Maria J Fortuna
Talvez as portas daquela casa nunca tivessem trancas. Sei que várias pessoas passaram por ela, meio que indiferentes. Talvez a pintura externa não agradasse ou a arquitetura deixasse a desejar. Mas, logo após sua construção, abrigou muita gente! Muitos estiveram por ali e a casa foi lar de muitas esperanças. Tanto é que, quando novinha, as pessoas só entravam, quase não saíam. E a casa era feliz com aquela gente se remexendo dentro dela. Era comum trazerem flores para enfeitá-la. Escancarava suas portas o mais que podia e dava boas vindas a todos! Um dia foi assim.
Tempos depois, deu-se conta de que as flores trazidas por aquelas pessoas, nem sempre eram belas e perfumadas. Em pouco tempo eram jogadas no lixo. Então, o jarro que ornamentava a sala, ficava, muitas vezes, vazio. Deu-se conta, também, que espinhos costumam durar bem mais que flores, apesar de fazerem parte delas. Foi aí que resolveu se proteger. Deixar a porta meio que trancada. Um sentimento novo e incômodo deu inicio à questão: colocar ou não grades na porta e janelas. Resolveu que não. Não sem antes conhecer o seu verdadeiro dono. Aquele que a havia planejado com tanta exatidão de cálculos. Aquele que havia se inspirado para dar-lhe aquela forma, tão universal, e havia soprado nela.
Passaram-se os anos com tempo bom e algumas tempestades. A casa não era muito forte na construção, mas, de vez em quando, uma faísca de relâmpago caia lá fora e lhe causava tremores. Talvez os chamados terremotos. Com isso trincou algumas paredes. Mas a voz do trovão não a amedrontava. Pois estava acostumada com estranhos rumores... Dentro dela. Notou que, depois de uma festa, pessoas deixam más e boas lembranças e que isso acontece sempre quando muita gente se reúne, principalmente em bailes de máscaras.
Até hoje há gente que não respeita o silêncio que reina em seus corredores. Apesar de tudo é tão necessário que reine a harmonia nos diversos cômodos, para que possa ser chamada de morada. Mas há gente barulhenta, que nem pede licença para penetrar em seus espaços. Algumas molham o jardim, outras deixam as plantas com sede e a casa toda se sente seca. Mas há presenças que não incomodam e até acendem suas luzes quando chega a noite, tal como vagalumes amorosos! Vez por outra afagam suas paredes, acomodando-se confiantes, nas poltronas macias da sala. E além de lavar, carinhosamente, chão e paredes, ainda exalam seu perfume por toda a morada, que fica com cheiro de lar de si mesma. Para essas, a velha casa deixa-se visitar alegremente. Oferece os cômodos mais íntimos! Permite que lavem suas almas, muitas vezes cansadas, com água fresca, saída de bicas que parecem nunca estancar. Permite a abertura das janelas, para que os raios do sol as aqueçam no calor do afeto. Convida-as a deitarem-se nos confortáveis leitos de seus quartos, que são testemunhas mudas dos amores mais tórridos, dos momentos mais frescos e das lágrimas mais quentes, e tudo mais.
A maioria das presenças deixa ali algo que pode ser guardado no sótão ou no porão, que são muito escuros, cheios de lembranças em seus diversos baús. Ambos muito solitários... O sótão é pouco visitado, porque não interessa muito à maioria das pessoas esforço e risco de subir pela escada, para desvendar por lá coisas desconhecidas, que a casa oculta até de si mesma. Mas quem ousa fazê-lo vê, na transparência do teto, as estrelas, logo que a noite chega.
Há, porém ali um lugar especial, onde de tempos em tempos uma nobre dama, fora do tempo, encontra seu Amado. Este cômodo fica no centro da casa. Os sufis os reconhecem muito bem. Apesar das vestes diferentes, em repetidas ocasiões, são sempre os mesmos. Sentam-se para sorver o vinho mais precioso em cerimônia nupcial. Aí a casa se ilumina, as flores e folhas mortas ressuscitam, as cortinas voam e uma música sublime veste suas notas musicais mais translúcidas, envolvendo-a num amoroso abraço.
Depois disso, já cansada de tanto esperar pelo proprietário, a casa resolveu despejar pessoas e sentimento intrusos e ficar sozinha por um bom tempo. E esvaziou-se completamente.
