domingo, 13 de março de 2011

Tsunami




Maria J Fortuna


Desde pequena nunca ouvi falar dos terremotos no Japão. Para mim era um país tão distante que mais se escondia nas asas do sonho... Era quase atração turística passar pela casa dos japoneses que moravam em São Luís do Maranhão. Um dia dei de cara com um. Foi difícil perceber que aqueles olhinhos oblíquos, escondidos lá no fundo da cavidade ocular, estavam realmente me olhando... Sensação esquisita de que aquele menino não era um menino, mas uma espécie diferente de gente. Lembro-me bem disso.

O tempo passava e a mesma impressão se repetia: o menino de olhinhos quase fechados podia estar me olhando, mas eu nunca tinha certeza. Será que sentia o que eu sentia? Pensava pelo menos parecido com o que eu pensava? Será que chorava se lhe xingasse ou batesse? Como era a vida daquele menino amarelo? Ele era uma surpresa maior do que a menina ruiva, da minha rua, que comia maçãs na janela. Primeiro que maçãs eram raras no nordeste; outra que ninguém tinha cabelos vermelhos por ali, na vizinhança ou na escola.

Até o nome do menino japonês era esquisito: Takamura. Isso é lá nome de gente? E como conseguia falar português de forma tão clara, sendo que seu pai trocava o r pelo s? Dizia cala, em vez de cara e falava Malia, em vez de Maria? O menino era uma verdadeira incógnita na minha cabeça de seis anos de idade. Nunca pensei que se fosse eu a viver no Japão, seria certamente a esquisita.

Mais tarde conheci Haromi, que era da minha sala no ginásio. Aí era diferente. Em primeiro lugar, era uma menina e ainda simpática e extrovertida, que conversava sobre coisas comuns a todas nós. Diferente de Takamura que devia se sentir diferente. Além do mais eu já estava com 13 anos.

Passado algum tempo, minha filha Fernanda conheceu uma japonesinha no Canadá, que se chama Mai e não sabia abraçar as pessoas. Mas Nanda lhe ensinou e ela ficou tão feliz que passou a chamá-la de “sister”. Até hoje é assim.

Agora as placas tectônicas estão se deslocando no oceâno pacífico e centenas de olhinhos apertados, de todas as idades, estão sofrendo os horrores do tsunami. Meu coração está triste como criança que se perdeu da mãe... Porque não posso fazer nada. Onde estará o garoto de olhos puxadinhos? E Haromi, será que voltou para o Japão? E a Mai que aprendeu a abraçar as pessoas no ocidente? E as centenas de mães e pais, avôs e avós? E as pessoas jovens, e as que estão enfermas, e outras que são deficientes?

Amarelos, brancos, negros, índios, estamos todos sujeitos às intempéries. É hora de esquecer as aparências, os antigos conflitos de raça, religião e outros tantos preconceitos que separam os povos. Não só nas catástrofes podemos ter compaixão e sermos solidários. A solução é dizer sim à unidade e não a separatividade.




3 comentários:

Amo Poetar disse...

Mariinha querida, de tragédia em tragédia vamos vendo a nossa pequenez, mas..... acredito eu que a terra ainda muito vai se mexer, mechemos demais no eixo da mãe natureza, nossa vaidade, ambição, sede de posse e conquista, sempre dão seus frutos, quem sabe daqui mais 2000 aninhos,nós, os chamados "humanos" aprendamos o Respeito a humildade, ai não será mais necessário desencarnar pr ver o paraíso. Muitos beijos, mony

norália disse...

Maria de Jesus, sua crônica de hoje muito sensível e cheia de tristeza, mas real.
Uma bonita crônica.
Parabéns.
Norália

MJFortuna disse...

Em 19/03/11, Maria Helena Lyrio de Araújo escreveu:
realmente como sempre sua crônica muito comovente. Uma cultura
distante, diferente, mas irmã.
Pois é amiga...20102chega já.
França atacou a Libia....Que guerra estranha. Matar porque lá estão matando...
E a nuvem de radiação caminhando pelo planeta...
Sei não...
|Lembra da ultima professia de Fátima?

Lena

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