quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O sonho de Silas





Maria J Fortuna

 
Com o tempo, como as árvores, nossos corpos idosos  trazem  folhas amarelecidas, mas as verdinhas continuam brotando, cada vez em menor número é certo,  mas continuam brotando... As folhas amadurecidas que não se seguram nos galhos são nossos momentos vividos que se tornam lembranças. A vida tem o esterco do dia a dia que nos prepara para cada nova semeadura.  Os momentos não vividos, talvez por circunstâncias adversas, não se perdem.Transformam-se   em  sonhos. Só a esperança aduba a vida.  Mas... Quem disse que um velho tronco de árvore não traz novos brotos?
Assim foi o caso de Silas, que aos 80 anos não perdeu a esperança de encontrar e reconhecer o  filho,  que ele bem sabia, fora semeado no sertão de Icó, no Ceará. E cada um dos novos brotos que cresciam em seu coração prenunciava que ele havia de realizar o seu sonho: abraçar aquele rebento que ainda não conhecia. Ultimamente ele sentia urgência no ar. Aviso de fim de estação. Era por isso que almejava tanto abraçá-lo ainda nessa vida.  Estaria no Rio de Janeiro para onde correm os nordestinos por causa da seca? Ou em São Paulo? Nunca mais soube da mãe do menino nem da família com quemela   vivia.  Quando forte caboclo das florestas, ele podia embarcar na onda do machismo e dizer aos amigos:  - Não sei quantos filhos tenho por aí... Soltando em seguida uma gargalhada, mas à medida que foi ficando mais velho, começou a sentir um vácuo, algo oco dentro da alma, por falta da presença dele, do filho, que poderia amar e abraçar. Pois perdera todos de vista: os parentes e amigos. Agora estava velho e só.
De vez em quando recebemos parasitas que nos escolhem como hospedeiros. Principalmente quando somos idosos.  E a gente se engasga nessa convivência mal digerida. Com isso vamos aguentando  os espasmos da  angústia.   Ás vezes há urgência em vomitá-los, os hóspedes,  antes que queiram se apossar de nossas almas. Não era o caso de Silas. Ele,na verdade,  pagou caro pelo desejo de ficar livre de tudo e de todos ao escolher liberdade plena. Mas não pensou na erosão do tempo que é tão renitente  e não deixa  nada no lugar.  Vai  nos fazendo  dependentes de outras pessoas mais jovens à medida em que começamos a secar.  Ninguém precisava dele e nem ele parecia precisar de ninguém. Também não tinha hábito de ficar a sós consigo mesmo. Como acontece conosco, nós os ocidentais,  ele tinha  enorme dificuldade para se autoconhecer. Lidar com suas dificuldades. Contudo não quer isso dizer que não tenha cobrado de si mesmo essa busca.  Mas a pressa em ganhar a vida o distanciara ainda mais desse primordial encontro.  Sobretudo o medo de amar e perder, próprio dos que passam a vida  correndo de si mesmos. Mas que nome teria seu filho a quem ele não havia dado  nome?
Sonhava à  noite com a mãe, fisionomia severa, mãos nas ancas lhe ordenando:
- Silas, vá buscar seu filho!
As veias das árvores já cansadas são pequenos rios caudalosos que desaguam no coração. Como as águas dos rios, correndo silenciosas nas veias e artérias do corpo. Assim o ancião sentia necessidade de alimentar o coração adivinhando como seria o filho.  Chegava a vê-lo parado a sua frente: alto e moreno como ele, olhos castanhos e cabelos revoltos. Talvez com o mesmo tique de esfregar os dedos da mão esquerda uns nos outros e a paixão pela natureza e pelas mulheres ou pela natureza nas mulheres. Foi por causa disso que essa paixão nunca virou amor e não quis saber dos seus frutos.
Não há pistas... Parece tarde demais!...

3 comentários:

MJFortuna disse...

De uma leitora assídua que não quer se identificar, por e-mail

Li, de uma só vez O SONHO DE SILAS e O QUARTO ASSOMBRADO.

O Sonho me soou melancólico, porque a busca inútil do tempo perdido. O leitor é capaz de compreender o personagem, - cheguei a entrar em sintonia com ele.
Quem de nós , distraído, não deixou escapar das mãos, oportunidades, amores, pessoas.
Passado o momento, o tempo, cruel vem e cassa, a possibilidade de reaver o sonho, reviver a história, voltar e fazer diferente.
Um aprendizado tardio e... talvez inúitil.

O QUARTO ASSOMBRADO, autobiográfico, desvela Mariinha, negociando com seus medos , seus fantasmas. De modo leve, prático, a rendição ao racional , a fuga do calor intolerável.
Talvez o antigo quarto “ sem ar “ de Mariinha, tivesse mais “de inferno” do que aquele cheio de frescor, onde passeiam suaves e silentes, as tias que deixaram esse mundo.
E onde Mariinha, agora pacificada, dorme e sonha seus contos, suas charges, sua vida que espera na esquina da rua mais perto.
No caso, um aprendizado, talvez meio tardio, mas absolutamente sábio e útil.

Adorei!

MJFortuna disse...

Eliana Angélica de Sousa, por e-mail:

Sua crônica mostra muito sentimento. Triste, mas tão bem embalada nas palavras que acolhe-nos dando-nos mais consciência futura de nossa passagem por esta Terra rumo ao despertar da consciência Divina! Parabéns! Bjs.Muito grata por tanta beleza!

MJFortuna disse...

Ida Vieira Luppi, por e-mail:


Fantástico mesmo , No seu blog O caso de Silas Esta frase ; Só a esperança aduba a vida , bjs ida

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