Maria J Fortuna
Ela vivia numa aldeia
de pescadores em São José de Ribamar, no Maranhão. Todos a conheciam por Maria Velha.
Impressionante sua casa de pau-a-pique que só tinha três paredes para que
pudesse amarrar a rede. Pau-a-pique é uma das construções das mais comuns para a
enorme população indigente, infelizmente até hoje, no interior do Maranhão.
Tozinho, o filho
pescador de Maria Velha, havia levantado as três paredes de vigas de bambu,
amarrados entre si, cujas partes vazadas eram cobertas por barro. O
telhado era de sapé, espécie de vegetação não própria para alimentação dos animais.
Mas Maria Velha não queria mais que três paredes e um teto de palha para viver.
Quando se levantava, costumava enrolar e amarrar a rede desbotada,
transformando-a numa trouxinha colada à parede. Então, ia para o fogão de
lenha que ficava bem ali, perto da rede, no chão de terra batida, onde
cozinhava sua refeição e fazia a marmita do filho que ia enfrentar, feito
guerreiro, o mar revolto em busca de peixes.
Ninguém sabia a idade
da velha senhora. Talvez não fosse tão idosa. As pernas eram ainda muito firmes
e os braços fortes, com mãos calosas capazes de pegar na enxada para
capinar o mato que crescia em redor da casa. Se é que se podia chamar aquela
construção de casa. No entanto, as panelas de alumínio brilhavam ao sol de tão
limpas e areadas com a areia da praia, junto às roupas lavadas no rio.
Tinha como seu único móvel a mesa construída pelo filho, usada na preparação do
alimento. Na hora do almoço, ficavam ali Maria Velha e seu rebento
sentados no chão, fazendo pequenos bolinhos de comida com os dedos, quase
sempre de peixe e pirão. Tinham um tamborete pequeno e baixo que
chamavam de mocho e era oferecido aos visitantes. Pessoal íntimo dos dois
sentava no chão mesmo. Os visitantes eram outros tantos que viviam em casa de
sapé e terra batida.
Maria Velha,
cheirando a jasmim com canela, partia para o trabalho, quase que de sol a
sol, menos no domingo quando ia à Missa na Igreja de São José. Lavava e
passava a roupa na casa das madames. Falava pouco, mas gesticulava e caminhava
rápido. Chegava sempre descalça. Mas como causava má impressão a certas
madames, ela calçava as alpargatas feitas de pneu e couro, compradas na Venda
do Seu Raimundo, assim que avistava a casa grande de algumas senhoras.
Coisa que aquela mulher de fibra não tolerava era ver o filho bêbedo! Tozinho
gostava de uma cachacinha. Ajudava a puxar a canoa e a enrolar a rede de
pescar. Mas chegava cabreiro em casa... Olhando a mãe pelos cantos dos olhos.
Maria Velha dava-lhe uma cheirada e se sentisse cheio de álcool pegava uma vara
de marmelo e “metia o couro” no jovem e possante filho.
- Saia praga, sai
isprito imundo, ia dizendo a cada lambada. O filho ia gemendo e pedindo
desculpas.
Além do que a cachaça podia levar o guapo à “casa das muié dama” pra pegar doença.
Tinha que arranjar uma cabocla forte pra casar. Contudo, fazia-lhe um chá de boldo
pra curar a ressaca. Mas eram raros os dias que Tozinho fazia aquilo de tomar
cachaça.
Por trás do sorriso
transparente daquela perfumada criatura, apareciam seus dois dentes. Ela
quase sempre sorria, despreocupada com sua aparência! Era feliz!
Acreditem, ela era feliz! Por quê? Por dois motivos: nada tinha de material
para ser roubado e lamentado, a não ser as redes dela e do
filho, e as panelas de alumínio. Se ficava doente, tratava-se com ervas.
O Posto de Saúde era muito longe...
Em segundo lugar, era
feliz por causa das nuvens... Elas eram tudo de bom para a velha senhora!
Ficava deitada na rede por muito tempo contemplando aquelas formas brancas e
voadoras que iam se desmanchando devagarinho, e dali formavam várias figuras!
