Maria J Fortuna
Semiacordada no meio da noite,
sem as habituais dores no corpo, mas com leve entorpecimento, Constância
sentiu que, naquela madrugada, alguma coisa mágica iria lhe acontecer.
Qual o motivo? Perguntava a si mesma. Lembrou-se: estava
sonhando com Joseph! Mas eis que ele parece ter saído do sonho e estava
agora em sua cama, sorrindo para ela com seu toque divino. Ah! Joseph há quanto
tempo ele não a visitava em seu leito trazendo de presente para ela aquele
perfume de angélica! No entanto, como sempre acontecia, aquele aroma
etéreo ia se metamorfoseando na medida em que ela se envolvia em
devaneios frente à bela figura adquirindo certo toque viril. Algo assim como
cheiro de suor misturado com terra depois da chuva. Então ele,
quase humano, aninhava-a em seus braços musculosos que iam adquirindo massa,
firmeza. Recolhia as grandes e macias asas para fazer
amor com ela. Transformava-se no bem amado de carne e osso! E ela se
perdia no tempo e no espaço. E seu útero de oitenta anos enchia-se de
sangue e o corpo do anjo se tornava levemente avermelhado. Os seios de Constância destilavam
orvalho e mel, que era sugado por Joseph. E naquele gesto dele, ela navegava
entre as estrelas do seu céu interior e brincava com elas como se fosse
criança. Depois o sono chegava e ela nem via a partida de Joseph.
Seria ele um anjo decaído, tão
atrevido ficava quando envolto em seu lençol de linho branco? Ela sentia que
não. Não podia ser do mal, pela delicadeza como penetrava em suas entranhas com
seu pênis luminoso! Não podia ser, porque naquele momento ela encontrava
Deus! Só ele poderia proporcionar-lhe tanta felicidade! Talvez por
isso algumas damas da noite sejam julgadas perdidas... Porque elas se perdiam
de verdade e inteiramente nos braços do homem escolhido para amar.
E não sabia mais se o que sentia era êxtase ou orgasmo. Ou as
duas coisas juntas! Tal qual no gozo de Tereza d Ávila com seu anjo que a
atingiu com sua lança, imortalizados na escultura de Gian Lorenzo Bernni.
Sentia que aquele novo
encontro era especial e resolveu perguntar, timidamente a Joseph, o
que aconteceria se ele a levasse para as bandas do etéreo... Sabia que não precisava
morrer para se sentir no paraíso quando ele acariciava e penetrava seu corpo,
até então envelhecido e cansado.
- Joseph... Pronunciou aquele
nome como se tivesse entrando em solo sagrado.
- Sim... A voz dele era
grave, mas soava como som de harpa aos seus ouvidos.
- Diga-me meu anjo, o que me
aguarda do lado de lá, indagou ansiosa, pois não quero perdê-lo..
O anjo sorriu, estreitou o
corpo franzino da mulher em seus braços, agora parecendo de seda, e
segredou carinhosamente:
- Estou querendo levá-la
comigo
- Mas sempre fui quase
descrente... Sempre tive dúvidas... A respeito do lado de lá. Apesar do nosso
amor etéreo, tenho medo, murmurou Constância.
No que o anjo sorriu,
olhando-a com ternura e acrescentou:
- Mas não teme em me ter como
homem em alguns momentos... E não tem dúvidas sobre minha existência.
Constância fingiu que não ouviu e indagou a Joseph:
- Sim, mas o que me aguarda? A
ressurreição ou a reencarnação?
Ele sorriu e não lhe respondeu.
Fazer amor com um anjo era bem
mais fácil que dialogar com ele. Desde a infância se fazia
questionamentos sobre do que de fato existia do lado de lá e ficava angustiada
quando seu coração pesava ao pensar que poderia não haver absolutamente nada,
como afirmavam as religiões. E se toda guerra santa por séculos e séculos,
deixaram tantos mortos em vão? Como ficariam os mártires cristãos e os
homens-bomba do Islam.? E então ela se deu conta refletindo... Sentia-se
tão perto de Joseph... Mas e Joseph? Fazia todas as suposições caírem por
terra. Todas as dúvidas eram trituradas como frutas no liquidificador. Se
o amava, se sonhava com ele, não podia duvidar de mais nada. Afinal ele não era
um mortal. E o julgamento do qual ouvira falar a vida inteira? Não
podia ser condenada por amar um anjo! Trevas seriam se ele se ausentasse de
repente. Então segredou a seu amante celestial:
- Minha vida está em seus
braços, Joseph... Nos braços do amor.
Alguma pessoa mais sensível do prédio onde morava a anciã, e que
se encontrava acordada até aquela hora, certamente ouviu um forte bater de asas
naquela madrugada.
Quanto à Constância,
estava ali deitada na cama, olhar parado sem mais respirar e com um
lindo sorriso nos lábios.
Um perfume forte de narcisos
inundou todo prédio...
4 comentários:
Mariinha, voltei no seu blog e
reli seu conto. Aproveitei e li o Terapeuta. Gostei mais deste texto. O seu conto tem algo que não me bateu... vou reler outra vez para lhe dizer...Não sei bem o porque deste impasse. Amo ler seus textos, sempre tão autênticos, sinceros e cativantes... Bom domingo para você. Até mais. Abraços, Norália
NOME: CHRISTINA HERNANDES
E-MAIL: escritor@christina.hernandes.nom.br
PARA ESCRITORA: MARIA FORTUNA
COMENTÁRIO: Oi Maria Lindo conto, grande sensibilidade. bjs Christina
Eliana Angélica de Sousa, por e-mail:
Belíssimo!
Que maneira mais doce de realizar a Grande Iniciação!
Tomara que eu mereça um Joseph pelo menos no momento de minha transição.
Ficarei imensamente feliz.
Parabéns!
Grata.
Bj.
eliana
Querida Maria!
É uma imensa alegria voltar de férias e "encontrar-se" com este conto maravilhoso, com Constancia e Joseph! É um canto ao Amor, no sentido mais amplo, espiritual, descrito de modo incrivelmente sensível e cativante. É uma grande emoção e comoção le-lo, e ele, cuidadosa e lentamente nos envolve com palavra após palavra, parágrafo após parágrafo ... E o Anjo, que o permeia de início ao fim, tão delicado é o fio condutor, a estrutura, o efemero ao mesmo tempo que reforça sua espirituallidade. O final é lindo! Lembrei do Rilke! Só posso lhe dar os Parabéns!
Aproveito para comentar que adorei o Terapeuta, mais uma prova de sua sensibilidade e capacidade! Gostei muito!
E ainda agradecer-lhe pela lindas palavras dedicados ao livro Ante Portas e o espaço dedicado às nossas Antologias! Muito obrigada! Voce é maravilhosa! Um Anjo em nosso caminho!
Sinceramente,
Rosane
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