Maria J Fortuna
Como tempo e transitoriedade são assuntos que sempre me fascinam tenho, no cerimonial de confecção das mandalas no Tibete, uma demonstração clara de que aqueles que procuram os mosteiros budistas desenvolvem a consciência do impermanente com a força do amor e da beleza. Portanto um referencial positivo para os que vivem naquela civilização milenar.
As mandalas são feitas de areia fina e colorida expressando o aspecto divino da temporalidade. Esta representação é central na arte budista. O Mestre orienta os jovens lamas a dedicar-se com afinco na execução da mesma. O gesto de construção deve ser cuidadoso e minucioso. Após sua realização, sem interrupções, a mesma é desfeita em ritual e lançada às águas do rio, que simboliza o movimento da vida.
Outra fonte fala-me que existe uma dança ritualística encima da mandala, que sendo de areia desmancha-se rapidamente sob os pés dos monges.
Quando eu era muito pequena, tive consciência da morte. Lembro-me que senti algo como uma enorme sensação de inutilidade, até na ação de brincar. Passei a ficar fascinada com a morte. Achava bonito morrer jovem e ia ao cemitério ler o que estava escrito na lápide de cada sepultura. Era bem estranho. O fato é que nunca ouvi de ninguém semelhante relato. Acho que dentro desta esquisitice toda eu queria dizer:
- Já que temos que morrer, por que não agora? Por que estudar, brincar, comer, dormir?
Mas nasci no ocidente onde existe o culto de permanência das coisas. Permanência da infância em que os filhos dependam dos pais o maximo possível. Permanência do emprego, porque perder emprego é uma ameaça quase como morte. Permanência da vida porque a morte é um castigo que o Demiurgo nos deu por ter comido a maça do Conhecimento. E do ponto de vista ainda mais religioso, a permanência do sofrimento. Tanto que nos lares católicos tem que haver uma cruz, símbolo do sofrimento maior do Filho imolado pelo Pai. Haja visto o sucesso da Paixão de Cristo de Mel Gibson distribuído insistentemente em livrarias, locadoras, bancas de revistas e casas de comercio de um modo geral e sabe Deus mais aonde.
A ressurreição de Cristo foi tão rápida, mas com sofrimento que não vale ficar lembrando... Talvez como reflexão. Mas o que ocorreu no cristianismo foi que quanto mais apegados a herança do sofrimento, mais mérito.
No entanto a nossa vida inteira é feita de impermanencias. De momentos que se desfazem rapidamente como brinquedos inúteis espalhados pelo chão sujo de nosso inconsciente. Pelo medo destilado em nossas células, pela procura do emprego estável, pela busca do prazer permanente. Enfim por toda uma gama de absurdos capazes de levar a nossa alma para o inferno! Parece que o mundo esta vivendo um momento de intensa prisão de ventre!
A ansiedade e a má alimentação (quanto mais sofisticada pior), esta levando as pessoas a reter o que, materialmente, existe de inútil em nossos corpos. No querer segurar o momento de prazer com medo de perder há uma retenção do curso da vida.
Meditar, construir mandalas, dançar a vida, soltar-se no Belo, passa a ser coisa de gente esquisita!
Oscar Niemayer na altura dos seus quase cem falou o seguinte:
- O mais importante não é a arquitetura, mas a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar.
O que significa a memória de nossa historia pessoal para a humanidade? Absolutamente nada. Então é espantoso que durante esta nossa tão rápida presença no Planeta exista tanta preocupação em controlar o incontrolável. Como se o momento não fosse tão fugaz! Tão rápido e o tempo nos leva para longe com a mesma rapidez como as mandalas são desfeitas.
O importante é a dança realizada sobre elas. O movimento da vida. É a lição que este ato encerra.
Um comentário:
Uma rosa breve
Uma hortênsia de alva cor
A terra molhada pelo sereno
Nos celeste paira um Açor
A madeira verde, a dança do fogo
O embalo do loureiro no vento, o alecrim
Um ribeiro de inquietas águas
Levam o perfume das mágoas em viagem sem fim
Convido-te a sentir a minha paleta de aromas
Mágico beijo
Postar um comentário