Maria J Fortuna
Em nossa sociedade de correrias e
consumos, conhecemos fome, sede, cansaço, sono, mas não reconhecemos o quanto
precisamos “relaxar e gozar”, ditado muito em voga. A percepção do corpo fica reduzida à
racionalidade, ou simplesmente não temos tempo para isso. Afinal, estamos
levando a vida a sério, com muito trabalho, ou só nos permitimos senti-la sob o prisma da necessidade e da
racionalidade. E, muitas das vezes, se torna proibido o mergulhar nas boas
emoções do dia a dia, vivendo na pele os sentimentos benfazejos. O
corpo é estimulado sem necessidade ou é ignorado, como se pudesse
resistir a todas as situações dolorosas que nos aparecem sem percebermos por
inteiro como é: frágil, mas livre e
solto como o queremos.
Fechar os olhos e sentir a
respiração, batimentos cardíacos e sons que vem de dentro e de fora, é sentir
intensamente o mundo relacionado com o corpo e ele para com o mundo. A
percepção reduzida pela racionalidade traz esgotamento e muito cansaço... O eu fica tão exausto, que se esconde nas
brumas do indiferentismo. E os anos se
passam, sem que a gente viva as quatro estações do corpo: primavera (infância),
verão (mocidade), outono (maturidade)e inverno (velhice), com a intensidade e
conforto que a vida merece. E todas
essas estações são tão belas, que só através dos corpos existem e se
entrelaçam. Corpos cheios de células pensantes, que trazem antigas memórias em
cada uma das suas células. Mas conhecer o corpo não é apenas numa aula de
anatomia, mas cada um de nós percorrendo seu próprio caminho como nos indicam
vasos e veias, que nos levam ao coração.
Uma experiência, que jamais pude
esquecer, foi quando trabalhei na ginecologia de um Posto de Saúde em Belo
Horizonte. Nenhuma daquelas mulheres sabia o que acontecia com seus corpos quando
menstruavam, geravam filhos e como chegavam à menopausa. Quando trabalhei na
Fisiatria, nenhum homem sabia como seus músculos e ossos chegaram ao
catastrófico estado de saturação. Mas o corpo é um desconhecido para muita
gente... Não importa a classe social ou o grau de instrução.
É considerado louco aquele que tem tempo para
se sentir. Aquele que para tudo, num dado momento do dia ou da noite, escuta as
batidas do seu próprio coração, tateia os movimentos da respiração, que recolhe
e expande o corpo como numa coreografia de Martha Graham. Como podemos dançar
e celebrar se não temos corpo? Se fechar
os olhos e senti-lo é considerado coisa de gente exótica, diferente, meio
maluca? Em alguns momentos é bom deixar que essa loucura nos construa e desconstrua,
libertando-nos dos laços da censura sem fundamentos e dogmas, que amordaçam a
alma. Ela tem esse dom, a loucura.
Reconhecemos, então, que corpo e
espirito não se divorciam, a menos que a consciência nos escape, mas de forma
uma permita a expansão da criatividade
no bailado ininterrupto da vida. Aí a
realidade e o sonho podem viver de mãos dadas, em comunhão.
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