sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Na corda bamba


Maria J Fortuna

Fui criada na dor da culpa. Os instrumentos que moldaram minha alma resultaram no cerceamento da liberdade, que leva ao desconhecimento de si mesmo e à dissociação do sagrado x profano, tendo como consequência, o amor culposo. Não só eu tive o “privilégio” de vivenciar a experiência da deseducação, mas toda uma geração! Com isto, só havia dois caminhos a serem trilhados: o das pessoas “normais” e o da corda bamba, isto é: assumir o próprio desequilíbrio. Confesso que por ter horror ao primeiro caminho, optei pelo outro, a principio compulsivamente, depois com mais lucidez e consciência.
Encarar a corda bamba não é fácil, principalmente por falta de preparo, que é o que recebemos dos pais e professores, além das pessoas da família. Escrevi sobre isto no meu primeiro livro infanto-juvenil: O menino do velocípede, que na realidade foi um recado para adultos. Por isto vendeu tão pouco. Confesso que ainda não aprendi a arte de morrer de todo para as más lembranças, mas pelo menos deixei de ser palhaço e voltei para a corda bamba, que é um convite a todos nós. Para colocar um pé atrás do outro nesta corda, amigos, não é fácil! Tem toda uma platéia dividida lá embaixo: uns torcendo pela sua vitória; outros para ver você se espatifar no chão, voltando assim à condição de palhaço. E você não sabe onde põe seu medo que, se não for de mãos dadas com você, estará tudo perdido!
A cada passo você tem que se lembrar de quem é, em primeiro lugar. Do amor e cuidado para consigo mesmo, sem os quais não consegue vencer o desafio! Depois, lembrar-se de que os obstáculos são: muita competitividade, brutalidade, exclusão e coisas que dividem, como preconceito, fundamentalismo e consumismo religioso. A conexão com o Cósmico é indispensável, mas só se dará se houver autoconhecimento, aceitação e acolhimento do que se é e não do que eu e os outros pensam que sou.
Quando penso nos perigos por que passei e ainda, se tiver vida, vou passar, um frio me percorre pela espinha! Mas se escolhi ser eu mesma, não posso temer tanto o abismo. E sei que, com algumas bolas coloridas nas mãos, a minha criança interior vai brincar e distrair a mim mesma e as pessoas em minha volta, para que esqueçam, por alguns instantes, os riscos do cotidiano e os limites da velhice e da morte. Porque nada se compara à dor de trair-se a si mesmo, tentando esquecer ou negando o que se é.
Assim vamos por aí, frágeis e incompletos, buscando a realização no desequilíbrio, que é nossa real condição. Quem se preocupa apenas com a performance está arriscado a morrer com a fantasia de palhaço grudada ao corpo, sendo que a de equilibrista se descola facilmente quando nos despregamos da matéria.
Mas, quem entende bem de equilíbrio e desequilíbrio é o trapezista! Este é, para mim, o melhor do circo. Sempre foi o mais belo e corajoso dos personagens. Traz consigo o sentido, a expressão corporal da liberdade. Lançar-se, apesar de tudo, imitando pássaros! Sobretudo quando é um casal. Quando um apara o outro no ar em cima do perigo. Quando alguém aceita o desafio de se arriscar, segurando o outro , ao mesmo tempo em que o solta, na expressão de amor e confiança.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Mulher de 50 ou mais...


O sonho de muita mulher com mais de 50 é viver na India... Conta-se que o que importa para eles é a aura feminina...
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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Margô chegou!


Maria J Fortuna
Maria de Lourdes (Lulude) eu, Maria Helena e Margareth, a Flor


Chegou minha amiga Margareth, ao Rio de Janeiro, sábado de carnaval, trazendo aquela atmosfera gostosa de mineira da gema! Desde que pisou no Rio, com sua turma divertida, o céu para mim brilhou, não só na luz das escolas de samba, mas na luz de Margô. Minha casa sorriu, meu rosto se iluminou e minha alma reconhecida, se abriu. Puxa! Dá até um enredo de escola de samba!

Margô chegou,
o céu brilhou
meu rosto se iluminou
e minha alma se abriu!

