sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Ana Flor



 

                                                                                                                                     Maria J Fortuna


Ana Flor não sabia das maldades do mundo... Sempre foi uma doce criança, até velhinha!  Um dia ela me revelou porque era tão gentil com as pessoas, bichos, plantas e até com os minerais. Observei o jeito com que manuseava  carinhosamente as pedrinhas coloridas que colhia aqui e ali.  Dizia ela, que alguém lhe falou que somos espíritos, e que no mundo espiritual, se a gente toca em alguém com desamor, a alma do tocador vai murchando tal qual planta velha, e não vê mais a Luz nem o sol. Nem a luz do sol. E que, se existem tantas guerras é porque o coração do ser humano virou pedra e não ouve mais música, não sente mais calor, não vê mais beleza. Por isso ela não sabia mais o que fazer quando seu próprio coração ameaçava expulsar alguém com muita força! Então ela repetia: - Sou Flor, sou Flor, sou Flor! E voltava a ser gentil consigo mesma e com os outros.
Conheci Ana Flor numa sala de artesanato no Ambulatório Psiquiátrico em Belo Horizonte. Ela me chamou atenção porque gostava de fazer flores e estrelas com retalhos de pano e sempre me sorria quando eu vinha pela porta adentro. Nunca havia se casado porque temia que o candidato a companheiro de vida não aceitasse que ela não gostava de briga, dizia. E só encontrava homens que  por nada agrediam os outros.  Na época, ela já estava com mais de setenta, mas não gostava de falar sobre seu passado. Então, nunca soube sua história de vida.  Fisicamente ela se parecia com certa índia que me lembrou Jacuí, uma aborígine que havia casado com um homem branco e  cuja foto vi numa revista quando era criança.
Sempre que podia, eu tomava direção da sala de artesanato para escutar Ana Flor e aprender com ela sem que os demais clientes do Ambulatório percebessem meu interesse. Um dia ela me falou do seu desejo de morar nas estrelas. Que por lá tudo devia ser muito bom. Não mencionava uma estrela só, ela queria morar em várias, para poder conhecer e experimentar as novidades que continha  cada uma delas.
 No encontro com minha nova amiga, eu descansava a mente e o coração, viajando pelo surreal. Ela tinha domínio sobre o sonho, que transgredia a verdade sensível e a razão, que se encontrava muito mais além... De outra feita,  falou-me que o brilho das estrelas é devido a uma água fluorescente que ilumina o céu e que nela existiam peixes dourados. Por isso,   dizia ela,  que de vez em quando, do prateado dos raios estelares  surgia um raio  dourado,  piscando feito vagalume.  Algum anjo havia entrado ali para se banhar e ficou brincando com os peixes.
Não fiquei sabendo quando Ana Flor partiu para as estrelas. Cheguei ao fim do meu mandato: aposentei-me e não voltei mais ao Ambulatório. Mas quando consigo contemplar uma estrela no céu poluído da cidade grande onde moro, sei que ela está em alguma delas, tecendo sonhos e mais sonhos com o algodão das nuvens.  

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4 comentários:

MJFortuna disse...


12:04 (47 minutos atrás)






















MARIA DO CÉU


12:18 (32 minutos atrás)

Muito bonita, leve, suave sua ANA FLOR!


Sensível você que a descreveu tão bem.... em sua “loucura”.... ou seria um modo diverso / poético/ “encantado” de ver o mundo?.



São lindas, mesmo as estrelas, Mariinha

Há que contemplá-las . Alguém se lembra?



Obrigada pela partilha de seus talentos. Beijo, Cecéu .

MJFortuna disse...

Eliana Luppi, por e-mail:

Que lindinha esta crônica da Ana Flor! Seu jeito é realmente especial para falar dela.
Tenho certeza de que de lá, das estrelas, ela está em contato com você que tanto a admirou.
Beijos. Parabéns!

eliana

MJFortuna disse...



MARIA LUCIA CARDOSO VASCONCELOS


17:48 (8 minutos atrás)


Cada um de nós tem um pouco de Ana Flor... Parabéns... que encanto de crônica...malú

anaflorpersonalizados disse...

Eu tenho uma Ana Flor em minha vida, minha filha! Lindo texto parabéns!!

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