COMENTÁRIO: Oi Maria Lindo conto, grande sensibilidade. bjs Christina




















MJFortuna disse...

Eliana Angélica de Sousa, por e-mail:


Belíssimo!
Que maneira mais doce de realizar a Grande Iniciação!
Tomara que eu mereça um Joseph pelo menos no momento de minha transição.
Ficarei imensamente feliz.
Parabéns!
Grata.
Bj.

eliana

Fragmentos disse...

Querida Maria!
É uma imensa alegria voltar de férias e "encontrar-se" com este conto maravilhoso, com Constancia e Joseph! É um canto ao Amor, no sentido mais amplo, espiritual, descrito de modo incrivelmente sensível e cativante. É uma grande emoção e comoção le-lo, e ele, cuidadosa e lentamente nos envolve com palavra após palavra, parágrafo após parágrafo ... E o Anjo, que o permeia de início ao fim, tão delicado é o fio condutor, a estrutura, o efemero ao mesmo tempo que reforça sua espirituallidade. O final é lindo! Lembrei do Rilke! Só posso lhe dar os Parabéns!
Aproveito para comentar que adorei o Terapeuta, mais uma prova de sua sensibilidade e capacidade! Gostei muito!
E ainda agradecer-lhe pela lindas palavras dedicados ao livro Ante Portas e o espaço dedicado às nossas Antologias! Muito obrigada! Voce é maravilhosa! Um Anjo em nosso caminho!
Sinceramente,
Rosane

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