Pois é, Margô é festa e traz consigo outros mineiros de alma lúdica. Uma delas, a Macaé, que vai desfilar na Mangueira!
Vocês sabem o que um peixe, depois de um exílio em pequena poça d’água, sente, quando reencontra o oceano? Pois é, foi assim que me senti, quando minha amiga adentrou em nossa morada nas Laranjeiras. É o reconhecimento da energia vital, que se chama amizade! Quando a gente diz para si mesma: pronto, estou em casa. Posso descansar. Esta linguagem existencial é tão rica e verdadeira que dispensa quaisquer palavras. Comunica-se através do corpo, dos olhos, onde deixa escapar a luminosidade da alma. Gente, eu fiquei muito feliz com a visita de Margô!
Difícil falar da minha amiga, sem mostrar como gosto do seu modo verdadeiro, desafiador e bem humorado de ser: voz alta, vibrante, gargalhada estridente e seu jeito coerente de se colocar diante do mundo! Enfim, é impossível falar dela sem emoção!
Eu a conheço desde que tinha 12 anos de idade. Margô é negra assumida. Sua mãe botava-lhe peruca de cabelos lisos, quando menina, mas ela, bem cedo, jogou o artifício de lado e mergulhou na vida, com suas trancinhas afro e com uma garra que só vendo! Optou por encarar, sem se trair, os preconceitos do mundo!
Ah! Lembro-me dos seus ancestrais! A avó Alzira, que tinha o mesmo nome de minha avó, benzia minha filha pequenina, para tirar qualquer “encosto”. Mas, sob protestos, acabava benzendo todo mundo, mesmo avisando que a “benzeção” era só pra crianças. Seu pai, Daniel, com quase 60 anos, fez Faculdade de Psicologia e, quando policial, mandava o camelô correr para não perder a mercadoria. Sua mãe, minha velha amiga, que me convida para o almoço regado com muito carinho, quando vou a BH. E são tão gostosos a comida e o carinho, que dá vontade de montar barraca por lá.
Acompanhei seus passos na Escola, na Universidade e assisti à defesa de tese de Mestrado, ao lado de Daniel, orgulhoso da filha. Sua tese sobre Inclusão Social vai virar livro. Agora foi aprovada para Doutorado! Pulamos abraçadas, com a noticia e fomos comemorar vendo o mar, as estrelas e tomando vinho na Praia Vermelha. Mas não falamos sobre o assunto. Falamos de nós. Do que vimos e sentimos ao longo de nossas trajetórias, dos nossos projetos, e da saudade dos velhos amigos.
Essa belorizontina arretada, de voz forte e notas altas, sabe o quanto é importante, para mim , sua presença. Necessito tomar esta água, de vez em quando, o que me permite deixar transparecer o que verdadeiramente sou e o que me vai no coração. Preciso muito de sua presença para um desabafo sem censura, sem medo de ser mal interpretada, nem preocupação em corresponder a expectativas. Margô não julga: ouve e acolhe em qualquer circunstância. Mesmo que tenha que mostrar à pessoa, que esta ou aquela sua ação, não ajuda no crescimento pessoal. O que ocorre invariavelmente. Tem o dom de me fazer sintetizar o pensamento a ponto de, de repente, ajudar-me a enxergar a possibilidade de transformar o ideal em ação, que pode levar à realização de algum sonho aparentemente perdido. Ou seja, ela assopra esperanças, com reverência, dentro de mim, quando sente que pode avivar a chama e não apagá-la com um sopro maior, descuidado ou malicioso. Sempre foi assim. Falamos o mesmo código, a mesma linguagem. E desnudamos nossas almas, sem medo, e de forma espontânea uma para a outra. Quantas pessoas passam pela vida da gente com tanta reciprocidade?
Obrigada Margô! Volte sempre, minha Flor!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Ótimo carnaval para todos!
Os que brincam, os que meditam nos retiros e os que curtem praias, fazendas, sítios, etc...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010







Acabei de ler este livro realmente revolucionário!
Mesmo os que não estão voltado para educação, especificamente, vão sentir um novo paradígma brotando... É um desafio!

Maria J Fortuna




Pedagogia Iniciática - Uma Escola de Liderança
Autor: Crema, Roberto
Editora: Vozes
Categoria: Ciências Humanas e Sociais / Pedagogia
"Com um estilo leve, lúcido, ousado e poético, Roberto Crema apresenta sua visão de uma liderança emergente, holocentrada, imprescindível na tarefa desafiadora de transformar a crise global numa ocasião de superação, em trampolim para um salto quântico evolutivo. Segundo o autor, aprender a conviver e a Ser representa o maior desafio educacional para as novas gerações"

Um blog a ser visitado

http://precesemcaledoscpio.blogspot.com/

Criei este blog com pequenos textos, em sua maioria de Sufis, para me obrigar a parar e contemplar... Quero partilhar com vocês.