Depois de várias noites de insônia, fez uma descoberta: a de que é hospede e proprietária de si mesma. E que não adianta esperar por ninguém para tomar posse dela própria. Assim, após esse reconhecimento e com os devidos cuidados, poderia abrir-se para os outros. Na verdade não é uma grande mansão, mas é a parte mais nobre do ser: o coração humano.
Tempos depois, deu-se conta de que as flores trazidas por aquelas pessoas, nem sempre eram belas e perfumadas. Em pouco tempo eram jogadas no lixo. Então, o jarro que ornamentava a sala, ficava, muitas vezes, vazio. Deu-se conta, também, que espinhos costumam durar bem mais que flores, apesar de fazerem parte delas. Foi aí que resolveu se proteger. Deixar a porta meio que trancada. Um sentimento novo e incômodo deu inicio à questão: colocar ou não grades na porta e janelas. Resolveu que não. Não sem antes conhecer o seu verdadeiro dono. Aquele que a havia planejado com tanta exatidão de cálculos. Aquele que havia se inspirado para dar-lhe aquela forma, tão universal, e havia soprado nela.
Passaram-se os anos com tempo bom e algumas tempestades. A casa não era muito forte na construção, mas, de vez em quando, uma faísca de relâmpago caia lá fora e lhe causava tremores. Talvez os chamados terremotos. Com isso trincou algumas paredes. Mas a voz do trovão não a amedrontava. Pois estava acostumada com estranhos rumores... Dentro dela. Notou que, depois de uma festa, pessoas deixam más e boas lembranças e que isso acontece sempre quando muita gente se reúne, principalmente em bailes de máscaras.
Até hoje há gente que não respeita o silêncio que reina em seus corredores. Apesar de tudo é tão necessário que reine a harmonia nos diversos cômodos, para que possa ser chamada de morada. Mas há gente barulhenta, que nem pede licença para penetrar em seus espaços. Algumas molham o jardim, outras deixam as plantas com sede e a casa toda se sente seca. Mas há presenças que não incomodam e até acendem suas luzes quando chega a noite, tal como vagalumes amorosos! Vez por outra afagam suas paredes, acomodando-se confiantes, nas poltronas macias da sala. E além de lavar, carinhosamente, chão e paredes, ainda exalam seu perfume por toda a morada, que fica com cheiro de lar de si mesma. Para essas, a velha casa deixa-se visitar alegremente. Oferece os cômodos mais íntimos! Permite que lavem suas almas, muitas vezes cansadas, com água fresca, saída de bicas que parecem nunca estancar. Permite a abertura das janelas, para que os raios do sol as aqueçam no calor do afeto. Convida-as a deitarem-se nos confortáveis leitos de seus quartos, que são testemunhas mudas dos amores mais tórridos, dos momentos mais frescos e das lágrimas mais quentes, e tudo mais.
A maioria das presenças deixa ali algo que pode ser guardado no sótão ou no porão, que são muito escuros, cheios de lembranças em seus diversos baús. Ambos muito solitários... O sótão é pouco visitado, porque não interessa muito à maioria das pessoas esforço e risco de subir pela escada, para desvendar por lá coisas desconhecidas, que a casa oculta até de si mesma. Mas quem ousa fazê-lo vê, na transparência do teto, as estrelas, logo que a noite chega.
Há, porém ali um lugar especial, onde de tempos em tempos uma nobre dama, fora do tempo, encontra seu Amado. Este cômodo fica no centro da casa. Os sufis os reconhecem muito bem. Apesar das vestes diferentes, em repetidas ocasiões, são sempre os mesmos. Sentam-se para sorver o vinho mais precioso em cerimônia nupcial. Aí a casa se ilumina, as flores e folhas mortas ressuscitam, as cortinas voam e uma música sublime veste suas notas musicais mais translúcidas, envolvendo-a num amoroso abraço.
Depois disso, já cansada de tanto esperar pelo proprietário, a casa resolveu despejar pessoas e sentimento intrusos e ficar sozinha por um bom tempo. E esvaziou-se completamente.
Depois de várias noites de insônia, fez uma descoberta: a de que é hospede e proprietária de si mesma. E que não adianta esperar por ninguém para tomar posse dela própria. Assim, após esse reconhecimento e com os devidos cuidados, poderia abrir-se para os outros. Na verdade não é uma grande mansão, mas é a parte mais nobre do ser: o coração humano.
2 comentários:
adorei a biografia de A Casa; e o casamento laquímico; só v. poderia escrever este texto.
Bjs
Obrigada, Eliane, de tão longe e tão perto...
Postar um comentário