sábado, 5 de abril de 2008


Ingresso para idosos

Maria J Fortuna


Sábado chuvoso dia 15.03.2008, fui ao Canecão comprar ingressos para o espetáculo de Maria Bethânia e Omara Portuondo. Levei duas identidades para fazer jus a meio entrada para maiores de sessenta anos: a minha e da minha tia de 97 anos. Ela é fã de Maria Bethânia há muitos anos e com isto eu iria proporcionar-lhe a alegria de assistir ao show.
Uma mocinha atendia o guichê. Apresentei as identidades. Ela as verificou meticulosamente.
- Só posso vender meio entrada para a senhora, falou
- Mas... E a minha tia quase centenária e fã da Bethânia? Você está vendo aí na identidade. Nasceu em 1910. Leu bem?
- Ela está presente? Indagou a mocinha, já sabendo a resposta
- Mas como? Você viu a idade da senhora? Como poderia vir, pessoalmente, comprar ingresso num dia destes, com esta chuva? Ficar de pé tanto tempo como fiquei lá fora? Moça, você não entendeu? Ela tem quase cem anos!
Eu estava pasma! Afina há grande diferença entre o idoso de 60 e o de 90 anos... Pensei indignada. A cada nova década o tempo nos rouba força e aparecem mais limitações... Será que a lógica do tempo não contava naquele momento?
A fila entrou na briga!
- Absurdo! Vende a entrada, moça! Não tem cabimento... Onde já se viu...
Os que ouviram me apoiaram.
- Mas não tem ninguém a quem eu possa expor a questão, moça? Insisti. Não tem uma pessoa responsável que ouça e decida sobre um caso excepcional como este? Chefe da bilheteria, gerente, administrador, supervisor?
- São normas da casa, repetia sem parar a moça. Não temos ninguém, só nós mesmos.
O porteiro chamou-me no canto e com voz sussurrante, meia de cúmplice. Fiquei esperançosa... Vai dar um jeito qualquer, pensei quase feliz. Falou baixinho, sussurrando em meus ouvidos:
- A senhora nos desculpe, mas com esta coisa de cambio negro...
Ridícula a situação! Aquele homem estava por um acaso suspeitando que eu talvez estivesse trabalhando pro cambista que rondava a casa de espetáculo?
- Olhe bem para mim, senhor, tenho cara de quem pertence a este grupo de pessoas? Indaguei estupefata encarando o funcionário organizador de fila.
Pediu-me mais desculpas e saiu de fininho...
Nem precisa dizer que nada consegui... Nem citando o Estatuto do Idoso.
Com toda esta idade (faz 98 anos em junho), haverá tempo de a tia assistir algum show de sua cantora predileta, aproveitando a meio entrada a que faz jus?




2 comentários:

Anônimo disse...

Realmente, um absurdo, minha amiga. É lamentável perceber que vivemos num mundo onde as normas costumam não incluir o bom senso e a empatia, muito menos o coração.
Lembrando o lindo e sábio poeta Thiago de Mello, esse é um triste momento da trajetória humana, no qual um ser humano não confia no outro. Poucas coisas são tão aflitivas.
Beijos pra você e pra Tia Lourdinha.

Maria Fernanda disse...

Mais uma vez, a denuncia em forma de conto nos faz refletir.
E preciso botar a boca no mundo para contar a carência da comunicaçao no Brasil. A fala decorada, citada pelo chefe, continua rondando entre a populaçao "evoluida" do seculo XXI.
Parabens mae!
Beijos

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