Veja o endereço acima.

Mulher de 50... ou um pouquinho mais...


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Dor e reflexão





Maria J Fortuna

Encontrei um dia com D.Luciano, bispo da Igreja Católica que sempre lutou pelos direitos humanos, após o terrível acidente de carro que sofreu, tendo suas mandíbulas partidas e completamente fora do lugar. A dor era terrível e ele não teve o alento da anestesia. Indaguei como resistira a tanta dor para o reencaixe das mandíbulas, e ele respondeu com aquele sorriso tão bondoso:
- Lembrei dos navios negreiros, minha filha, o que aquele povo sofreu. Com isto suportei a dor.
Imediatamente me veio à memória a poesia de Castro Alves: “Senhor dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura, se é verdade, tanto horror perante os céus?”
Ao ver as imagens do Haiti destroçado, com aquelas pessoas famintas, sedentas e sem casa, perambulando pelas ruas, sabe-se o que o poeta quis dizer. O que difere da atual situação é que o haitiano foi e está sendo massacrado pelos terremotos, que parecem não querer deixar pedra sobre pedra. Eu vejo o povo cantando, para tornar mais suportável tamanho sofrimento, e novamente me vem D.Luciano com a recordação do Navio Negreiro, de Castro Alves: “Presa nos elos de uma só cadeia, a multidão faminta cambaleia, e chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, outro, que martírios embrutece, cantando, geme e ri!”
Que benefício pode trazer à humanidade a repetição dessas catástrofes? Botemos nossas barbas de molho. Este pobre planeta está respondendo às devastações que o homem está provocando, apesar de existirem correntes contrárias a esta constatação. Por que as camadas tectônicas estão se atritando embaixo dos oceanos? A Terra está mesmo mudando de eixo?
Fora estas perguntas sem resposta, o que ainda poderá ser feito diante dos grandes goles do capitalismo, que bebe o sangue das nações pobres para sobreviver? Enfim, ainda há o alento da esperança? Parece que depois deste terrível terremoto, algumas nações se deram conta de que ajudar o próximo é preciso. Para mim só existe uma resposta: tomada urgente de consciência! Perceber que não somos capazes de viver neste planeta sem que comunguemos profundamente com ele. Esquecer ou desconhecer esta interdependência com a Natureza é o caminho mais curto para que tais catástrofes aconteçam! Amá-lo e protegê-lo como cada um de nós ama a si mesmo.
Para isto as grandes fortunas, nas mãos de poucos, seriam direcionadas para salvar a Terra à medida que estes trilionários descobrissem que o caminhar para a destruição os inclui, como aos seus descendentes. São 793 pessoas vivem com mais de um bilhão de dólares, em absoluto estado de riqueza no planeta. Enquanto que o número de pessoas abaixo da linha da pobreza chega a 307 milhões de pessoas no mundo.
A descoberta da compaixão, no desejo de partilhar seus bens para o bem de todos, seria a grande alavanca para deter o pesadelo maior que está por acontecer. Se não por compaixão, que seja por espírito de sobrevivência. “Assim acima como o é abaixo", disse Hermes Trismegisto, referindo-se a céu e terra, e mais: “ Corai, ó humanos, ébrios que sois, tendo bebido até a última gota do vinho sem mistura da doutrina da ignorância, que não mais podeis conter, mas que já estais prestes a vomitar.”

