Maria J Fortuna
Quando a lua ia crescendo, a menina ficava à espera da Estrela Dalva. Já era o oitavo ano de sua vida, quando seus sonhos pareciam grávidos de girassóis. Eles eram radiantes no movimento em busca da Luz. Era assim que se sentia e foi assim que aprendeu a navegar neles, nos sonhos. Apesar da fonte em que se banhavam os girassóis, sua paixão era a lua.
Quando seus pais se digladiavam em discussões sem sentido, ela se negava a ouvir o que diziam, tapando os ouvidos com o travesseiro. Por isso se afeiçoou tanto àquele objeto molinho e macio, com o qual podia fazer o que quisesse. Tomava a forma de que necessitava para lhe consolar. E às vezes ela jogava para debaixo dele alguma guloseima escondendo o tesouro de sua irmã. Aquela que se parecia com um monte de meninas, mas nada tinha a ver com ela. Aquela cuja doçura se parecia com doce de leite e que adorava brincar de bonecas, tão distante dela.. O que a menina gostava era de deslizar em carrinho de rolimã pelas ruas do bairro, escondida da mãe, que por sua vez costumava leva-la a um grande Centro onde, em dado momento, a senhora sua madrinha transformava-se na própria lua, trazendo consigo a Estrela Dalva. Foi aí que começou sua paixão pelos astros! Mas não era só um astro, que estava ali, mas a própria deusa, pessoalmente, como grande presente para ela, sua mãe, e inúmeras pessoas que seguiam seu rastro. O encantamento era total e absoluto!
Assim passou a infância: Entre discussões do pai com sua progenitora e as idas ao Centro, da senhora, que lhe mostrava a face lunar, em todas as suas fases, e trazia a Estrela com ela. A madrinha tão carinhosa que a colocava no colo acariciando lhe os cabelos castanhos. Privilégio dos privilégios! Ainda frequentavam ali: o Preto Velho, Cosme e Damião e inúmeras outras figuras mágicas, que vinham outras dimensões interagindo com o povo e com ela, a menina.
Quanto às brigas dos pais, ela compensava com uma boa lata de leite condensado, sorvetes e outros petiscos. Ou chamando a atenção sentada na janela do terceiro andar, balançando as perninhas, para ver a mãe interromper seu trabalho e chegar correndo para tirá-la, aos pescoções dali, assim que recebia o telefonema da vizinha contando que sua filha corria sério perigo de desabar da janela a qualquer instante. Não importava o castigo que iria receber. Em seu coraçãozinho o que lhe interessava mesmo era saber que a mãe, havia deixado tudo para trás para acudi-la!
Mas não havia coisa melhor para a menina, do que ouvir as estórias dos grandes mergulhos da Estrela Dalva no mar! Ao escutar a essa estória contada pela madrinha no Centro, imaginava o quanto seria bom, entre peixes, algas, ostras e inúmeras vidas submarinas, conversar com seres luminosos e ouvir suas revelações! Por isso aprendeu a nadar muito bem nos rios e piscinas da vida, onde podia ser o que era: uma menina diferente das demais. Ali podia esquecer as dores do seu coraçãozinho atormentado pelo desfoque das relações familiares, porque o mar, segundo a madrinha, devolvia á tona tudo que era jogado nele. O mar era também a morada da lua, de Iemanjá e de tantas entidades sublimes!
Depois veio a adolescência, a idade adulta e todas as consequências daquela infância vivida entre a dura realidade familiar e seus grandes voos celestes! E aquela fase da vida rolou feito seu carrinho de rolimã ladeira a baixo. Mas a Estrela Dalva ainda está ali, perto da lua, que se banha nas águas do mar, e a rede de pesca das lembranças traz as figuras de outrora, para seu maior consolo! E eu sinto que vai ser assim, até que a menina fique velhinha. Convivendo com ela posso senti-la nas suas mais puras e enluaradas lembranças...
4 comentários:
Amiga querida, como Deus é bom, deu a nos a liberdade de imaginar, escolher nossas ideias,
e nelas viajar, escolher a que mais nos faz sonhar, que seria de nos sem sonhos viver?
agradeço a Menina da Lua
bjs, monica
Maria do Céu Ripoli, por e-mail:
Agradecendo sua muito significativa crônica da “Menina e a Lua”, partilho com você, carinhosamente, o anexo.
Eliana Angélica de Sousa
21:09 (Há 2 horas)
Lindas lembranças! Também vivi a Estrela Dalva esta semana relembrando tempos idos que voltaram à tona com a música que cantamos no dia de ontem.
Linda a crônica. Parabéns!
Beijo.
eliana
Lindo conto, lembrei de mim mesma no telhado de casa, esperando pela Deusa Lua!
Obrigada por compartilhar.
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