terça-feira, 10 de junho de 2008

Quando você se envolve afetivamente com seu pesadelo

Maria J Fortuna


Elisa tem um filho de trinta anos e poucos anos. Conheci aquele menino há três décadas quando era bem pequeno. Sempre foi uma criança irrequieta, irritadiça, agressiva.
Elisa só podia contar com ela mesma para criar o menino. Seu companheiro era ausente. Nunca assumiu o filho. Deve ter feito algum esforço... Mas não deu. Antes que a internet fosse inaugurada, ele já era virtual na vida da família. Partiu para outro relacionamento. Não digo que ele tenha deixado mulher e filho. Não, não existia como esposo ou pai. Era só corpo presente. Música sem sintonia.
A criança crescia incomodando os primos, empregados, vizinhos. Com seu velocípede de grande roda dianteira, era pavor de adultos e crianças. Quando pedalava, sentia-se todo poderoso e partia pra cima de quem tivesse por ali proseando ou meditando. Principalmente os menos avisados. Coisa de louco! Ninguém que amasse seu filho deixava o rebento em sua companhia.
Certa vez ele empurrou um velhote escada abaixo. Foi uma gritaria! O ancião tremeu, balançou perdendo o equilíbrio, mas conseguiu manter-se de pé segurando o corrimão da escada.
Havia cheiro de chumbo, quando o menino se aproximava! Todos então começavam a ensaiar um sorriso amarelo. A mãe, presente, fazia de tudo para despistar o que estava sentindo. Os pais olhavam-se na cumplicidade. Como quem diz: E agora? Estamos todos no mesmo barco...
Poucas pessoas na vida a gente tem oportunidade de acompanhar o nascimento, crescimento e entrada na maturidade. Hoje em dia só os parentes e olhe lá! Mas venho acompanhando a trajetória Dorian desde que tinha três anos de idade. Nome de prefixo significativo o dele: Dor – Ian. Que causa muita dor nos outros e, principalmente em sua mãe.
Eu me perguntava a cerca do sentimento dele em relação a sua mãe... Haveria afeto para com aquela mãe tão sofrida? Pessoa aparentemente frágil frente aos desassossegos da vida? Boa mãe, boa esposa, boa filha, Elisa... Surpreendente e misterioso o tipo de sentimento dela para com ele. Haveria limite tolerável para a convivência com um filho de atitudes tão repugnantes? Onde encontrava tanta paciência e dedicação?
E o menino à medida que crescia ficava mais exigente! Na adolescência começou a ameaçar a mãe por causa de suas mesadas, e antes de completar dezoito anos, já pegava o carro escondido na garagem e saia por ai desvairadamente. Mexeu com drogas e não conseguiu terminar o segundo grau. Nunca arrumou um lugar para trabalhar em que permanecesse um mês! Envolvia-se com mulheres libertinas.
Fisicamente nunca foi bonito. Depois de adulto desenvolveu um nariz, que além de desproporcional, é muito feio, plantado no meio do longo rosto cor de rosa. Lábios um tanto quanto polpudos e sobrancelhas cerradas. Mexe-se todo como se não comportasse dentro de si mesmo. Tal inquietude reina dentro dele até hoje e vem se agravando... Tornou-se cada vez mais explorador da mãe para quem, onde esteja, telefona pedindo dinheiro. Com todo modo execrável de colocar-se no mundo, torna-se pai de um menino fisicamente parecido com ele embora mais tranqüilo.
Elisa ama e acolhe o velho e o novo menino com seus braços finos e cansados.
Duro quando nos envolvemos com o sujeito de nossos pesadelos! Aí está o exemplo ao vivo e a cores do incomensurável desejo de amar de nossos corações. Da exigência de abraçar o próprio sofrimento vestido de gente. De querer amansar a fera insana que cada um reproduz dentro de si. Sobretudo a necessidade de conviver com nosso lado obscuro, sombrio e doente.
Dorian é a doença de Elisa. Mas é, também, sua esperança, desafio e desejo de superação. Se algum dia perder este seu filho espinhoso, penso eu, sua dor vai ser bem maior do que a da maioria das mães. Isto porque terá saudades do que não viveu com Dorian. Sentirá falta dele bebê e haverá grande hiato depois disso. Até que este amor machucado se renove no neto. Menino em flor, um grande desconhecido!
Não precisava ser assim, mas são estes misteriosos caminhos que a alma humana muitas vezes percorre para encontrar sua própria redenção...



Um comentário:

Rosinha disse...

Bom vim aqui.
Me emociono.
Fica com DEUS.

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Sou alguem preocupado em crescer.

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