Sobre Norália de Mello Castro

Minha amiga Norália, que escreveu o texto sobre Exausta de Deus aqui no blog, faz parte da REBRA (Rede de escritoras brasileiras) Ela é montanhesa das Minas Gerais, que ama de paixão, nascida em Belo Horizonte, onde mora.
Fez ciências sociais na Universidade Católica de Minas Gerais e é assistente social aposentada.
Fez vários cursos de extensão e/ou complementares, inclusive curso liv
É ceramista também, pintora, bordadeira e patchworkeira, atividades que fazia em plano secundário, como um deleite, para aliviar tensões.
Fez curso de artes livres na Escola Guignard, em Belo Horizonte.
Dedica-se hoje a bordados em ponto cruz a crianças com doenças graves, através do Love Quilts Brasil, grupo virtual que ama e ao qual pertenceu há 10 anos.
Escreveu “A Rede do pescador”, l988, prêmio do Clube do Livro de São Paulo, publicado. “Passos na eternidade e outros contos”, 1988, prêmio do I Concurso Gralha Azul, de Curitiba, cujo prêmio era uma viagem à Europa, Publicou outro conto: há indícios que foi publicado, mas ela não tem comprovação de tal feito. Antologia: Novos Contistas Mineiros, 1988. Selecionada para a revista LUZES, com um conto, de Ituiutaba-MG, em 1987. “Fios de prata ou a história do medalhão de turquesa azul”, romance, 1989, menção honrosa no concurso literário Cidade de Belo Horizonte.
Projeto literário atual: Livro de contos e resenhas que está em fase final para a publicação pela REBRA, com o título de APENAS VIVA, obra pós um câncer que a deixou com algumas limitações.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Lindo texto de Norália!



Talvez para comemorar o segundo aniversário de Artes e artes, recebí este texto de Norália de Mello Castro, uma das minhas contemporâneas dos anos 60, a propósito da minha crônica Exausta de Deus. Seria muito bom se os leitores do de Artes e artes me enviassem textos comentando o que escrevo, como fez Norália. É muito enriquecedor para mim. Vejam o que ela escreveu:

Exaustão ou Exaltação

Ontem li Exausta de Deus, texto de outra escritora, que estáexausta de Deus por causa de dores e contradições existentes.Quis até responder, mas não o fiz.Esse texto ficou em mim o dia inteiro: dizer que está exausta de Deus é igual a dizer estar exausta da vida.Não estou exausta, por vezes, há um cansaço da vida por não encontrar respostas para as contradições que a vida impõe até à uma insônia, em busca de respostas..Ah, sim, cansaço existe sim quando da inércia, da monotonia e do tédio não se apresentam respostas.Vem à mente um texto do Mestre Meisushama que descreve a monotonia do céu, do tédio de estar lá, onde nada ou quase nada acontece: uma casa branca ao lado de um lago sem ondas, o casal andando pra cá e prá lá, suplicando para voltar a Terra, pois não agüentam mais o tédio do céu. Esta imagem me volta totalmente em preto e branco. Não tem cores no céu? Cores? Tudo em preto e branco?Em seguida, vêm as palavras de Levi Strauss: os povos são diferenciados por que necessitam ser, senão não haveria razão de ser, se todos fossem iguais. Este antropólogo confirma para mim, o que Mestre Meisushama preconiza: as classes existem para que o aprendizado se faça. Por vezes, revoltam-me estas diferenciações, acho injustas, que se utilizem alguns para beneficiar outros ou a eles próprios: fome miséria descaso inércia, tudo me revolta quando vejo uma criança com doença incurável. Então pergunto: por que tudo isto?Se tudo fosse igual, perfeito, não haveria razão de ser e o aprendizado seria engolido pela não- existência. Ele nos fez para que as lições na Terra nos façam crescer, nos tornar sua imagem e semelhança. Afinal a sua própria criação está em constante processo de evolução/transformação. Assim, preciso fazer na minha vida.Insônia? Quase nunca tenho: combato-a com a contagem dos carneirinhos, contagem esta substituída pela Ave Maria, oração curta e de efeito calmante. E, eu durmo o sono dos anjos.Afinal, posso escolher o caminho que quiser, tenho livre arbítrio para tal.Há tempos parei de questionar Deus. Não estou exausta Dele. Eu o exalto através da Mãe Terra, onde ele nos colocou para a grande aprendizagem. Aqui encontro com a felicidade de ser filha Dele, partícula Dele, de estar viva e dormindo, de questionar ou sonhar. Não quero a inércia tediosa de tudo perfeito. Dói. A Dor de viver dói, mas o Silêncio muitas vezes é a melhor resposta. Até o não ao homem que veio pedir um café e me fez ver o poder de medo. Estou viva, aqui e agora, sou parte deste vasto mundo, sou parte da roda da vida hoje. Estar viva é o que realmente importa. Bom é chegar ao fim do dia e poder dizer: ”fiz hoje o melhor que pude”. Sentir Deus que vem da energia do vento, da luz do sol, da ternura da noite, da sofreguidão das tormentas.Sei que Ele existe e sua Inteligência é algo inimaginável e sua capacidade de amor maior ainda. Sou parte Dele e aqui estou junto de sua Criação: o meu planeta, o meu corpo e até mesmo os meus questionamentos.Não estou exausta Dele: eu o exalto neste dia que apenas começou. E diante de tal Beleza, que só um grande amor pode proporcionar, eu me curvo. E amanhã? O amanhã será: hoje eu fiz o meu melhor. Estou cheia de amor por Ele e eu o exalto.Amor? Este será outro tema.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Aquela mulher







