sábado, 27 de dezembro de 2008

A louca dentro de mim



Maria J Fortuna

Ela não pede licença para fazer-se presente! Sussurra coisas incríveis a meus ouvidos! Não me larga, a danada! Quando menos espero se manifesta. Sai das minhas raízes... Dá medo quando começa a cutucar meus sentidos. Abusa dos meus sentimentos, profana-me o corpo. Eu lhe digo: - Vai embora, peste, me deixa! Mas não adianta. Não respeita tempo de vida na Terra. Instala-se como pensamento obsessivo fazendo-me sentir vontade de abrir a boca e falar o que não devo. Ameaça mexer com a loucura dos outros sugerindo-me inflamar seus egos.
Como seria soltar a louca de vez? A desmiolada aconselha-me a fazer coisas que não tem cabimento! Tem hora que dá vontade de puxar-lhe os cabelos e subjugá-la de uma vez por todas. Mas quem disse que consigo controlá-la? É igual gato: quanto mais se quer prender, mais quer se soltar. Não tem solução. Está sempre no cio... Preciso ignorar suas alucinações. Mas é impossível! Volta voltinha, lá vêm elas...
O máximo que posso fazer é não me identificar com sua visão distorcida e desfocada. Afinal não sei donde vem. Se nasceu com minha árvore genealógica, ou se é coisa do pecado original. Apenas ouço sussurros nos galhos da noite, como se ali tivesse a árvore onde Judas se enforcou. É o que ela mais faz: tentar para que eu caia em pecado de traição a mim mesma colocando-me em situações de risco.
Sem ter nem pra que parte pra cima de mim. Gosta muito dos dias de chuva para me falar de solidão. Diz coisas absurdas de mim mesma. Tenta apagar minha fé e diluir meu amor. Insinua provocações e diminui meu tempo de sono. Depois delira... Vagueia pelas flores e mergulha na lama. Veste-se de borboleta e rasteja como serpente.
Na adolescência pegava-me no colo levando-me a montanha russa dos sentidos... Despencando o trenzinho, causando pânico e orgasmo conjuntamente... Era incrível! Sugeria prazeres infindos, a louca desvairada! Eu ultrapassava normas, feria leis, burlavas vigilâncias. Misturava perfume de amor com hálito de sexo. E, sobretudo, passava por cima do bafo da moral familiar. Aí mesmo que se despia! Sugeria bater no pai e sacudir a mãe e acabar com os irmãos, nas horas de raiva. Não dava para esconder à louca. Ela faiscava em meus olhos e crispava-me as mãos nas mangas do desejo. E quando brotava toda desgrenhada, assim do nada, cantava canções do Chico?
“- O que será que me dá, que me bole por dentro será que me dá?...”
Mas... Devo confessar que não posso deixar que se vá... Não posso! Ela faz parte de mim. Assim como me assombra me joga na ação! Dá sabor sempre novo a tudo que faço e me faz sentir o mel das delicias nos frutos da vida. Preciso da louca! Sem ela como vou temperar meus poemas ou arriscar arrancar alguma forma de uma argila bruta? Preciso de sua força, do seu fogo, de seus delírios, de suas pinceladas ao meio dia e de seu canto no meio da noite. Deixo então que me circule pela corrente veloz do sangue. Sem ela não serei suficientemente lúcida para perceber que a melhor coisa da vida é um pouco de loucura!

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