Maria J Fortuna
A menina, vestida de anjo, subiu ao andor de Nossa Senhora do Carmo para seguir
em procissão com os fiéis. Estava ali para cumprir uma promessa da sua
tia à Virgem, pelo fato de, aos quatro anos, ter saído viva de uma hepatite das
mais violentas! Ela era muito pequena para pedir o milagre da cura, mas a
tia, filha de Maria Mãe de Deus, correu para a Igreja quando soube do
diagnóstico, e fez a promessa.
E então, tornou-se a primeira menina, naquela cidade, a usar asas de
penas na procissão! A vestimenta não era aquela clássica, de bordado
casinha de abelha, como nos anos anteriores e como a maioria das meninas
usavam. Seu modelo, de muito bom gosto, foi copiado da foto de alguma pintura
antiga. Cópia perfeita da roupa dos “anjos de verdade” como diziam as
crianças, e que a gente costumava ver em santinhos de primeira comunhão,
vindos da Europa. Aquelas asas fizeram sucesso, apesar de que a menina nem
estava muito ali para elas. Roupa e asas brancas evocavam pureza e o cetim da
veste brilhava á luz das velas que as mulheres carregavam nas mãos, cercando o andor em que
estava a imagem da Virgem que vinha, por sua vez, rodeada por
anjinhos. Na cabeça, um estilo novo de diadema. Em vez de florinhas
tecidas de pano e enroladas em arame, eram feitas de folhas brancas longas
e acetinadas.
A tia havia conversado com a catequista da Igreja para que a sobrinha
seguisse bem na frente do andor, armado sobre uma carroça, de forma que
exibisse a grande novidade: asas de penas! Enquanto outras meninas traziam nas
costas asas de papel celofane ou crepom brancas, azuis ou rosas. Eram as cores
dos anjos. Algumas eram confeccionadas em arminho, tingido ou não, que
tornavam as crianças mais etéreas e fofinhas.
A procissão seguia mergulhada em doce cheiro de angélicas com incenso. Parecia,
para a menina, que ela estava pertinho do céu! Como era pequena para a idade e
trazia os cabelos cacheados, muita gente já a chamava de anjinho no dia a
dia. Naquele momento, sentia-se como se de fato não pertencesse à
Terra. Dali a pouco começaram os hinos... E o andor da santa com seus anjinhos,
empurrado por homens da Congregação do Carmo, começou a se movimentar.
- Com minha Mãe estarei, na santa glória um dia,
Junto á Virgem Maria, no céu triunfarei!
No céu, no céu, com minha mãe estarei, no
céu,
No céu, com minha Mãe estarei! ”
Cantavam as desafinadas senhoras devotas vestidas de branco, algumas cheirando
a naftalina, com seus véus brancos e outros pretos, cobrindo-lhes a cabeça.
Algumas traziam além da vela, o Missal nas mãos.
De repente, o carro que carregava o andor parou! Era um anjinho
retardatário que vinha chegando.... As crianças mudas, na expectativa...
Ali viria um anjo vestido de qual das três cores tradicionais? Será que
também tinha asas de penas? Como seria a roupa? Com ou sem estrelinhas
salpicadas? E o diadema...
O pai da criança a ergueu nos braços e a colocou, bem pertinho da menina
vestida com a roupa da promessa. Imaginem! Era um anjinho vestido de
verde! As meninas olharam assombradas para a menininha com aquela veste cor de
abacate dissolvido em leite. Verde clarinho, transparente, jogada por cima do
forro de cetim verde um pouquinho mais escuro, como folha madura. Que anjinho
diferente! Mas anjo pode vestir roupa verde? Mas claro que sim. Aquele
não estava lá? A menina de asas de pena desejou ardentemente ter uma
roupa de anjo cor de folha... E pensou, esquecendo do sucesso de suas
asas de pena:
- Queria tanto que tia fizesse
promessa de me vestir de anjo verde na próxima procissão...
4 comentários:
Nossa, que lindo Maria!
E essa Foto com os anjinhos! Me fez voltar ao tempo e rever imensas lembranças!
Muito obriga por compartir tamanha emoção!
Um abraço sempre amigo!!
rosane
Obrigada, Rosane, minha incentivadora e fiel leitora!
Uau! Lindo! A medida que ia lendo ia descortinando a cena, sensacional! Delicado! Amei! Parabéns!!!!
Obrigada S J! Gostei imensamente do seu comentário!
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