Maria J Fortuna

Há tempos eu tinha esta vontade: conhecer pessoalmente Marília Gabriela. Agora estávamos tão perto; eu na segunda fila do teatro, e ela no palco onde interpretaria, mais uma vez - Aquela Mulher - a personagem baseada em Hilary Clinton, pré- candidata à presidência dos Estados Unidos nas últimas eleições . O texto é do angolano José Eduardo Agualusa, com direção de Antônio Fagundes.
Antes de começar o espetáculo, havia me feito algumas perguntas recorrentes: será que ela vai ser tão boa no palco quanto é como entrevistadora? Bem, corajosa e versátil sei que ela é, e muito! Mas será que vai se apresentar com a mesma segurança como encara os milhões de espectadores na TV? Escolheu um monólogo... Por que monólogo? Não é esta categoria de peça teatral um desafio para um ator com muitos anos de teatro? Lembrei-me de Fernanda Montenegro, na peça Dona doida, onde ela interpretava os poemas de Adélia Prado. E Paulo Autran, em As mãos de Eurídice. Puxa, uma loucura os fatores memória e interpretação daqueles dois gigantes! No caso de Fernanda, poesia é poesia, não há jeito de omitir ou trocar uma só palavra. Mas a Gabriela escolheu o mais difícil,por quê? Numa entrevista ao Jornal do Brasil, ela responde: “monólogo é mais fácil para mim, não quero atrapalhar ninguém em cena.” Esta entrevista eu li depois do espetáculo.
A batida de Molière soou dentro de mim. Nossa, estou nervosa por ela. Lembrei-me de todas as vezes que, em exercícios de teatro, eu mergulhava na emoção e me envolvia com a personagem, e nela, eu me perdia. Mas o que me preocupava era decorar os textos. Estava ansiosa, sim, por ela. O texto de Agualusa coloca a personagem de forma solitária, com suas indagações, a cerca de si mesma e do mundo do feminino, nas vésperas de tornar-se presidente da nação mais poderosa do planeta. Bem apropriado para uma atriz que vence desafios.
A cortina abriu e eis uma Marília ofegante, sentada no palco com a cabeça baixa, roupão e cabelos em desalinho. Começou a falar com aquela voz grave que a maioria dos brasileiros conhece. Parecia, a meu ver, travar uma luta enorme consigo mesma, para deixar emergir o texto que saia às golfadas. Eu disse a meu ver...
A identificação com a personagem, tão forte quanto ela, facilitou as coisas naquele primeiro instante. A cada momento, a luz se apagava e reacendia. E ela se colocava em um lugar diferente, mas próximo a uma só poltrona daquele cenário quase nu. Encontrei em alguns momentos, a Hilary em Marilia.
Num segundo momento, ela aparece com um terninho claro, para realizar um discurso. Ali, a alma feminina deixa-se transparecer no texto de Agualusa, revelando paixão, solidão, fracasso e tudo a que nós femininos mortais estamos de certa forma mais vulneráveis. Havia humor em algumas frases. Confesso que para mim foi difícil senti-la naquele momento. Definitivamente é verdade que o drama é bem mais fácil que o humor no teatro. Fazer a sutil passagem de um para o outro num texto como o de Agualusa, requer muito suor e talento.
Num terceiro e último momento, ela aparece vestida de pássaro para maior surpresa, acho que de todos. Mais difícil ainda sentir naquela mulher guerreira por natureza, de olhar tão forte, a leveza de uma ave. E com isto, Marília encerrou sua apresentação no palco.
Depois de alguns aplausos, não muito convincentes, retirou-se.
Saí dali pensando: por que pessoas tão talentosas em um campo profissional insistem em enveredar por outros caminhos, numa exposição tão grande de sua própria figura?


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Sou alguem preocupado em crescer.

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