quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

No Retiro das Pedras...









Maria J Fortuna
















Foto da Galeria de Claudio Greco



Outro dia, eu estava em clima de lembranças. Então, evoquei os dias ensolarados e brumosos passados no Retiro das Pedras. Onde fica esse lugar? Próximo à Belo Horizonte, em Minas Gerais, num condomínio fechado, onde morei no tempo em que o Brasil não conseguia respirar.

O verão por aquelas paragens trazia um sol convidativo aos banhos de cachoeira, onde jovens corpos nus mergulhavam no lago, aparando nos ombros as duchas refrescantes da queda d´água. No inverno, dias de neblina, sentia o ar puro penetrando-me as narinas como fumaça gelada. Dias nostálgicos com a bruma característica dos momentos frios e solitários que, com certeza, contribuíram para alavancar o processo de redescoberta de mim mesma. Eu estava tão enfumaçada quanto aqueles dias de inverno, quando o país sufocava com a ditadura dos anos 60.

Naquela época, o Retiro, como o nome mesmo diz, era um espaço sagrado como refúgio e propicio à reflexão. Eu ficava horas sentada numa pedra, no alto da montanha, sentindo o vento cortante da região esfriando-me o rosto, suspirando pela primavera. Aqueles momentos eram de paz. Fechando os olhos, ouvia a sinfonia dos ventos. Mergulhava na meditação que me fazia esquecer, por alguns instantes, a agonia daqueles tempos, embora o murmúrio do vento me dissesse das dores dos que sofriam, injustamente, nos cárceres deste imenso país pelo ideal de liberdade. Às vezes, dava um aperto no coração e eu chorava. As lágrimas eram condensadas com a bruma, misturando-se a ela. Quando abria os olhos, ali diante de mim estava uma das mais belas paisagens que eu tive oportunidade de contemplar! Mas eu estava fragilizada e, apesar da beleza do vale, cercado de íngremes pedras pontiagudas, eu via, no meio daquele mar de bonanças, formas ameaçadoras, que depois de alguns segundos, iam se harmonizando diante do meu olhar cansado. Isso porque o contorno das pedras pontiagudas em série fazia-me parecer que as montanhas enfeitadas por grandes escamas de pedras, em seus contornos, eram gigantes petrificados, vestidos de marrom e cinza.

Enquanto lá fora, na Capital, o clima de desconfiança crescia, ironicamente foi no Retiro que amei e me deixei amar num clima de verdadeira confiança! Isso foi durante uma série de vivências na comunidade espiritual que se formou espontaneamente, por seleção natural. Muitas vezes, nosso grupo se reunia na casa de um Mestre de yoga e ali discutíamos ideias e falávamos do insólito. Tomávamos sopa quentinha naquela pequena casa de alvenaria, enfeitada por trepadeiras floridas. Em dias de chuva, a conversa prolongava-se até tarde da noite. Então, havia chá com bolinho de soja. Tudo ao som de alguma música indiana, sentindo não só o perfume de incenso, mas também da verdadeira amizade. Algumas vezes, íamos a um concerto num pequeno teatro que um arquiteto construiu anexo a sua casa. Havia também um castelo medieval onde as crianças brincavam de reis e rainhas, concretização do sonho de uma senhora chamada Berenice. Por todo canto, brotavam lírios brancos e amarelos, assim como hortênsias e girassóis. Foi lá que conheci miosótis, uma delicada flor azul que tanto me encantou. Era comum ver árvores frutíferas naquela vegetação de cerrado e muitos pinheiros, cães de olhos bondosos, corujas escondidas nos galhos mais altos e pássaros cantores.Havia encanto no ar e magia nas noites estreladas, banhadas pelas canções de seresta como só em Minas existe. Muito adulto jurava que via fadinhas ou duendes brincando de ser criança. O clima era de encanto mesmo quando o coração estava triste. O silêncio era perfeito!

Um dia tive que sair do Retiro das Pedras. A despedida foi um baile à fantasia. Um casal que não pode ir à festa, ofereceu-me um jantar, do qual nunca mais esquecerei! Foi à luz das velas naquela casa que tinha cheiro de jasmim. Pequenas luzes tremulantes ocupavam cada degrau da escada que nos levava à sala de estar, onde pratos típicos alemães, alguns fumegantes, descansavam na pesada mesa de madeira cheirosa. Coloridas garrafas de vinho branco refletiam o lilás dos vasos de violetas. Na enorme janela de vidro transparente, avistava-se, além das montanhas, o vale e a lua, que derramava seu luminoso charme por toda paisagem! Ouvimos as mais inspiradoras músicas de Bach e alguns trechos do Parsifal de Wagner.

Num clima de lembranças, descubro o relicário que abrigo no coração e que me pulsa n´alma! O Retiro das Pedras os seus personagens com quem ali convivi me estão sempre presentes aos olhos da memória e desperto essas recordações quando a vida me faz caretas e os fantasmas de mau agouro aparecem. Então viajo para lá, onde quer que eu esteja!

2 comentários:

Anônimo disse...

Que belo e sensível texto, Mariinha!
Exala para nós, seus leitores, vislumbres dos amorosos perfumes que povoam a sua alma.
Um miosótis pra você!
Beijos

MJFortuna disse...

Maria do Céu por email:


Adorei a crônica que me transportou para o Retiro que era lindo, e semi habitado, praticamente vazio...
Dizem que hoje tem casa demais.
Não sei, não vou lá há anos.
Meu pai comprou, a prestação, um lote de 2 mil metros quadrados, quando houve o lançamento do condomínio.
Eu era pequena. Infelizmente, precisou vender, mais tarde.
Ficou ambígua sua frase " quando o Brasil não conseguia respirar" - por conta dos anos do regime militar...
Porque hoje, democracia plena, o Brasil sofre de outra dispnéia....
Aliás, o mundo dito civilizado não respira. E o não civilizado também não, no caso ...pela falta de tudo...
Infelizmente a tragédia é DEMOCRÁTICA.... Verdade?

Adorei vê-la na REBRA. Parabéns! Você merece estar lá!
Isso dignifica e engrandece a condição feminina. E a gente fica orgulhosa, porque tira uma "casquinha" : " eu tenho uma amiga que está lá "Não é assim que a gente fala, quando o assunto vem a tona?
Beijos carinhosos, Cecéu..

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