Via borboletas, cachimbos, gente nova e velha, bichos, flores, frutos, peixes e
muitas outras formas familiares... Via carneirinhos, espumas do mar e, às
vezes, monstros tenebrosos, mas que logo se transformavam em flor ou pássaro e
vice-versa. Tudo acontecia naquele fundo azul que, no adiantado das
horas, ia aos poucos escurecendo... E ela não sentia o passar das horas... O
céu levava com ele as nuvens e trazia estrelas. Não tinha muita afinidade com
aquele pisca- pisca de pontos luminosos. Era muito misteriosa, à noite, com seus
tesouros. Estrelas são joias que ficam brilhando e piscando, não fazem mais
nada, pensava. Mas não desfazendo do céu à noite, compreendia mesmo o código
das nuvens ... Elas, as nuvens, haviam lhe ensinado algo de muito
especial. Algo que tinha sempre presente no coração: que tudo passa e se
transforma... Nunca mais haveria uma borboleta desenhada daquela espuma fofa e
branca, por exemplo... E rapidinho ela se transformara numa árvore...
Depois numa forma esquisita, que ela não conseguia decifrar... Tão misteriosos
quanto as estrelas eram os raios. Um deles levou embora seu vizinho Maneco.
Quando o céu começa a ficar cinza, apaga as nuvens, observava.
Mas quando isso acontecia, ela ficava muito tempo ali, encostada
numa das duas paredes na sua casa, quietinha, em sinal de respeito àquilo que não podia
compreender ou controlar. Quando chovia deitava-se na rede, fosse que horas
fosse, e ficava ouvindo a chuva caindo sobre o telhado cheio de goteiras. Mas
passava... e as nuvens retornavam...
Como amava o céu azul
recheado delas, Maria Velha tornou-se a vovó das nuvens...
Era como as crianças passaram a chamá-la, quando sentadas no chão do
casebre ouviam suas histórias. Todas olhando para o céu. Além disso,
aquele torrão azul, onde toda aquela magia acontecia, só podia ser o
corpo de Deus, afirmava.
- Home ou muié que se
procupa com as coisa da Terra é pruquê não óia pro
céu, dizia para quem em aflição a procurava. – As coisa passa... as
coisa passa...
8 comentários:
Lindo, Maria! Que inveja da Vovó das Nuvens!!! Que filosofia!!!
Parabéns, Maria, por essa crônica que, além de gostosa de ler, faz a gente pensar nessa realidade de que tudo passa... Amei essa leveza de não ter o que perder!...
Lindo!!! Poético
Lindo!!!! Poético
Roselis Maria BATISTA R.por e-mail:
12:06 (Há 11 horas)
para mim
pREZADA mARIA DE jESUS
sOU POETA MAIS DO QUE ESCRITORA de prosa.
. JA ESTIVE NA REBRA, MAS SAI, AS RAZOES PREFIRO NAO DIZER AGORA deixa pra la; mas sou ainda porofessora e pesquisadora universitaria aqui na Fra nça - vogfo bvem lon ge do Brasil
dou aulas de espanhol, lingua, traduçao, civilizaçao da América Latgina, além do português.
*Mas quero lhe dizer que tive muito praZEr em
lê-la; espero que continue; se puder dizer algo sobre sua escritura - e você nao se ofender - diga-me.
Mas, sobretudo, continue sempre, certo?
* As tr^s tias do Rio de Janeiro impressionaram-le muito.
(desxdulpe se doigito mal - jaz o fazia, (MAL) e aqgoraz colm uma mao cujo pulso saiu do gesso, é ainda pior.
Nao quis parar de travbalhar por isso.
*Envio-lhe em mail aparte algo que escrevi.
Forte abraço de uma brasi;leira que ja tem 21 anos na França, filha de pais paraibanos mas nascida em Santos SP
Lionizia Goyá no Facebook:
Parabéns é o que posso dizer!
Margaret de Castro, no Facebook:
Adorei Maria, mas nunca consigo deixar comentário no blog.
Adriana Brito, por e-mail:
12:44 (Há 10 horas)
Maria que delicia de crônica!!! queria ainda ser uma das crianças que ouviam a vovó das nuvens!!! que delicadeza!!! tudo passa!!! amei!!!
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