Maria
J Fortuna
Ana Flor não sabia das maldades do
mundo... Sempre foi uma doce criança, até velhinha! Um dia ela me revelou
porque era tão gentil com as pessoas, bichos, plantas e até com os minerais.
Observei o jeito com que manuseava carinhosamente as pedrinhas coloridas
que colhia aqui e ali. Dizia ela, que alguém lhe falou que somos
espíritos, e que no mundo espiritual, se a gente toca em alguém com desamor, a
alma do tocador vai murchando tal qual planta velha, e não vê mais a Luz nem o
sol. Nem a luz do sol. E que, se existem tantas guerras é porque o coração do
ser humano virou pedra e não ouve mais música, não sente mais calor, não vê
mais beleza. Por isso ela não sabia mais o que fazer quando seu próprio coração
ameaçava expulsar alguém com muita força! Então ela repetia: - Sou Flor, sou
Flor, sou Flor! E voltava a ser gentil consigo mesma e com os outros.
Conheci Ana Flor numa sala de
artesanato no Ambulatório Psiquiátrico em Belo Horizonte. Ela me chamou atenção
porque gostava de fazer flores e estrelas com retalhos de pano e sempre me
sorria quando eu vinha pela porta adentro. Nunca havia se casado porque temia
que o candidato a companheiro de vida não aceitasse que ela não gostava de
briga, dizia. E só encontrava homens que por nada agrediam os outros.
Na época, ela já estava com mais de setenta, mas não gostava de falar
sobre seu passado. Então, nunca soube sua história de vida. Fisicamente
ela se parecia com certa índia que me lembrou Jacuí, uma aborígine que havia
casado com um homem branco e cuja foto vi numa revista quando era
criança.
Sempre que podia, eu tomava direção da
sala de artesanato para escutar Ana Flor e aprender com ela sem que os demais
clientes do Ambulatório percebessem meu interesse. Um dia ela me falou do seu
desejo de morar nas estrelas. Que por lá tudo devia ser muito bom. Não
mencionava uma estrela só, ela queria morar em várias, para poder conhecer e
experimentar as novidades que continha cada uma delas.
No encontro com minha nova amiga,
eu descansava a mente e o coração, viajando pelo surreal. Ela tinha domínio sobre
o sonho, que transgredia a verdade sensível e a razão, que se encontrava muito
mais além... De outra feita, falou-me que o brilho das estrelas é devido
a uma água fluorescente que ilumina o céu e que nela existiam peixes dourados.
Por isso, dizia ela, que de vez em quando, do prateado dos
raios estelares surgia um raio dourado, piscando feito
vagalume. Algum anjo havia entrado ali para se banhar e ficou brincando
com os peixes.
Não fiquei sabendo quando Ana Flor
partiu para as estrelas. Cheguei ao fim do meu mandato: aposentei-me e não
voltei mais ao Ambulatório. Mas quando consigo contemplar uma estrela no céu
poluído da cidade grande onde moro, sei que ela está em alguma delas, tecendo
sonhos e mais sonhos com o algodão das nuvens.
4 comentários:
12:04 (47 minutos atrás)
MARIA DO CÉU
12:18 (32 minutos atrás)
Muito bonita, leve, suave sua ANA FLOR!
Sensível você que a descreveu tão bem.... em sua “loucura”.... ou seria um modo diverso / poético/ “encantado” de ver o mundo?.
São lindas, mesmo as estrelas, Mariinha
Há que contemplá-las . Alguém se lembra?
Obrigada pela partilha de seus talentos. Beijo, Cecéu .
Eliana Luppi, por e-mail:
Que lindinha esta crônica da Ana Flor! Seu jeito é realmente especial para falar dela.
Tenho certeza de que de lá, das estrelas, ela está em contato com você que tanto a admirou.
Beijos. Parabéns!
eliana
MARIA LUCIA CARDOSO VASCONCELOS
17:48 (8 minutos atrás)
Cada um de nós tem um pouco de Ana Flor... Parabéns... que encanto de crônica...malú
Eu tenho uma Ana Flor em minha vida, minha filha! Lindo texto parabéns!!
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