Obra de Oscar Pereira da Silva
Maria J Fortuna
Não havia dúvidas de que o motivo único de sua aflição, era a lembrança do olhar inocente que brotou da moça, como um lírio atrevido no meio do pantanal, naquela terça feira. Foi quando ela estava em seus braços, num motel da Lapa. Deu por isso naquele dia, quando a viu nua, estendida sobre a cama, contemplando com aquele olhar perfumado, seu corpo cansado e recém-desperto. Com certeza aquele jeito de olhar, como se tivesse, de repente, descobrindo um novo mundo, passou a incomodá-lo em suas visitas de terça feira. De um dia pra outro, aquela situação insólita havia acontecido. A moça, com os imensos olhos escuros e aveludados, passou a observá-lo de forma diferente e, também, à distância, até onde sua vista o alcançava, na janela do casarão, num café da esquina, dentro do carro ou durante o tempo em que ele devorava um prato feito no bar da frente. Igualmente era perturbadora aquela ternura, quase maternal, quando o acolhia nos seios floridos, com mais vagar, observando cada detalhe do seu corpo. E em cada gesto macio, aquele olhar vindo não se sabia de onde, acompanhava-lhe o sorriso aflorando-lhe nos lábios. Tudo era flor e isso era muito perturbador para ele! Aqueles olhos traziam algo além da sensualidade ou da expectativa de uma recompensa. E estava nela presente quando o observa passando colônia nos braços e xampu nos cabelos, depois de um banho juntos. E continuou muito mais ainda no encontro seguinte. Ele se encontrava agora completamente desconcertado! Não podia negar que buscava ali os prazeres que uma mulher da vida podia lhe proporcionar, mas também não negava que aquela jovem mulher estava lhe passando uma intrigante mensagem através de um olhar renovado. Sabia que havia se tornado incômoda sua presença ali, na busca de prazeres carnais. Mas, afinal, pensava em estar conformado de que seria apenas isso que lhe oferecia o destino, em seu tempo de inverno. Mas não havia nada mais assustador, para ele, do que sentir algo, além disso. Ali não era ambiente para se deixar nascer uma flor! Isso só podia aumentar feridas. As dele, as dela... E disso entendia muito bem. No seu caso, era só jogar nelas um bálsamo, de vez em quando, deixando jorrar sua tensão num orgasmo, e tudo ficaria resolvido. Mas a presença perturbadora do olhar da moça prometia muito mais do que isso: Promessa totalmente inadequada pela sua inocência...
Devido a insistência do fato, restava-lhe reconhecer que aquela ternura tinha vindo com as certezas da alma! Só podia ser. Além de assustado, ficou furioso com isso! Aquela era uma nova roupagem para seus sentimentos que clamavam por cuidado e isso aumentava sua irritação! Pior que não havia jeito de negar que cada um dos dedos de suas pesadas e grosseiras mãos, havia sido beijado por ela, olho no olho... Mas faria tudo para proteger o coração daquele sentimento velado pelo olhar, inesperado e inoportuno. Como é difícil lidar com a ternura dos outros, pensou.
Decidiu, enfim, que cada um deles ficaria em seu próprio mundo e seguiria seu próprio destino. Ele com suas lembranças e a velha sensação de que nunca havia amado de verdade, atolado em seus livros, e ela continuaria oferecendo seu jovem corpo para os que podiam garantir-lhe, por alguns dias, a sobrevivência. Afinal, as linguagens eram bem diferentes... Os códigos eram outros... Só não podia deixar-se olhar por ela...
Era isso! Mas por que queria sair dali correndo tanto, sem rumo certo? Como deixar assim, de forma tão irresponsável, quem tantas vezes embalou carinhosamente seu corpo cansado pela marcha no tempo? Como foi permitindo que aquilo lhe acontecesse? Sentiu-se covarde, hipócrita, egoísta, mas também frágil, pequeno, carente... Uma formiguinha diante das tramas do mundo... O conflito estava ali, roendo-lhe os pensamentos, despetalando a flor do coração. Depois disso não teve mais sossego! Teve que confessar para si mesmo que aquele olhar inocente estava para sempre dentro dele, dizendo de forma completamente absurda o que ele não queria ouvir. Ou seja, que ela o amava e que, por isso, ele tinha que cuidar daquele amor.
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2 comentários:
Ana Saldanha Jácomo, por email
Belíssimo, Mariinha. Tocante, a poesia emanada desse conto. Parabéns!
Beijos,
Ana
Norália de Mello Castro, por email:
Prezada Mariinha,
sou sua leitora assídua... gosto muito de suas crônicas. E você se superou em OLHAR INOCENTE, O ENCANTO DO PERECÍVEL e ESPAÇOS... estão belíssimas... caindo até em poemas/crônicas. É comum a gente ler crônica/conto ou conto/verso...às vezes os estilos se misturam.. suas últimas crônicas que me atingiram como poemas: belíssimas. Abraços,
Norália
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