quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Um anjo sob escombros










Maria J Fortuna

Noite passada, sonhei que estava numa cidade estranha, onde havia muitos destroços, dores, gemidos... E dei com um anjo de luz, mas com asas negras, que emergia dos escombros. Fiquei cismada o dia inteiro quando, à noite, a TV noticiou a grande catástrofe e, nela, a morte de Zilda Arns, no Haiti, dentro de uma Igreja, dando palestra. Imediatamente, liguei o sonho ao acontecido.
Naquele momento, fiquei muito tempo sem saber o que fazer ou o que dizer, e até o que olhar, tamanha a perplexidade! Meu coração ficou apertado como se fosse torcido feito um pano de limpeza. Uma terrível sensação de impotência me veio. Numa segunda notícia, soube que Zilda Arns havia morrido no meio dos escombros. No mesmo instante, a imagem daquele anjo me apareceu em forma de um sorriso que, para bem da verdade, sempre me intrigou. Tipo sorriso de fada, assim todo cor de rosa e de uma leveza que dava inveja a santo. Como, em tempos idos, fundei em Belo Horizonte um Posto Especial de Pediatria (PEP), para crianças desnutridas no ex INAMPS, este fio da rede sempre me ligou a ela. Para mim, foi muito difícil a missão de recuperar crianças muito carentes e que, alguma delas, poderiam ser marginais de amanhã. Lutar contra a ignorância , o desânimo, às vezes um desespero mudo daquela gente, sempre foi, para mim, um desafio enorme! Só nos era permitido atender crianças desnutridas de primeiro e segundo grau. Algumas já cegas ou com os neurônios comprometidos pela desnutrição. Seriam crianças limitadas, com problema de aprendizagem. Confesso que a visão do futuro daquelas famílias desestruturadas pela carência de tudo, me deixava com o velho sentimento de impotência! Hoje esta criança está sendo atendida, mas... E o amanhã? Zilda não pensava no amanhã. Ela era um anjo, que perdeu as asas para voar com o coração. Não importava o que aquelas crianças seriam no futuro. A emergência estava no “aqui e agora”. Importava, para ela, ser fermento na massa, como Charles de Foucauld o foi, até ser assassinado no deserto. O que importava era estar ocupada em passar para aquelas crianças a ternura de Deus.
Ah! Doce mistério que vem da alma dos amigos de Deus! Aquele que transforma vísceras em poema, luto em ressurreição! Quando vou beber o vinho dos que são realmente pacíficos? Quando vou descobrir esta essência tão essencial?
Na balança improvisada no meio do sertão, um bebê é pesado, amado, acolhido. O trabalho de Zilda deu muitos frutos! A identidade maior daquele ser era sempre reconhecida por Zilda, que o abraçava, incensando-o com seu carinho como se tivesse o menino Jesus em seus braços. Ela não se perguntava o que iria acontecer, mas exultava com o que estava acontecendo: aquele serzinho ganhou mais um grama! É o que interessava. Ali estava uma semente a ser cuidada, e se recebesse amor, teria o ingrediente suficiente para crescer e dizer sim à vida, apesar de tudo.
Refletindo agora no que falou seu irmão o Cardeal Pedro Evaristo Arns, ao saber de sua morte, sobre a esperança, descubro que o segredo daquele sorriso era a expressão desse sentimento tão indispensável ao ser humano!
Não dá mais para a gente se encontrar, Zilda, mas, apesar de tudo, você me deixou este recado. E eu lhe agradeço profundamente.

6 comentários:

MJFortuna disse...

Minha amiga Eliane Accioly me enviou o seguinte comentário:

Tentei publicar no blog e não consegui.
De sua crônica:

Querida Mariinha,

estava pensando em você e Zilda Arns,
abro o computador e leio sua crônica.
Foi um sonho premonitório.
Você estava muito próxima a ela.
Fico sem palavras.
Um beijo e amor,

Eliane

http://elianeacciolypsicanalisearte.blogspot.com/
http://elianeaccioly.blogspot.com/

MJFortuna disse...

PARA ESCRITORA: MARIA DE JESUS FORTUNA
COMENTÁRIO: Maria, acabo de ler sua crônica \"Um anjo sob escombros\" e gostei demais. Não mandei comentário por lá por não querer meu email em aberto. Assim, vim até aqui. A morte da Dra. Zilda me tocou demais também, mas sua crônica deixou-me uma grande lição. Ela realmente era um anjo, um ser especial. Bem, tenho lido suas crônicas, a escritora nordestina que é mais belorizontina do que eu que nasci em BH. Seu amor por BH me chamou a atenção, mas me lembro um pouco de você lá, nos encontramos um dia através de Vandi Figueredo, se não me falha a memória. Lembra-se de Vandi? se você confirmar, realmente nos encontramos um dia no Júlia. Seus escritos estão nos meus favoritos. Gosto de ler suas crônicas. A tristeza que o Haiti nos mostra e a ida de Zilda, me parece uma lição a dar frutos nesse cáos do planeta globalizado... o mundo todo volta o olhar para lá e reflexões serão feias, com certeza. Abraços, Norália

MJFortuna disse...

Joana me encaminhou este comentário:

Uma das mais belas crônicas; tocou minha alma profundamente. Obrigado por este momento de amor. Bjs na alma
"Que todos os seres sejam felizes e vivam em paz! Joana Passos

MJFortuna disse...

Recebi por email da minha amiga Georgina carioca que mora em Curitiba

Palmas para esta maravilhosa crônica
bjs Georgina

Artes e artes disse...

Maria do Céu por email

Gostei muito da crônica a respeito da Dra. Zilda Arns. Sensata, sensível e bonita, como todas as suas criações. Obrigada pelo privilégio de receber sua poesia.
Beijo Carinhoso de fraternura.
DoCéu

Luciana Tannus disse...

Olá amiga e poetisa Mariinha:

Belíssimo o seu texto sobre a Zilda Arns. Realmente, ela nos deixa uma lição até no seu último momento de vida em ação, pelas crianças pobres e menos favorecidas.
É uma pena que pessoas como ela não ficam para sempre germinando o bem. Talvez seja egoísmo de minha parte desejar isso; mas, é que o mundo está tão infestado de coisas ruins, que as poucas que restam, nos é tirado de forma tão abrupta e cruel.

Um abraço querida.

Você faz parte de lins interessantes em meu blog: www.lucianatannus.blogspot.com

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