Maria J Fortuna
- Quero meu pipo, gritava a criança no colo do irmão mais velho. - A barata fez coco nele todo, que pena... Olha!O menino grande apontava para o objeto em cima da geladeira. Pipo é nome de chupeta no nordeste. Especificamente no Maranhão.
- Pega ele! Gritava a criança, aumentando o volume de choro.
- Assim mesmo, cheio de coco de barata?
- Não! Não quero, gritava mais alto, a menina em desespero, decepcionada com o que via.
- Então deixa o pipo aí, falava o irmão mais velho.
- Mas eu quero! Insistia a menina.
- Cheio de coco de barata?
- Não quero não! Soluçava bem alto a criança.
Já estava roxa a pequena de tanto chorar e a vozinha já rouca. Até que começou a ficar com sono e se rendeu a ele, exausta.Ultimamente aquela cena era cotidiana. Hora de largar a chupeta. A mãe havia pingado cera de vela naquela borracha macia. E quando a repugnância venceu a vontade mastigar a chupeta , uma forte anorexia abateu a menina. Às vezes, comia arroz com manteiga. Era só. A enurese também se manifestou. Passava as noites dormindo em rede, com uma enorme bacia embaixo, para aparar o xixi noturno. A menina, às vezes, chegava a sentir a aquela aguinha morna saindo dela. Depois, ficava muito frio. Não havia Papai Noel que a fizesse parar de urinar na rede. Ela foi apelidada pelos irmãos de Maria Mijona.Foram momentos dramáticos aqueles! Mas o que é um pequeno objeto de satisfação oral para uma criança? Por que retirar daquela forma perversa seu primeiro deleite oral? Diversas vezes, Maria procurava sua chupeta camuflada e repelente. Havia um clima de sado-masoquismo no ar. Havia sempre espectadores na hora do suplício! Uns olhavam com cara de dó; outros de maldade mesmo. Alguns riam e outros tentavam confortar a menina.De qualquer maneira a garota parecia inconsolável, porque quem sempre a consolava era a chupeta.Eu disse quem porque aquele objeto de plástico, com uma borracha macia na ponta, representa para um número significativo de crianças , principalmente as mais solitárias, o substituto materno. A chupeta acaricia-lhes a língua, descobrindo o macio no céu da boca, onde maravilhosas cosquinhas embalam seus dentes recém-nascidos e lhes adoçam a saliva. Principalmente quando a mãe se declara “seca” e nunca lhes dá o seio. É como peixe que se contenta com aquário, quando na verdade amaria viver no oceano.A menina cresceu e ficou sabendo de como seu pipo foi sabotado. Mas era muito tarde! Aconteceram relacionamentos afetivos em sua vida, mas todos marcados pelo mesmo padrão – queria amar, mas repugnava o objeto de afeto. Era patético! Não sabia o que fazer para conservar seus relacionamentos. Teoricamente sabia o que estava acontecendo, mas não tinha sossego para ser feliz.Atração e rejeição simultâneas. Tocada por alguma coisa que não queria desenterrar e que lutava para emergir e era imediatamente sufocada. Mesmo que quando tocada por algo de bom que a memória aprova. Algo como o cheiro, a textura, o toque que dá sabor às coisas a sua volta. Imaginem... Todo o universo explodia em sua boca em ondas de prazer, trazendo o instinto de vida, e alguém diz que aquele objeto responsável por tanto aconchego, era uma coisa suja, fedorenta, atolada na podridão! Como lutar contra o sentimento de perda que se repetia invocando a perda original? Não havia, nem de leve, a consciência de que as perdas sempre trazem um ganho. Nem que seja este o preço do amadurecimento. Mas nada que nos empurrem goela abaixo pode ser bom.Agora estava ali, sem saber como sugar o leite da vida. Engolir a sensação de vômito no desejo do seio infectado. E retirar os lábios cheios de prazer, do mamilo contaminado por fezes de barata. Amar e rejeitar o objeto de afeto! Arranhando as seringueiras da vida que dão leite de borracha, querendo cuidar de uma gata prenha para ter prazer de ver os filhotes sugando-lhe as tetas. Com uma sensação de ausência, de buraco negro, de vertigem das alturas.Com sensação de infinita incompletude. Coisa esquisita o que uma chupeta com coco de barata é capaz de fazer com a gente...
2 comentários:
Querida Imãmiga.
Sua sensibilidade, doçura e cuidado para tratar de algo tão delicado e tão precioso, me comove.
Me fez lembrar de uma menina Maria, lá em em São João Evangelista-MG, que chupava pipo - lá chamam de bico.Foi quando ela aprendeu a mentir para sobreviver.Ela o escondia debaixo do colchão.E, à noite, escondido, o chupava.
Com carinho,
a irmãmiga, Lulude Queiroga.
Não consegui postar no blog
Querida Amiga,
me emocionei ao ler "A chupeta". Muitas vezes no consultório nos encontramos diante de casos que dizemos entre corredores: "Este é ontológico". O embuste, a anorexia, a cegueira "do mundo/família". Você vai fundo e me toca nas entranhas.
Grande beijo,
E
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