sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Infância ferida



Não é o sofrimento das crianças que se torna revoltante em si mesmo, mas sim que nada justifica tal sofrimento.
Albert Camus

Maria J Fortuna


Lembro-me até hoje daquela criança... Apareceu em minha sala com sua mãe, num dia chuvoso de janeiro. Eu atendia a pediatria como assistente social. O pequeno, aos sete anos de idade, estava vivendo uma crise de pânico! Lembro dos olhinhos esbugalhados, o cabelo em desalinho, corpo trêmulo e ao mesmo tempo rijo e a expressão de pavor.
- Do que você tem medo, criança? Indagei Abraçando-o sem saber o que fazer.
O menino não respondia. Crispava as mãos e chorava, chorava...
A mãe magra, com a fisionomia pouco expressiva, apenas afirmava que não sabia por que o filho tinha medo de tudo. Passei então a investigar melhor. Aos poucos a mulher foi desfiando o novelo de suas agruras. O companheiro a ameaçava de morte com faca de cozinha e a espancava sem piedade pela mínima coisa que julgava errado. Certo dia comunicou-lhe que se seu time perdesse para o adversário ela iria levar uma surra que não mais iria esquecer tão cedo. Era de madrugada que o homem costumava agredir a mãe do menino. A criança despertava ouvindo os impropérios do pai e os gritos da mãe.
Não era pouco comum um assistente social confrontar-se com um caso como aquele. Muitas crianças são vitimas desse tipo de tortura. Mas aquele era particularmente doloroso, pela percepção da sensibilidade aguçada daquela pessoinha assustada. Era um menino inteligente, criativo, mas inteiramente fragilizado pelas circunstâncias. Com certeza o algoz deve ter tido uma vida muito dura, e sua mãe sempre foi muito submissa, mas por que o pequeno teria aquele destino?
Agora vejo estampada num Jornal, a foto de um outro menino com a mesma expressão de pânico que vi no rosto do garoto que apareceu com sua mãe em minha sala. Só que aquela criança palestina está no meio de uma guerra. Podia ser judia, tanto faz, são pequenos anjos que vivem na Faixa de Gaza. Infelizmente o motivo para do desespero é real: vinte crianças mortas, dentre os duzentos e setenta até a data. Eu imagino o pavor dos pequeninos ao se confrontarem com a morte de forma tão prematura!
Como insensata é a espécie humana... Até onde nos leva a sede de poder... Pessoas que parecem não ter nenhuma consciência da transitoriedade da vida! A Terra é de todos nós. Simples demais para ser compreendida esta afirmação dita e repetida pelas almas lúcidas que habitam o planeta. Até quando tudo isso? Como é lento o crescimento psicoemocional do ser humano... Como se apegam a tradições para justificar sua sede de posse.
Mas contra a irracionalidade não há argumentos. Minha alma suspira impotente diante de tudo isso.
Escrevi esta poesia quando as crianças russas foram chacinadas numa escola próxima a Moscou. Serve para todas as crianças do mundo inteiro sujeitas aos horrores que os adultos infligem a elas.

Vem doçura, esmagar a guerra!

Teus dias de arminho
Terminam em réquiem
O desafinado de um violino
Entristece os campos brotados
Flores que ainda não abriram
Arrefecem ao som do horror
A cor da rosa do algodão doce
Esparramou-se no chão frio
O doce sorriso da criança
Não consegue apagar o fogo
Fogo que ameaça as borboletas
Que colhem o mel de suas vidas
O sonho azul dos meninos desfaleceu
Ao barulho das escopetas
A trança da infância respingada de sangue
Envergonha o mundo adulto
Desenrola o tapete que leva
Ao caminho do coração
Deixa que esta lágrima de morte
Faça aflorar a consciência do mundo
Igors, Natachas, Nadias famintas
Pequeninos e louros meninos sedentos
Mostram-se ao mundo pasmo
Diante de tal tragédia
A imagem da Beleza ferida
Unida aos santos inocentes
Homens e mulheres
Desprotegeram as crianças
Homens e mulheres
Mataram os anjinhos russos
Homens e mulheres
Envergonharam o mundo
Apesar de tal ultraje, criança
Só tua doçura pode esmagar a guerra!



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