domingo, 15 de junho de 2008

a história de Helena

Maria J Fortuna

Era uma linda cabocla que se chamava Helena. O Juiz dos Órfãos a conduziu a casa do Coronel Matos. Fora escolhida pelo Escrivão Federal para aquela casa. Era de praxe conduzir as meninas órfãs à casa das famílias para trabalhar como domésticas. Por um prato de comida passavam toda a vida ali, servindo aquelas pessoas. Não havia nenhuma remuneração.
O Coronel Matos era pai de doze filhos e filhas no nordeste do Brasil. E isto se deu no inicio do século XX, em 1909, quando as famílias acolhiam estas menores.
A desigualdade social era como sempre foi – gritante! Um tumor que ninguém ousa espremer, desde aqueles velhos tempos. Não se falava em punição para o trabalho infantil. Ali não corriam risco de se prostituir, mas havia os filhos dos coronéis... As meninas, muitas vezes eram obrigadas a iniciá-los no sexo. O que para a família era muito normal...Com isto eles não corriam risco de doenças venéreas. Quando isto acontecia todos permaneciam em silencio. Afinal era uma pobre menina órfã, nada mais! Não era moça de berço, moça de família...
O que se sabia dos antepassados daquela menina? De suas raízes? Onde estava sua família? Lembraria do colo materno e dos afagos do pai? Podia vestir os vestidos de tafetá e de renda das sinhazinhas da casa? Estudar, ser alguém na vida?
Desde o inicio foi tratada como pequena escrava. Não lhe foi dada a oportunidade de freqüentar escola. Ficou analfabeta. Fazia todo trabalho domestico. Lavar, passar, cozinhar, arrumar a casa, levar os filhos do Coronel para a escola. E cuidava dos menores.
Helena tinha 15 anos quando um dos filhos do Coronel começou a engraçar-se dela. Menina clara, de olhos castanhos amendoados e longos cabelos lisos, era um tipo de beleza! Botão em flor que não podia freqüentar os saraus de piano e poesia do casarão. Raspava velas no chão para que as sinhazinhas, com seus vestidos de cambraia filigranados por lindos bordados, valsassem com seus pares moços de família. Todos ignorando completamente os sofrimentos da menina.
O filho do Coronel a cortejava secretamente. O que lhe dava a idéia de que estava sendo amada por um príncipe! Era seu segredo. Afinal antes dele desconhecia completamente o que era caricia. O calor de um corpo tão próximo ao seu. Nos braços do “príncipe” sentia a casa rodar como se tivesse dançando a valsa das sinhazinhas! Se ele a amasse tanto quanto ela o amava, não sabia como, mas não se separariam jamais! Com o coração aos pulos entregou-se ao prazer de ser sua mulher. A família fingia não ver o que acontecia. A hipocrisia freqüentava aquela casa como o fazia em toda sociedade maranhense.
Desonrada e ainda devendo o favor de ter sido acolhida por caridade cristã, Helena engravidou. Nenhum rapaz iria olhar mais para ela. Moça é como rosa, dizia o Coronel às filhas, uma alfinetada em uma de suas pétalas nunca mais será a mesma.
Com o tempo o botão em seu ventre tornou-se evidente. O silencio era quebrado, de vez enquando, com alguns mexericos familiares. Mas todos sabiam quem havia maculado Helena. Todos sabiam quem era o pai de sua criança. O cretino do rapaz fingia nem ser com ele. Nunca mais os carinhos e promessas de antes...
Humilhada e sozinha, Helena, continuava sua rotina do dia a dia sem dizer uma só palavra. Era prudente não fazê-la confessar quanto à paternidade do bebe. Quanto menos a família sabia, melhor. Assim o rapaz não teria que reparar seu erro. Imagine casar com uma órfã que veio trabalhar em sua casa, um moço de família tradicional... Também ninguém apareceu para resgatar sua honra, como é de praxe nas chamadas famílias do bem nascidos.
Brota uma menina de outra menina. Pelos cantos da casa o cochicho era constante... A criança era a cara do pai! A mãe da família havia também parido. Então Helena tinha que se dividir entre cuidar da filha e da Sinhá que estava de resguardo. Mas quem era ela pra ter resguardo? Com isto quase não tinha tempo para curtir seus momentos de mãe. Amamentar e ninar seu bebê a quem colocou o nome de Rosário.
Quando a criança estava maior, o pai não podia vê-la sem rejeitá-la com palavras e atitudes. Chegou a bater na cabecinha da criança com uma gaiola de passarinho. Chutava e dava-lhe beliscões.
A família foi muito admirada pela sociedade maranhense. Pela caridade de acolher uma moça que havia se perdido, com sua filha em casa.
Um bom homem solteiro, com ajuda das irmãs, todos já idosos, adotaram Rosário que recebeu uma educação esmerada! Formou-se em professora e tocava piano muito bem.
Quando se tornou uma moça, apaixonou por um dentista casado. Com a assídua freqüência ao consultório acabou por entregar-se a sua paixão. Com isto engravidou debaixo dos bastidores como aconteceu com sua mãe. Só que Rosário, apesar de filha do pecado de uma serviçal da casa do Coronel Matos, apesar de marginal, havia conquistado alguma posição na sociedade. Pela educação esmerada que havia recebido.
Cresceu um pânico gelado em seu coração. Que desgosto daria a sua mãe e aos seus preceptores... Que vergonha, engravidar de um homem casado! Não havia saída para ela! Rosário comprou formicida e partiu para o interior. Desconheço até que ponto o dentista sabia o que se passava.
O formicida tirou a vida da mãe e da criança. Foi-se o fruto verde de um amor impossível!
Helena, ainda tão nova e bonita, vestiu-se de branco e nunca mais usou vestido de outra cor. Um sopro de verdade, por algum tempo sacudir o véu da hipocrisia! Houve consternação. Mas ninguém ousava dizer que a falecida, em estado vergonhoso, era neta do Coronel.
O destino do Coronel, pai da moça não foi de muitas flores. Apesar de por dez anos noivo de sua prima, seduziu uma pequena atrevida, no interior do Maranhão. Naturalmente, como fez com Helena, achava que não teria conseqüências. Mas a moça era de família pobre, mas honrada. O irmão da moça procurou o Coronel e exigiu reparação.
Teve que casar com aquela mulher autoritária, ambiciosa e nervosa. Era o que se podia chamar jararaca, com sua falha de dentes na arcada superior e o corpo cheio de jóias. Controlou a vida do marido e dos filhos oprimindo-os pelo resto de suas vidas.
Mas o marido, pai de Rosário, filha de Helena, morreu chamando por seu nome.

2 comentários:

O Profeta disse...

Sou!? Serei apenas um desalinhado?
Pensador fugitivo ao agreste sonho
Uma pedra pensante no meio da ilha
Meio Homem, meio Arcanjo, um ser bisonho


Boa semana


Mágico beijo

Eliane Accioly disse...

Parabéns pelo niver do blog!
Que ele cresça forte e saudável,
trazendo muitas alegrias a todos nós, reflexões...arte...brincadeiras e risos.

Beijos

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Sou alguem preocupado em crescer.

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