sábado, 18 de maio de 2013

Os olhos da menina



Maria J Fortuna
 
A menina tinha um olho triste, outro alegre.  O olho triste  era mais fechado, via as misérias do mundo sem derramar uma lágrima! O alegre mais aberto, coloria o que via o triste, a fim de ajudá-la a suportar suas dores. Usava, para isso, todas as cores do arco-íris!  Mas o olho triste continuava a enxergar tudo preto e cinza.   Era difícil viver com aqueles olhos contraditórios, que ainda mais eram um pouco estrábicos! No entanto, era sua sina. Não dava para eliminar um e deixar o outro. Ambos estavam gravados tanto no rosto com no coração.
Ela, a menina, nasceu com aqueles olhos e ia morrer com eles. Eram gêmeos univitelinos.  Mesclavam tudo que viam e a cor do mundo se confundia  dentro deles.   Tanto através do esquerdo quanto o direito. Assim continuava a observar o mundo com dor miscigenado de amor.
Seu jeito de olhar era intrigante, assim como a cor das íris negras dos olhos da menina tão clarinha, um pouco buliçosa, um pouco detença, que não chegava a preocupar os adultos. Que ficassem pra lá nesse mundo sufocante que ora se espreguiçava, ora se debatia à sua volta, pensava.
 Tinha gente que dizia que ela parecia um anjo. Outras um demoninho sonso, disfarçado na figura de criança. Não era bem assim... Aquele paradoxo se manifestava de forma diferente, atendendo aos apelos dos descoloridos olhos da alma, bem mais sensíveis do que suas pupilas.
Bem cedo teve que escolher qual dos olhos mostrava a verdade do que via. O olho alegre celebrava a luz do dia; o triste, as trevas da noite. O alegre comemorava a paz no mundo,  o triste abominava a guerra.
Desde cedo, a pequena observava as pessoas com muita perplexidade, porque o olho alegre era cheio de esperança, mas o triste a fazia acreditar que não havia possibilidade de transformação nas pessoas e coisas ruins. Por isso, o falso se confundia com o verdadeiro e ficava difícil para a cabecinha e, principalmente o coração, distinguir uma coisa da outra. Não queria acreditar no que o  olho triste lhe dizia. Mas ele estava aí, era seu,  e não podia rejeitá-lo. Seria também um agente de defesa pessoal.
Mas a criança vivia confusa em sua própria natureza. Algumas pessoas da família diziam que ela vivia voando, não aterrissava de jeito nenhum!  Até que resolveu escrever em seu caderno pautado da escola quase tudo o que enxergava de bom ou  ruim: luz e trevas, falso e  verdadeiro. Conseguiu tintas e pinceis e começou a pintar sentimentos, colorindo seu mundo! Tingia uma pessoa de azul, quando era boa, amarelo quando iluminava,  verde quando sonhava. Daí por diante, até o vermelho da raiva e da paixão, o roxo do medo, entre outras.
E as cores se confundiam. Mas sabia que juntando todas elas tinha como resultado o preto, que contém, silenciosamente, todas as cores, e o branco que as reflete. E viu que o mundo era assim: metade luz, metade trevas. Ninguém, para a menina, passou a ser totalmente bom ou mau. Ruim mesmo seria os sem cor ou os  mal coloridos.  Penoso era ter visão unilateral, se possível fosse.
 

4 comentários:

Ernesto Castanha disse...

Olá ...
Como sabemos os olhos de menina , são duas vezes , nova e idosa ..!

Abraço e tudo de bom

Ernesto

MJFortuna disse...


1..











Daufen Bach, no Facebook

Maria J Fortuna possui textos belíssimos, sempre a leio, sempre a acompanho. Além de autora, também é artista plástica, a imagem é a fotografia de um quadro dela! Lindo início de noite Maria de Jesus!

MJFortuna disse...



Eliana Angélica de Sousa, por email:


14:03 (1 hora atrás)

Está dito, ela era anjo e demônio ao mesmo tempo! Amei a ternura, a beleza e a suavidade com que você expressou tema tão profundo e complexo.
Parabéns!
Bjs.

MJFortuna disse...





MARIA DO CÉU RIPOLI, por e-mail:


22 mai (2 dias atrás)

Adorei!

Que idéia mais criativa! Continue inventando estórias para nos entreter e ensinar filosofia ....


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