sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A escultura




Maria J Fortuna

Era o último dia de aula e eu estava plantada ali, boquiaberta, diante do homem de pedra, sem saber bem o que acontecia dentro de mim. Admirava aquele gigante branco, que estava quase pronto a ser aquilo que seu autor desejava. Rosto suave de traços finos, olhos fundos, boca entreaberta, contrastando com braços fortes, musculosos, onde apareciam veias como serpentes quietas, harmoniosas, percorrendo todo aquele imenso corpo de pedra. Aquelas mãos enormes, másculas, que insinuavam proteção, ajuda e sensualidade. Os pés despojados, descalços e, como suas mãos, mostrando reentrâncias misteriosas... Peito largo, que parecia guardar a fonte luminosa de onde saiam braços e pernas fortes naquele másculo corpanzil de nádegas perfeitas. O movimento era de quem estava em busca de algo... Senti o cheiro do profano no sacrossanto ato de criação..
Grandes esculturas de forma humana sempre me provocam medo, desde que eu era criança. Muito infantil, mas verdadeiro. Dependendo também do tamanho de cada uma. O que relato se passou na Escola Guignard, em Belo Horizonte, onde eu fazia um curso de pintura. Aquela obra, para mim, ficou anônima, pois logo viajei e não retornei à Escola. Ficou a lembrança da percepção daquele momento... A surpresa, o velho medo, o respeito... Além da mensagem do anonimato. Aos meus olhos, a alma do autor circulava pelo másculo corpo de sua obra a partir do peito viril daquela escultura. Ou seria autora como Camille Claudel? Mais ainda quando ela se fragmenta. À medida que isso acontece, aumenta seu mistério. Seduz mais... Fica intrigante, às vezes desconcertante. Mas não gosto quando ela se transforma a ponto de fugir da ideia original. Talvez pela intolerância ao que foge, sem dar notícias...
Naquele momento viajei pela agonia da criação, muitas vezes cheia de ansiedade. Imaginei as mãos procurando a forma, o suor escorrendo e se misturando à matéria prima. Uma obra que, como nós humanos, pode ser destruída em instantes.. Basta que o criador deseje interromper sua existência. Num acesso de cólera, como aqueles que vinham da alma inquieta de Rodin. Invisibilidade deixa-me reflexiva...
Quantos artistas maravilhosos piscam aqui e ali, como estrelas no firmamento, sem chance de serem descobertos e reconhecidos? Vieram-me Os profetas de Aleijadinho. E as imagens da Paixão de Cristo, que assombravam a menina medrosa que fui.O homem de pedra me fez pensar... Grandes artistas que, pela sua luz, foram escolhidos, trazem a mensagem do Desconhecido. Não há obra de arte sem Desconhecido. E é Ele quem se manifesta do núcleo à mandala das artes, através da alma humana que, ao criar, projeta sua obra no mundo. Aí está o sentido da transcendência!

3 comentários:

norália disse...

Amiga, nesta crônica você me pegou: tenho medo assim também. Só que em Rodin, por ter trabalhado muito em mármore e em peças pequenas, este medo diminui...mas, quando vejo Carlos Drumond, sentado num banco de praia, alí estático: fujo tremendo de medo.
Ou quando vejo a estátua de Roberto Drumond ou da poeta Henriqueta Lisboa na praça em BH, tremo de medo, me arrepio toda. Não gosto destas estátuas espalhadas pela cidade. Só a da Vaquinha numa rua da Savassi... Sua crõnica me tocou e me fará refletir o porquê dos meus medos. Talvez o medo da morte. Assim, prefiro escultura abstradas ou pinturas de corpos humanos...

Amo Poetar disse...

Emocionante seu depoimento de arte e sentimentos.
Faz com que o leitor sinta em sua alma um arco-íris de emoções, ligadas a, viver, criar, sentir e tudo isto transmitir.Obrigada Amiga querida, bjs, mony

MJFortuna disse...

Maria Elvira Napoleão, por email:

Querida amiga
Cada vez mais me encanto com a sutileza e delicadeza de seu
blog.Transparência de uma alma límpida. Vc busca no seu coração toda
beleza existente, aflorando em belas palavras,não há ninguém que não
possa se emocionar.Obrigada por ter te conhecido.
Um ano novo com muitas bençãos é o que te desejo.
Bj no coração.
Maria Elvira

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